Hoje,
19 de março de 2015, faz 117 anos que faleceu o poeta Cruz e Sousa (1861 -
1898). Morreu jovem, por conta de uma tuberculose que se arrastava, com apenas
36 anos de uma vida vivida difícil e dolorida. Apesar da sua sólida formação
intelectual, padeceu pelas mesmas dores dos seus irmãos negros. Num país de
analfabetos, teve seu talento rejeitado pelos homens brancos que administravam
o Brasil do final do século XIX. É bem provável que se fosse menos instruído
talvez tivesse penado menos. A sua rejeição pelos políticos locais para assumir
o cargo de promotor público no município de Laguna (SC) marcou a ferro a sua
existência, que, do ponto de vista material, vai ser muito precária. No
município do Rio de Janeiro, teve que se contentar com o trabalho de arquivista
na Estrada de Ferro Central do Brasil. Era um trabalho muito aquém da sua
genialidade e mal remunerado, que não dava conta da sobrevivência da sua
família.
Apesar
de todos os dissabores que viveu, ele teve algum reconhecimento no seu tempo,
por conta da sua coragem intelectual e artística. Foi um dos precursores da
literatura simbolista no Brasil e seus poemas ficaram conhecidos pela intensa musicalidade,
pelo sensualismo, muitas vezes pelo desespero e por uma certa obsessão pela cor
branca, que poderia até parecer com uma necessidade de lavar a negritude da sua
alma. Entretanto, acho que isso soa como uma simplificação, como uma análise
psicológica de superfície.
Praticamente
metade da população brasileira é composta por não brancos, mas foram poucos os
escritores negros, mulatos ou indígenas. O nosso "Cisne Negro", como era
conhecido no seu tempo, é considerado o maior poeta negro do País. Por que o
maior poeta negro e não o maior poeta? A poesia tem raça? Cruz e Sousa viveu
pouco e no seu pouco tempo de vida criou uma bela obra. Pelo pouco tempo de
vida a sua obra foi pequena no aspecto quantitativo, mas foi gigantesca no
aspecto da qualidade. Por que não o nosso maior poeta? Caso fosse um francês,
como o simbolista Baudelaire, o seu valor seria outro, seguramente.
A
tragédia de Cruz e Sousa, encenada nos estertores (bem ao gosto do poeta) do
século XIX, continua sendo encenada em pleno século XXI. A abolição da
escravatura parece um processo sem fim. Na verdade, quando a escravidão deixou
de ser uma instituição legal, um racismo cruel e avassalador assenhorou-se da
população branca e serviu como elemento essencial da exclusão social.
Quando
foram libertos, os negros foram lançados ao "Deus-dará", foram
entregues a sua própria sorte. Eles, que a séculos viviam tutelados, tiveram
que, num curto período de tempo, aprender a caminhar com as próprias pernas.
Eles deveriam ter sido ajudados nesse processo pelo estado brasileiro, o que,
de fato, não aconteceu. Um exemplo: como a maioria dos escravos trabalhava na
agricultura, eles poderiam ter sido assentados em lotes de reforma agrária,
onde plantariam e criariam animais. A história deles e a própria história da
agricultura brasileira teria seguido outra trajetória. O Brasil continuou
monocultor e a população afrodescendente mergulhou na miséria. No Rio de
Janeiro ela ocupou os cortiços e, quando foi expulsa pelas campanhas higienistas
contra a febre amarela, ocupou os morros, que se transformaram em favelas.
No
século XXI, passado mais de um século da abolição da escravatura, o IBGE, pelo Censo de 2010,
confirmou que a pobreza no Brasil continua afrodescendente. Segundo o Instituto,
11,5 milhões de pardos ou pretos se declararam pobres, contra 4,2 milhões de
brancos que assim se declararam. O número de pretos e pardos pobres é equivalente
a 2,7 vezes o número de brancos.
No
Censo de 2010, pela primeira vez, desde 1872, quando ocorreu o primeiro Censo
populacional no Brasil, 50,7% da população se autodeclarou preta (7,6%) ou
parda (43,1%), declarou-se afrodescendente. O percentual de brancos na
população caiu abaixo da metade e hoje é de 47,7%. Os negros e pardos são a
maioria e são os mais excluídos. Trata-se de uma exclusão histórica, que
precisa ser revertida.
A
melhor forma de inclusão dá-se pela educação, mas só ela não basta. Não basta
facilitar o acesso à escola, com destaque para o ensino superior. Sempre é bom
lembrar da história do nosso poeta. Ele possuía formação intelectual maior que
a maioria dos brancos brasileiros e teve o emprego de promotor público
rejeitado pelos políticos brancos do município de Laguna (SC) que, com certeza,
eram muito ignorantes quando comparados a ele. O acesso ao ensino é condição sine qua non da inclusão social, mas ela
tem que vir acompanhada de um combate diário contra o preconceito. O fim do
preconceito significará a redenção do nosso poeta maior, no meu juízo: Cruz e Sousa.
Vejam
a beleza de um poema seu.
O ASSINALADO
Tu és o louco da imortal loucura;
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o poeta, o grande assinalado;
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco a pouco.
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco a pouco.
Na natureza prodigiosa e rica,
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.
Referência
RIGHI, Volnei José. O poeta emparedado: tragédia social em Cruz
e Sousa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Teoria Literária e
Literaturas da Universidade de Brasília - UNB, 2006, 150p
No
quadro abaixo segue uma rápida biografia do poeta.
