quarta-feira, 4 de março de 2015

Urbanização e meio ambiente: crises sociais e ambientais

Zildo Gallo


Poucas administrações municipais dos países em desenvolvimento, cujas populações crescem em ritmo acelerado, têm poderes,  recursos e pessoal capacitado para fornece-lhes as moradias e os serviços necessários às condições humanas de vida, como água potável, saneamento, escolas e transportes etc. O resultado disso é a proliferação de assentamentos ilegais, crescimento das favelas, ausência de serviços urbanos como água tratada, coleta, transporte e tratamento de esgotos e resíduos sólidos, entre outros. Existe um hiato temporal, entre o surgimento das necessidades e a capacitação do poder público para atendê-las.

A urbanização rápida tornou-se um fato irreversível em todo o planeta a partir do século XX. No Brasil, pelos dados do IBGE, o fenômeno também aconteceu. Em 1950, por exemplo, 36% da população estavam nas áreas urbanas. Em 2000, a participação da população urbana sobre a total girava em 81%. Trata-se de uma explosão urbana, pois se observa um salto de cerca de 19 milhões para cerca de 138 milhões (ver tabela).

Evolução da população no Brasil (em milhões)
Ano
Total
Urbana
Rural
Urbanização (%)
1950
51,9
18,8
33,1
36,2
2000
169,5
137,7
31,8
81,2
   Fonte: IBGE (vários anos)

O que se observa na segunda metade do século XX é que, apesar do crescimento da população total, de 51,9 milhões para 169,5 milhões, a população rural também decresceu em termos absolutos, de 33,1 milhões para 31,8 milhões. Isto explica o surgimento de megacidades no Brasil, como a cidade de São Paulo, por exemplo, que conta com mais de 10 milhões de habitantes e é uma das maiores cidades do mundo.

O crescimento populacional e a expansão urbana impactam o meio ambiente. Contudo, podem ser mais ou menos impactantes, dependendo da sua dimensão, do tempo em que ocorre e, também, da forma como ocorre. As cidades muito grandes, pela necessidade de  grande volume de serviços urbanos, tendem a enfrentar mais problemas que as cidades menores. Uma expansão populacional mais lenta permitiria uma readaptação paulatina, mais adequada, das condições ambientais e sociais. O crescimento não planejado, muitas vezes a serviço da mera especulação imobiliária, pode criar sérios problemas ecológicos causados pela excessiva  impermeabilização (asfalto e concreto) do solo e poluições atmosférica, hídrica, sonora e visual, além da redução da cobertura vegetal, dificultando o trabalho de minimização dos impactos pelo poder público.

A situação das cidades pode ser agravada, caso o crescimento populacional faça-se acompanhar pela concentração de renda e do aumento da pobreza. É o caso do Brasil e do Estado de São Paulo. O Estado de São Paulo, com destaque para a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a partir da sua industrialização, transformou-se num polo de atração populacional, como no caso das populações rurais da Região Nordeste. Nem todos os migrantes conseguiam empregos no mercado formal de trabalho. Então, sem renda ou com pouca renda, não conseguiam instalar-se adequadamente nas cidades. A RMSP, em muito pouco tempo, é tomada por favelas e por loteamentos clandestinos, distantes das regiões centrais.

O crescimento rápido da região, somado ao não planejamento da urbanização, acabou criando problemas de difícil solução. Os loteamentos clandestinos que, inclusive, invadiram áreas de proteção de mananciais e as favelas dificultaram e ainda dificultam o acesso das populações aos serviços urbanos. Contudo, não são apenas os mais carentes que enfrentam problemas. O crescimento desordenado das cidades, acrescido de uma visão inadequada das questões ambientais pelos planejadores urbanos, acabou estendendo os problemas para toda a população. Desmatamentos das matas ciliares dos córregos, estreitamento e canalização dos seus leitos, quando somados ao processo de impermeabilização das vias públicas e à excessiva aglomeração de construções, têm causado frequentes enchentes, apesar do grande volume de investimentos para sanar a situação. As enchentes, a poluição do ar e os congestionamentos rotineiros afetam a todos.

Os problemas ambientais da RMSP são decorrentes da urbanização: uso inadequado dos recursos naturais, com destaque para a água; habitações inadequadas, como favelas e cortiços; redes de esgotos insuficientes; esgotos não tratados; despejos de resíduos urbanos em áreas públicas; áreas verdes insuficientes; impermeabilização excessiva do solo; confinamento dos rios; coleta e tratamento de resíduos sólidos inadequados.

