Zildo Gallo
A
partir do meu livro "Ethos, a Grande Morada Humana: Economia Ecologia e
Ética" (2007), tomando como ponto de partida as questões inerentes ao Ocidente,
elaborei um conjunto de propostas que considero
necessárias para que se comece uma trajetória positiva no sentido da construção
de um mundo melhor. Seria uma espécie de "como podemos fazer a nossa parte".
Não são propostas facilmente exequíveis, por conta do primitivo estágio
civilizatório da humanidade ainda nos tempos atuais, mas são necessárias à própria
sobrevivência da humanidade de forma digna. Não considerá-las neste momento,
pode significar um passo rumo à barbárie.
Sobre
a academia e a fragmentação da ciência - Em relação à fragmentação do conhecimento científico, tem-se
observado uma mudança positiva, nos últimos anos, que já tem chegado ao meio
acadêmico. A academia já tem, pelo menos parte dela, enfrentado a resistência
ao conhecimento interdisciplinar. Trata-se de um exercício de humildade que o cientista
precisa adotar, saindo do casulo da sua área de saber e se aproximando das
demais. Contudo, há muito que avançar ainda; o ocidente ainda continua muito
impermeável à penetração de saberes de outra origem; os conhecimentos
provindos do oriente servem para exemplificar. Mas, até em relação a estes, as
resistências têm diminuído, apesar da
lentidão. A aceitação das medicinas chinesa e indiana são bons exemplos disso,
por exemplo.
Sobre
a ética planetária - A
necessidade de se construir uma ética para o planeta Terra é de extrema importância
e sua relevância para a própria sobrevivência da humanidade é, cada vez mais,
inquestionável. Os limites do estado-nação precisam ser superados. Doravante, é
necessário modelar um novo projeto de
civilização, baseado na paz e no cuidado para todos os países. É
preciso fundar um novo ethos para permitir uma nova convivência entre os
homens e destes com todos os demais seres do planeta. A nova ética deverá
nascer da essência, da natureza mais profunda do ser humano. Ocorre que a
essência do homem está muito mais no cuidado, na compaixão, do que na razão e
na vontade. Há que se resgatar a essência do humano. É preciso ir além da
ciência, muito além. Trata-se de um projeto de caráter multicultural, envolvendo
todas as tradições culturais de todos os povos, incluindo aí todas as religiões,
indistintamente. Há a necessidade de aberturas de diálogos entre as culturas e
religiões diferentes no sentido de se estabelecer um espaço de paz e tolerância
entre elas.
Sobre
a ética econômica - A
aproximação entre ética e economia é cada vez mais necessária e será benéfica
para ambas. Muitos problemas éticos estão ligados a questões logísticas, que
são objetos de estudo da ciência econômica, como o problema da fome, do saneamento
básico e da exploração do trabalho infantil, entre vários outros. As soluções
passam, muitas vezes, pela engenharia econômica, a engenharia econômica a serviço
de um objetivo maior, ético: o bem-estar social. A responsabilidade pelo bem-estar social é de todos, não é só dos economistas,
ela é nacional e transnacional, porque os seres humanos que sofrem não podem
ficar segregados nos seus territórios. É preciso encarar toda a
humanidade como uma grande família. Onde quer que habitem, a preocupação
com os que têm fome e padecem de doenças não pode cessar porque os aflitos
estão do outro lado da fronteira. A ética econômica precisa ter este caráter universal.
Sobre uma filosofia para a natureza - O desenvolvimento da razão
científica, que é o principal produto da civilização ocidental, distanciou o
homem da natureza e facilitou para que ele assumisse uma atitude arrogante e dominadora
em relação a ela. Acontece que a racionalidade do ocidente é linear e
fragmentada (cada ciência no seu quadrado), uma herança da Revolução Científica
que teve início no século XVII, e os sistemas ecológicos são redes dinâmicas não
lineares. Esta racionalidade não consegue captar a complexidade dos sistemas
vivos e o resultado disto pode ser visto nas tragédias ambientais que se
espalham por todo o planeta. Quando se analisa a modernidade científica e
técnica, descobre-se por detrás dela o funcionamento de uma determinada
filosofia: o “realismo materialista”. A nova filosofia precisa ser uma
alternativa ao realismo materialista; deve ser holística, ecológica e
espiritual. Ela também precisa extrapolar o antropocentrismo, pois toda a
natureza e os seus ecossistemas devem ser considerados. A ciência econômica,
por exemplo, não pode cuidar só do bem-estar dos seres humanos, mas de todos os
seres, indistintamente, que precisam de água com qualidade adequada, de solos
não contaminados, de ar limpo e alimentação.
