A ecologia
como área do saber nasceu na segunda metade do século XIX com Ernest Haeckel,
que utilizou esta palavra para identificar uma ciência que estudasse as
relações da imensidão de organismos com o meio ambiente. O termo ecologia não
se refere hoje a uma ciência única. Com o agravamento das questões ambientais
no século XX e com o surgimento ambientalismo no correr das décadas de 1950,
1960 e 1970, muitas outras ciências passaram a incorporar as questões ecológicas nas suas preocupações.
Um dos
problemas do pensamento ecológico é o tratamento dispensado ao ser humano. É
comum ouvir-se que o homem destrói a natureza. Contudo, não é o homem enquanto
categoria genérica que o faz. Ele o faz sob determinadas formas de organização
social, dentro de uma determinada cultura. Por exemplo, os indígenas convivem mais
harmoniosamente com a natureza do que os moradores de uma metrópole industrializada.
O ser
humano é um animal que produz cultura. Ele cria normas e instituições a partir
de estímulos ambientais e das relações com os semelhantes e, assim, acaba criando
a sua própria natureza. Ele também sobrevive e se expande nos mais distintos
e, às vezes, hostis ecossistemas, adaptando-se a eles e moldando-os conforme as
suas necessidades. Toda sociedade, a partir da cultura, desenvolve uma ideia
particular do que é a natureza. Então, o conceito
de natureza não é natural, ele é criado e instituído pelos homens. Para a sociedade atual, em particular a
ocidental, a natureza contrapõe-se à cultura. A cultura sempre é considerada superior
e, por isso, consegue (deve) controlar a natureza.
Então, a
partir da sua cultura, o homem coloca-se acima da natureza, acima dos demais
seres que nela e com ele convivem. Trata-se de um processo de separação que
coloca a natureza à sua disposição, a seu serviço. Todo mundo já ouviu
expressões do tipo “o homem é um animal social”, distinguindo os homens dos
outros animais. Ocorre que a vida social não é um privilégio da humanidade. A
sociabilidade está presente de forma ampla no mundo animal. Esta atitude
arrogante tem criado um fosso profundo entre a sociedade dos homens e a
natureza. Ela tornou-se estranha ao homem, que se acredita realmente dela
separado. Na sua mente ela deixou de ser a sua morada, pois a sua casa passou a
ser apenas a natureza por ele modificada, uma natureza “construída”.
Nos últimos
séculos, a justificativa dada para o avanço técnico e para a industrialização,
que implicam em grandes modificações ambientais, tem sido a elevação do
consumo. O consumismo legitima-se e penetra no inconsciente coletivo da
população, onde chega a se confundir com o desejo de liberdade. Ser livre é
poder apropriar-se da natureza, transformá-la em bens de consumo e consumi-la.
Em relação à natureza consolida-se, com a aceitação deste conceito de liberdade,
uma ética utilitarista. A natureza está aí para ser usada, ela vira “recurso
natural” que será trabalhado (modificado) pelo “recurso humano”, para que os consumidores
livremente consumam. Aí surge uma questão ética: esta liberdade não é para
todos, é para quem pode comprá-la. A exclusão por falta de renda, aquilo que o
economista Keynes chamou de “demanda efetiva”, é um dos pontos fracos deste
modelo de civilização. Outro ponto fraco é a destruição acelerada dos recursos
naturais, que já atinge dimensões catastróficas.
Foi a
partir dos anos 60 do século XX que esta visão de mundo, baseada num
crescimento indefinido do consumo, começou a ser contestada. Os movimentos contraculturais,
ecológicos, feministas, entre outros, e também os contatos com religiões e
filosofias orientais expuseram à luz do sol a grande crise ética da sociedade
ocidental. Acontece que ainda não surgiu, pelo menos de forma abrangente, uma
nova ética para que, a partir dela, se conceba uma nova civilização.
Como o
mundo, em particular o ocidente, pode superar a visão separatista e utilitária
que tem da natureza? Como é possível estancar o processo progressivo de destruição
da natureza que se iniciou na Revolução Industrial, no século XVIII, e que, a
partir daí, se aprofundou? Não existem respostas prontas, mas várias concepções
conflitantes.