Alguns problemas são mais visíveis. A água, por exemplo, é uma  questão séria para os gestores municipais. A RMSP enfrenta duas situações complicadas: a quantidade e a qualidade da água disponível. A bacia do Alto Tietê não dá para o consumo da população. Desde o final da década de 1970 a região importa água da bacia do rio Piracicaba (Sistema Cantareira), criando problemas de escassez, durante os meses de estiagem, nos municípios dessa bacia. Hoje, com as estiagens de 2013 e 2014, a RMSP enfrenta uma escassez absoluta de água e as reservas do Sistema Cantareira praticamente secaram.

A partir dos anos 1970, a RMSP não ficará mais sozinha nas mazelas ambientais. Por conta do fenômeno que ficou conhecido como “interiorização do desenvolvimento”, outras regiões do Estado de São Paulo tornaram-se atrativas às populações pobres de outros estados e do próprio Estado, dos seus municípios das regiões interioranas, que migravam atraídas por empregos industriais. A mecanização da agricultura fazia a sua parte nesse processo.

O que ocorreu na RMSP não serviu de exemplo. Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), quase toda localizada na bacia do rio Piracicaba, a trajetória foi a mesma. A RMC beneficiou-se de alguns projetos federais e estaduais, como a instalação de um polo petroquímico em Paulínia e a melhoria das rodovias estaduais, por exemplo. As prefeituras, por sua vez, contribuíram doando terras às empresas e concedendo isenção de impostos. O cenário para a expansão urbana foi montado e, de novo, não foram previstos mecanismos para a minimização dos impactos.

Na década de 1970, os municípios da RMC e da bacia do rio Piracicaba cresceram muito acima das médias nacional e estadual. Só para se ter uma ideia: o município de Sumaré chegou a crescer numa média de 16% ao ano. Os problemas ambientais mais visíveis na RMC e na bacia do rio Piracicaba decorrem do processo de urbanização. Favelização, rede e tratamento de esgotos insuficientes, despejos de resíduos em áreas públicas, impermeabilização excessiva do solo, entre outros, aconteceram como na RMSP. Outra “coincidência”: as prefeituras da RMC que incentivaram a industrialização não previram mecanismos minimizadores dos impactos sobre o meio urbano que sempre se fazem acompanhar.

Mais uma “coincidência”: o recurso hídrico na RMC é, de longe, o principal problema para os gestores municipais. A região também enfrenta questões quantitativas e qualitativas em relação às suas águas. A população cresceu e a água, que era abundante, escasseou-se. Redes de esgoto foram instaladas e não foram construídos sistemas de tratamento. Para agravar a situação, a RMSP capta na bacia do Piracicaba – reversão pelo Sistema Cantareira – 30m3/s. Nos períodos de estiagem, o racionamento de água é comum em municípios da região. Outro agravante: a disponibilidade de água subterrânea é pequena na RMC, insuficiente ao abastecimento urbano. O consumo de água para fins industriais, com destaque para a química e a petroquímica, também é alto, complicando a situação. Por conta da ligação entre os sistemas hídricos das duas regiões, a RMC encontra-se na mesma situação que a Grande São Paulo neste momento de crise hídrica.

Na década de 1980, a situação ambiental em relação aos recursos hídricos ganhou contornos tão difíceis na RMC que propiciou o desenvolvimento de um movimento ambientalista de grande porte na bacia do rio Piracicaba e na RMC. Tal movimento desembocou na criação do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari (1989), que congrega as administrações municipais, os usuários das águas e a sociedade civil organizada. Desde a sua fundação, o Consórcio tem atuado na busca de soluções para os problemas dos rios da RMC. É bom destacar que os municípios da bacia do Piracicaba tiveram papel importante na elaboração e na implantação de Lei 7663/91, que criou o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) para o Estado de São Paulo.

A criação do Consórcio e a posterior instalação dos Comitês de Bacias, previstos na Lei 7663/91, indicam um caminho, o melhor caminho: o planejamento descentralizado e participativo é a melhor forma de se enfrentar as questões ambientais. Os problemas de abastecimento de água, de tratamento de efluentes, de destinação de resíduos sólidos, entre outros, são melhor resolvidos quando tratados regionalmente. Assim, o Comitê de Bacia é o espaço onde os interesses dos diferentes atores sociais devem ser enfrentados.

Referência

GALLO, Z. SOSSAE, F. C. A questão da vegetação no ambiente urbanizado. Revista UNIARA, v. 13, p. 182-193, 2010.

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