CRUZ E SOUSA: pequena biografia
João da Cruz e Souza, era filho de
escravos alforriados (Guilherme da Cruz e Carolina Eva da Conceição), nasceu
em 24 de novembro de 1861, em Florianópolis (SC), e faleceu em 19 de março de
1898. Teve uma boa educação proporcionada pelos patrões de seus pais,
estudando no Ateneu Provincial Catarinense. O seu sobrenome, Sousa, vem do
seu mecenas, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa. Dona Clarinda, a esposa do
marechal, cuidou da educação do menino João com desvelo e ele respondeu à
altura, aprendendo francês, latim, grego, matemática e ciências naturais. Era
um menino prodígio, mas era negro, uma marca que o acompanhará por toda a sua
curta existência.
Com vinte anos de idade, em 1881, foi
um dos fundadores do jornal Colombo. Em 1884, foi indicado pelo presidente da
província para a promotoria pública de Laguna (SC), mas foi impugnado por
políticos locais por ser negro. Em 1885 lançou o seu primeiro livro, Tropos e Fantasias em parceria com
Virgílio Várzea. Cinco anos mais tarde mudou-se para o Rio de janeiro, onde
trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil. Naquela
época, o Brasil era um país de analfabetos e um individuo versado em línguas
e ciências como ele, caso fosse branco, teria outro tipo de emprego,
seguramente. Contudo, enquanto trabalhava na ferrovia, naquele trabalho nada
criativo para o tamanho do seu gênio, Cruz e Sousa colaborava com o jornal
Folha Popular.
Em fevereiro de 1893, publicou Missal (poemas em prosa) e em agosto
do mesmo ano, Broquéis (poesias),
introduzindo o movimento simbolista no Brasil, que se estenderá até o ano de
1922, quando adveio o movimento modernista. Casou-se, em novembro de 1893,
com Gavita Gonçalves, negra como ele. Corria o mês de março de 1896, quando
Gavita dá sinais de loucura e, diante da doença da mulher, que durou seis
meses, Cruz e Sousa resolveu falar da sua loucura de uma forma diferente, com
poesia. Também foi ele quem cuidou da esposa enferma na sua própria
residência.
Pouco tempo depois, em 19 de março de
1898, com apenas 36 anos, o poeta morreu por conta do agravamento no seu
quadro de tuberculose. No mesmo ano nasceu seu filho póstumo, João da Cruz e
Sousa Junior, em 30 de agosto, que morreria em 1915, aos 17 anos. Seus outros
três filhos morreram antes de 1901, ano em que morreu sua esposa Gavita. Em
1900, seu amigo Nestor Vitor organizou e publicou a coletânea denominada Faróis. A sua tragédia pessoal
estendeu-se a toda a sua família.
|
PS.: Vale a pena ver o filme de Silvio Back, Cruz e Sousa - o Poeta do Desterro (ver
trecho em: https://www.youtube.com/watch?v=QM9z7e6y8Ho). Veja também um bom documentário: (https://www.youtube.com/watch?v=z72-Gf6ch4c).
Historia linda pois é uma história de superação dos limites que a vida lhe impôs.
ResponderExcluirEsses poetas excluídos da forma cultural eurasiana tem que ser exaltados. Eu mesmo desconhecia este, mas com certeza vou procurar conhecê-lo melhor.
ResponderExcluirObrigado, professor Zildo.
É de muita responsabilidade e, complicado responder este tema! Pelo fato de que, os humanos de pele negra, sempre foram discriminados desde os primórdios da história. Lí certa vez, em uma Bíblia muito antiga, a qual falava que, o homem de nariz achatado e de lábios considerados deformados e de pele negra, (Etíope),não podderia entrar na congregação e, nem oferecer oblações ao Deus de Israel. Na ocasião este têxto, não ne chamou a atenção. Hoje porém ao ler "Zido Gallo" veio em minhas lembranças estes versículos bíblicos. Não sou sociólogo para procurar entender o por quê dos Etiopes serem, tão discriminados desde os antigos tempos. Pelo que notamos, os Sumerianos eram de epidérme negra e mesmo, sendo eses os criadores dos cuneifórmes e, da ciência da astronomia foram, dizimados. Alguns comentaristas falam da existência do Adão negro; o primeiro casal que fora enganado pela serpente: Gênesis: 2: 1 - 17; Gênesis: 3. O segundo Adão segundo comentam era da cor braca, feitos e identificados como sendo os filhos de Deus: Gênesis: 1: 26 - 31 que, miscigenaram com as filhas do primeiro Adão: Gênesis: 6. Estes não sofreram o castigo do dilúvio (nunca foram anjos caídos) tal miscigenaçã foi proposital pois dela, saiu aquele que pisou a cabeça da sertente retirando da humanidade toda forma preconceito e, confimando que todo os que morrem nesta fé (do Cordeiro), entram imediatamente no estado ALGELICAL: Apocalipse: 6: 9; Apocalipse: 7: 9 - 17.Notamos que, mesmo antes dos ensinamentos do Cristo aos Judeus, muitos da humanidade prativavam as BEM-AVENTURANÇAS, por causa da miscigenação que, creio continuou ser procedida em todos os povos (nascimento de gênios). O cumprimento do amor ao próximo liquida, radicalmente com o preconceito racial! Sem mais...
ExcluirBelo artigo
ResponderExcluirO meu muito obrigado â EQUIPE!
ResponderExcluirGRATO!
ResponderExcluir