Para o
pensamento liberal, a competição é "naturalmente" boa para a economia.
Esta forma de ver o comportamento econômico, que sobrevaloriza a competição e
minimiza o papel da cooperação, pode ser perigosa, pois pode conter uma ética neodarwinista implícita, que afirma que
o mais forte vence e tem o direito “natural” sobre o que conquistou. Trata-se
de uma visão ideologizada da luta pela vida que há na natureza. As questões que
envolvem a luta pela propriedade privada da terra, por exemplo, nunca foram
resolvidas com tranquilidade, sempre estiveram envoltas em muita violência.
O teólogo e
filósofo Leonardo Boff chama esta competição exacerbada de paradigma conquista. Para ele, tal paradigma, que foi necessário
para a expansão da humanidade há milênios atrás, entrou em grave crise nos
dias de hoje. O homem precisa parar de conquistar para não destruir tudo e
entrar noutro paradigma, o paradigma cuidado,
para continuar a sua trajetória e para reparar os danos provocados por suas conquistas.
Hoje, muitos
liberais acreditam que a tecnologia pode resolver os problemas ecológicos e, neste
sentido, são defensores das chamadas “tecnologias limpas”. Acreditam também que
a pobreza pode ser diminuída com mais crescimento econômico, ações
assistenciais e diminuição do crescimento populacional. Eles também defendem ações
corretivas, tais como: diminuição gradual da emissão de CO2; uso de energias
limpas; certificações ambientais; reciclagem de resíduos; aperfeiçoamento da
legislação e das ações de controle ambiental. Apesar destes avanços no seio
do liberalismo, avanços bem vindos e necessários, os liberais ainda não questionam
em profundidade o modelo econômico acentuadamente competitivo que defendem, partindo da compreensão dos seus efeitos mais danosos: a elevada concentração da riqueza, a
exclusão social e a enorme degradação ambiental, inclusive.
À esquerda,
os novos socialistas, pós queda do socialismo do tipo soviético, por sua vez, tecem criticas aos valores predominantes no
mundo globalizado. Para eles: a sociedade não pode se estruturar às cegas a
partir da globalização econômica; há que se repensar os modos de vida que se
balizam apenas pelas relações mercantis; os impactos sobre o meio ambiente resultam
de uma noção de progresso e de ciência já superados, que vem das revoluções
Científica e Industrial; deve-se questionar a intocabilidade da propriedade
privada, do livre mercado e do lucro como principal motivo da produção; é
preciso defender as "minorias" contra o racismo e os preconceitos; é preciso
enfrentar o patenteamento da vida e a propriedade intelectual privada, com
destaque para biodiversidade; é preciso lutar pela reforma agrária e por
políticas agrícolas ecologicamente corretas; o novo socialismo deve buscar a
real democracia, a participação popular, a descentralização do poder, a
solidariedade e o respeito à diferença; é necessário impor regras à atuação do
capital internacional, diminuir a má distribuição das riquezas e; também, criar
formas de participação social nas empresas e na economia.
Os liberais
e os novos socialistas colocam-se em extremos antagônicos. Num estado de
direito efetivamente democrático, o debate e o diálogo entre os dois grupos pode
ser muito profícuo do ponto de vista da busca por soluções possíveis, que
possam dar-se de formas minimamente consensuais. Uma democracia altamente participativa é essencial.
Além dos
liberais e dos novos socialistas, existem vários pensadores que têm opiniões
mais ou menos convergentes. O ponto de partida deles é a crítica ao tipo de
civilização construído a partir do desenvolvimento econômico baseado na
ciência e na indústria. Preocupam-se com os desequilíbrios que ocorrem com os
seres humanos e a natureza por conta desse tipo de desenvolvimento. Tais
autores buscam uma visão holística, integradora, que religue harmoniosamente
os homens com o meio natural. Eles buscam a estruturação de uma ética
holística.