Sobre
a sustentabilidade do desenvolvimento - O
desenvolvimento sustentável deve ser aquele que, além de atender às necessidades
do presente, também não compromete a possibilidade de as gerações futuras atenderem
as suas próprias necessidades. A humanidade precisa rapidamente ser capaz de
tornar sustentável o desenvolvimento econômico. O conceito de desenvolvimento
sustentável tem limites; não são limites absolutos, são limites impostos pelo
estágio atual da ciência, da tecnologia e da organização social e pela
capacidade da biosfera de absorver os efeitos antrópicos negativos. Tanto a
tecnologia quanto a organização social devem ser geridas e aprimoradas a fim
de proporcionar uma nova era de crescimento econômico que não produza de novo
as destruições que o progresso material tem provocado até agora. O desenvolvimento
sustentável não é um estado de harmonia permanente. Trata-se de um processo de
mudança bem difícil, mas necessário, onde o uso dos recursos, a alocação dos
investimentos produtivos, o desenvolvimento da tecnologia e as mudanças
institucionais têm que estar em conformidade com as necessidades do presente e
do futuro. Do ponto de vista econômico, há que se pensar no longo prazo, o que
significa uma mudança radical, pois o mercado atua quase que exclusivamente no
curto prazo. Assim, é necessária a reintrodução do planejamento no debate
econômico, algo que foi deixado de lado com a expansão do neoliberalismo a
partir dos anos 80 do século XX, indo além do mercado.
Sobre
o consumismo - Nos dias de hoje,
o consumidor com poder de compra, com renda, fica atordoado diante do imenso
leque de possibilidades de consumo posto à sua frente e não consegue
compreender as suas repercussões sobre o meio ambiente do planeta. Assim, as
propostas de mudança nos padrões de consumo são importantes na busca da utopia
de uma “sociedade sustentável”. Os consumidores podem e devem politizar as
práticas de consumo, cobrando dos produtores práticas sociais e ambientais
responsáveis. Então, há que se fazer um esforço para diminuir a ignorância do
consumidor sobre as repercussões das suas escolhas, ou seja, torná-lo ciente do
impacto delas. É necessária e urgente uma “alfabetização ecológica”. Ela
ajudaria o consumidor a compreender as consequências das escolhas. Ensinar o
“saber ecológico” será o maior papel da educação neste século. A alfabetização
ecológica precisa se tornar uma obrigação para políticos, empresários e
profissionais de todas as áreas, e deve ser, também, uma preocupação central da
educação em todos os seus níveis – fundamental, médio, universitário e
profissionalizante.
Sobre
uma democracia global - A
necessidade de se construir uma democracia global é óbvia tanto para os dirigentes
dos países maiores quanto para os dirigentes de países pequenos. Ocorre que,
num mundo globalizado, as ações de cada país podem repercutir em todo o planeta
até por séculos adiante e a democracia, nos moldes atuais, continua elegendo seus
dirigentes com base em eleições nacionais para mandatos de durações curtas. O
mundo tornou-se global e de longo prazo e a democracia ainda é nacional e de
curto prazo. Neste sentido, para se democratizar, a globalização deve deixar de
ser identificada apenas com o comércio, como acontece nos dias de hoje. As
relações de comércio continuarão moldando o futuro próximo do planeta Terra por
um longo tempo. Entretanto, para que elas aconteçam dentro dos marcos
civilizatórios, terão que ser acompanhadas por uma crescente solidariedade
internacional, que contemple investimentos para superar a exclusão social e as
catástrofes locais. Uma democracia global tem que combinar a democracia
nacional com a solidariedade internacional e histórica em relação às sociedades
de hoje e às gerações futuras.
Os pontos levantados acima caracterizam uma
Nova Utopia. Cada vez mais há que se pensar em termos globais. este é o princípio
número um. Todavia, a globalização pretendida deve ir muito além da mera
globalização econômica dos dias atuais. É necessário que se universalizem
valores humanos lastreados em princípios igualitários e de justiça: fim da
pobreza; das exclusões por credos
religiosos, raça, opção sexual etc. e; fim das desigualdades entre homens e
mulheres. Muitos direitos também devem ser globalizados: segurança alimentar;
educação; saúde; habitação; transporte coletivo etc. Enfim, há a necessidade de
se pensar uma sociedade nova, sem privilégios de nenhuma ordem. O estado de
bem-estar social (Welfare State), existente em vários países da Europa, com
destaque para os países nórdicos, precisa ser universalizado como ponto de partida para uma nova
sociedade. As palavras de ordem da Revolução Francesa (Liberté, Egalité,
Fraternité) precisam ser postas de novo na ordem do dia, pois, afinal, somos
todos iguais, ou não somos? A liberdade deve ser para todos e se tem algo que
limita a liberdade, este algo é a pobreza. A fraternidade, por sua vez, é um
valor que precisa ser universalizado, que precisa adentrar nos corações e
mentes de todos os seres humanos, pois ela é o ponto de partida para a
igualdade. Não dá para pensá-las separadamente, como costumeiramente acontece.
Referência
GALLO, Zildo. Ethos, a grande morada humana: economia, ecologia e ética. Itu, SP:
Ottoni Editora, 2007.
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