terça-feira, 24 de março de 2015

A crise hídrica, o Sistema Cantareira e o desserviço da imprensa

Zildo Gallo


Choveu bem durante o mês de fevereiro e está chovendo bastante neste mês de março de 2015. No dia 23/03/2015 o portal G1, da Rede Globo, estampou a seguinte manchete: "Sistema Cantareira segue subindo e nível passa de 16,6% para 17,1%". Pelo título da matéria parece que estamos entrando no melhor dos mundos em relação à situação hídrica para a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e para a Região Metropolitana de Campinas (RMC). A imprensa escrita também segue o mesmo caminho. O jornal Correio Popular, de Campinas, no dia 23/03/2015, fez uma chamada na sua capa com o seguinte  teor: "Cantareira: nível sobe a 16,6% na 16a  alta seguida". Só faltou soltarem rojões, numa queima de fogos apoteótica.
As chuvas constantes nos dois meses são mais que bem-vindas, mas elas estão longe de recompor o volume das águas do Sistema Cantareira, colocando-o numa situação confortável. Apesar das elevações, a situação ainda é crítica. Há um ano, o nível estava em 14,6% do volume útil, que já era muito baixo, e ainda não contava com os dois volumes mortos, adicionados em maio e outubro de 2014. A chuva dos últimos meses conseguiu recuperar apenas a segunda cota do volume morto. Para cobrir a primeira cota do volume morto, o armazenamento de água do sistema precisa chegar a 29,2%, o que completaria o conjunto do volume morto e chegaria à situação de 0% do volume útil (desconsiderando o volume morto, que é uma espécie de "reserva técnica"). Após atingir os 29,2% e, a partir daí, ultrapassando-o, indo além do volume morto, da "reserva técnica", é que efetivamente se pode considerar que tudo caminha rumo a uma real melhora (ver gráfico).

CANTAREIRA: nível, em % (com a capacidade total sem o volume morto)
Prelo gráfico acima, é possível ver que, na verdade, quando se retira o volume morto, em 23/03/2015, que representa os 17,1% festejados pela imprensa, chega-se a uma situação de cerca de -20% (vinte por cento negativos), ou seja, o sistema está devendo, está no vermelho. Isto parece muito aquela melhora de um paciente terminal, pois é preciso lembrar que o período da estiagem está chegando. Tudo parece caminhar no sentido de que adentraremos o tempo seco numa situação pior que 2014.
Antes da crise, o Sistema Cantareira abastecia 8,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo e  hoje produz água para 5,6 milhões. O sistema conseguiu recuperar apenas o equivalente à segunda cota do volume morto. O Cantareira cortou 56% na vazão em relação a fevereiro de 2014. A quantidade fornecida passou de 31,7 mil litros/segundo para 14 mil litros/segundo. Pela gravidade do quadro, o fornecimento deveria ser ainda menor, mas o Governo do Estado, sócio majoritário da SABESP, parece não querer correr riscos, é o que parece à primeira vista. Medidas mais sérias de racionamento deveriam ser tomadas. É óbvio que isso não é agradável, mas não devemos esperar por milagres, por uma não estiagem. Pode até acontecer, mas não tem nenhuma racionalidade nisso.
Está chovendo muito e é bom que chova muito. Será bom se no mês de abril as chuvas continuarem com toda força. Torçamos para isso. Contudo, temos que ser realistas. Muita gente, vendo as águas caírem, podem ter relaxado. Isso é normal, pois ninguém gosta de ficar num permanente mal-estar, mas a vigilância é necessária neste momento. Relaxemos na medida do possível, mas fiquemos alertas O papel da imprensa deveria ser o de alertar permanentemente a população sobre o quadro real e sobre os riscos futuros. Quando ela não faz isso adequadamente, ela produz um desserviço.
Durante muito tempo permanecerá a necessidade de um contingenciamento do consumo de forma mais rígida, enquanto as obras de engenharia para aumentar a capacidade de armazenamento do sistema estiverem em andamento. A SABESP e os serviços municipais de água e esgoto têm que correr contra o tempo. Trata-se de recuperar o tempo perdido. Há anos os técnicos alertavam sobre a necessidade de investimentos no setor e eles não foram levados a sério.
Alguns municípios da Região de Campinas (RMC), que está ligada ao Sistema Cantareira,  possuem represas e, assim, conseguem uma autonomia. É o caso de Nova Odessa, que conseguiu aumentar a capacidade de três barragens da cidade através do seu desassoreamento. Outros municípios da região pretendem fazer o mesmo. Municípios que não têm represas deveriam pensar em tê-las e construí-las leva tempo. É tempo de correr atrás do prejuízo, não dá para relaxar.
O Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) começará a elaborar projetos para o desassoreamento de represas municipais com o objetivo de aumentar a capacidade de armazenagem de água. Os sedimentos dos fundos das represas são compostos basicamente por areia e a areia é uma matéria prima importante da construção civil. A areia retirada poderia ser vendida, o que reduziria o custo da empreitada do desassoreamento. O PCJ está considerando essa possibilidade no seu planejamento. Será melhor para a região de Campinas precisar o menos possível da vazão do Sistema Cantareira, pois as obras necessárias para ampliar a sua capacidade de estocagem são de médio e longo prazos.
Agradeçamos pelas chuvas, mas não soltemos rojões. O racionamento está longe  de ser descartado. Uma diminuição drástica do consumo continuará sendo necessária por um longo período, principalmente na Grande São Paulo (RMSP), onde a situação é mais crítica.

SEMPRE ALERTA!

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