O
desenvolvimento da razão científica e instrumental, um produto do Ocidente,
distancia o homem da natureza e facilita para ele a assunção de uma atitude
dominadora em relação a ela. Assim, ele subordina o ambiente à sua vontade. O
objetivo maior da corrente holística é recuperar a integridade do ser humano,
refazendo a sua relação com a natureza. As primeiras fontes desta corrente são
do início do século XX, quando o Ocidente começa a receber influências do
pensamento oriental. A partir da década de 50, com os movimentos contraculturais,
o aumento da crise ambiental e a ameaça nuclear, esta corrente visibilizou-se.
O seu pensador mais conhecido no mundo é o físico e ecólogo Fritjof Capra. No
Brasil destaca-se o filósofo e teólogo Leonardo Boff.
Para Capra,
a ecologia abrange um vasto campo. Ela pode ser praticada como ciência, como
filosofia, como política e até como estilo de vida. Enquanto filosofia ela é
conhecida como “ecologia profunda”, que se trata de uma escola fundada pelo
filósofo norueguês Arne Naess no começo dos anos 70 do século passado. Naess distinguiu
a ecologia “rasa” e a “profunda”. A
ecologia rasa é antropocêntrica e coloca o homem acima da natureza e a profunda
não aparta o homem da natureza.
Capra
considera que o arcabouço científico mais adequado para o estudo da ecologia é
a teoria dos sistemas vivos. A teoria dos sistemas trata-se de uma nova maneira
de ver o mundo e também uma nova forma de pensar, conhecida como pensamento
sistêmico, que significa pensar a partir de relações. Esta teoria diz que
todos os sistemas vivos compartilham propriedades e princípios organizacionais
comuns. Os ecossistemas são teias alimentares (redes de organismos); os
organismos são redes de células e as células são compostas por redes de moléculas. Para ele. a vida na sociedade humana também pode ser compreendida em termos
de redes, mas se trata de uma rede de comunicações:
À medida que as comunicações acontecem em
uma rede social, elas acabam produzindo um sistema compartilhado de crenças,
explicações e valores – um contexto comum de significados, conhecido como
cultura, que é sustentado continuamente por novas comunicações. Através da
cultura, os indivíduos adquirem identidades, como membros da rede social (CAPRA,
2005).
O
pensamento sistêmico implica numa mudança de enfoque de objetos para relações.
Trata-se de uma ruptura com o modo cartesiano de ver o mundo e seus fenômenos.
A divisão entre espírito e matéria que aconteceu após o “cogito, ergo sum” (penso, logo sou) de Descartes levou à concepção
do universo como um sistema mecânico, que é composto por partes separadas que
podem ser analisadas separadamente. A ciência que foi produzida no Ocidente, com
esta divisão, criou atitudes antiecológicas. A razão ocidental é linear e fragmentada
e os sistemas ecológicos são redes dinâmicas não lineares. Esta racionalidade
não capta a complexidade dos sistemas vivos e o resultado disto pode ser visto
nas tragédias ambientais que se espalham por todo o planeta.
Leonardo
Boff, ao analisar a modernidade científica e técnica, descobre por detrás dela
o funcionamento de uma determinada filosofia: o “realismo materialista”. Ele a
chama de realismo porque ela parte do ponto de vista de que as realidades
existem independentes dos observadores. Para ele, não tem objeto sem sujeito e
sujeito sem objeto. Também a chama de materialista porque pressupõe que a
matéria é a única realidade existente. Contudo, ele avalia que hoje a situação
mudou, pois:
A física quântica demonstrou a profunda interconexão
de tudo com tudo e a ligação indestrutível entre realidade e observador; não
há realidade em si, desconectada da mente que a pensa; ambas são dimensões de
uma mesma realidade complexa. O universo é consciente. A moderna cosmologia demonstrou
que este universo é matematicamente inconsistente sem a existência de um
Espírito Sagrado e uma Mente infinitamente ordenadora (BOFF, 1999).
Boff
considera que a nova filosofia deve ser holística, ecológica e espiritual. Ela
deve ser uma alternativa ao realismo materialista. Depois de séculos de cultura
material é chegada a hora de buscar uma espiritualidade sólida e simples, que
deve basear-se na percepção dos mistérios do universo e dos seres humanos. Esta
espiritualidade também deve sustentar-se numa ética de responsabilidade, de
solidariedade e de compaixão. Para ele, o bem comum não pode ser concebido
apenas a partir do homem. A natureza e os seus ecossistemas também devem ser
considerados. O bem comum deve ser de toda a comunidade terrestre com quem o
homem compartilha o seu destino:
A economia política não pode cuidar apenas
do bem-estar material dos seres humanos, mas de todos os demais seres que
precisam ter água não contaminada, solos não envenenados, ar despoluído e
nutrientes de qualidade. Sem essa ampliação da democracia, que será então
sociocósmica, o nosso bem comum não será suficiente nem adequado (BOFF,
2003).
Pelizzoli
(2002) considera a importância da grande contribuição do filósofo e ecólogo
Hans Jonas. Ele avalia que a sua postura é bastante ética, pois ele se preocupa
com a necessidade de conter a força descontrolada dos homens. Jonas fala, em O Princípio Responsabilidade (1995), de uma
nova dimensão para a responsabilidade humana, que vai além da responsabilidade
com os semelhantes, estendendo-a para toda a natureza. Também ele se lança
contra a visão cartesiana: a ideia de que a natureza existe por si, que ela é o
que pode ser medido, cortado e modificado não pode mais prevalecer. Em O Princípio Vida, onde fala da natureza
e da ética, Jonas conclui que apenas “uma
ética fundamentada na amplitude do ser, e não apenas na singularidade ou
peculiaridade do ser humano, é que pode ser de importância no universo das
coisas” (JONAS, 2004).
A ética
ambiental pode alimentar-se de muitas fontes, como das escolas filosóficas,
como a Escola de Frankfurt, que dá preciosas contribuições, e das várias
religiões, entre elas o budismo, o cristianismo e o taoismo, por exemplo, que
têm muitas contribuições a dar. Mas, para fechar este assunto, é bom falar aqui
da relação entre a ética ambiental e a hermenêutica. A palavra hermenêutica
vem do grego e significa interpretar. Ela deriva de Hermes, o mensageiro dos
deuses, criador da linguagem e da escrita. Para Pelizolli (2002), a hermenêutica
implica que, antes de se conseguir uma explicação sobre as coisas, que é a base
do proceder científico atual, deve-se, antes,
compreendê-las em
profundidade. O aprofundamento é necessário porque a
investigação sobre uma realidade objetiva sempre é passível de interpretações subjetivas. Esta
compreensão profunda é necessária porque o procedimento meramente cartesiano
pode ser restritivo, deixando de fora elementos que não cabem nos limites de
uma determinada teoria ou nos moldes de uma experimentação laboratorial.
Uma postura hermenêutica sobre
a ecologia serve para aprofundar a compreensão dos problemas causados pelo cartesianismo.
Também serve para desmistificar a ideia de progresso sem fim através da
dominação da natureza. Essa postura chama as diversas correntes ambientais a
dialogarem, trocarem experiências e buscarem pontos comuns, na tentativa de se
construir um mundo melhor para todos, humanos e não humanos.
Referências
BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca os fundamentos.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão
pela terra. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999.
CAPRA, Fritjof. Alfabetização ecológica: o desafio
para a educação do século 21. In: TRIGUEIRO, André (coord.). Meio ambiente no século 21: 21
especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento.
Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005.
GALLO, Zildo. Ethos,
a grande morada humana: economia, ecologia e ética. Itu, SP: Ottoni
Editora, 2007.
JONAS, Hans. O princípio vida: fundamentos
para uma biologia filosófica. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2004.
JONAS, Hans. El principio
reponsabilidad. Barcelona: Herder, 1995.
PELIZZOLI, Marcelo L. Correntes
da ética ambiental. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002.
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