terça-feira, 12 de julho de 2016

SOBRE AS ÁRVORES, AS ÁGUAS, OS MORROS E OS VENTOS

Zildo Gallo


Este artigo foi publicado originalmente em 24 de novembro de 2014, quando o Brasil, com destaque para o Estado de São Paulo, vivia uma estiagem severa. Neste ano de 2016, a situação das águas melhorou, mas não é possível acomodar-se, pois a situação permanece crítica por conta do consumo irracional de recursos hídricos e pela degradação ambiental generalizada, com destaque para o desmatamento que continua a sua escalada no país como um todo. Então, vale a pena republicá-lo. Trata-se de uma explanação resumida e com intenção de ser o mais completa possível sobre a questão das águas. Boa leitura!


A longa estiagem que castiga severamente a Região Sudeste do Brasil, com destaque para o Estado de São Paulo, deixando a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e a Região Metropolitana de Campinas (RMC) em situação de grave crise de abastecimento, pode ser muito útil se, ao menos, servir para que pensemos um pouco sobre como tem sido a nossa relação com a natureza.
Vivemos em casas ou apartamentos nas cidades, com suas ruas pavimentadas e arborizadas com plantas enfileiradas, a maioria de um mesmo tipo, e com alguns parques onde observamos uma variedade um pouco maior de espécies arbóreas, cujos nomes, populares ou científicos, na sua maioria desconhecemos. Essas árvores, alguns animais domésticos, algumas flores nos jardins caseiros, quando eles existem, ou em vasos resumem o nosso contato com a natureza. Ah! às vezes, tem um zoológico na cidade e nele vemos outros bichos, de longe, e, talvez nos perguntemos o porquê das placas "não alimentem os animais".
Reclamamos quando chove, quando faz calor, quando faz frio e quando venta. Também reclamamos do barro, da poeira, das folhas das árvores nas calçadas e de muitas outras coisas, é muito desacordo... Em suma: temos uma relação de intolerância em relação à natureza. Ela nos parece estranha e, de fato, nos é estranha, pois dela nos afastamos há muito tempo e, assim, dela nos esquecemos ou, melhor, esquecemo-nos há muito que dela fazemos parte, deixamos de ser "gente do mato".
A industrialização e a urbanização produziram esse afastamento; são dois fenômenos bem conhecidos e muito estudados. Eles criaram uma natureza à parte, uma natureza construída com ferro e cimento, um ambiente protegido, onde vivenciamos uma sensação de "ampla" segurança. Um exemplo em relação aos recursos hídricos: não sentíamos a falta d'água como sentem os povos que vivem nas regiões áridas e semiáridas, pois quando abríamos as torneiras, víamos a água jorrar. Mas, agora, abrimos as torneiras e a água já não jorra. Sentimo-nos inseguros e impotentes e, se observarmos com bastante atenção, de fato, tornamo-nos impotentes, de certa forma...
Por ignorarmos muitas coisas, por não compreendermos muitos fenômenos que nos cercam, sentimos medo e impotência. A ignorância costuma ser a mãe de muitos medos. Apesar de sermos urbanóides, podemos fazer algumas coisas para mudar isso, mas, para tanto, precisamos questionar inclusive algumas "comodidades" que a vida urbana nos proporciona.
A seguir vão algumas informações para que nos tornemos um pouco menos desinformados sobre a natureza, em particular sobre a água. Divido em três partes o conjunto de explicações ambientais necessárias para compreender minimamente a questão dos recursos hídricos, destacando a produção e a conservação da água: as florestas e as águas, a água no meio urbano; a água no meio rural.
A floresta e as águas
As florestas são essenciais no processo de produção de água doce. As árvores retiram água do subsolo e lançam na atmosfera, trata-se de um fenômeno conhecido como evapotranspiração. A evapotranspiração transforma-se em nuvem e desce à terra em forma de chuva. Quanto maior a floresta maior é a evapotranspiração e a formação de nuvens. Para exemplificar: a floresta amazônica localiza-se sobre áreas abundantes em água subterrânea e, pelo seu tamanho, produz muita evapotranspiração e muitas nuvens. Essas nuvens são empurradas pelo vento para a Região Sudeste do Brasil e se transformam em chuva.
A preservação da floresta amazônica é necessária para a produção de água doce no Sudeste brasileiro. Então, o que nós moradores do Sudeste podemos fazer pela Amazônia, pela sua preservação? Além de nos manifestarmos contra o desmatamento, podemos fazer duas coisas bem práticas: diminuir muito o consumo de carne bovina e não comprar madeira de origem amazônica não certificada.
A expansão do consumo de carne bovina, no Brasil e no mundo, tem provocado contínuos desmatamentos nos estados da Região Norte para a abertura de pastagens. Assim, formou-se uma união perversa entre madeireiros e pecuaristas que precisa ser desmontada. A criação de gado no Brasil dá-se de forma predatória, basicamente pecuária extensiva, a cada aumento no consumo de carne aumenta-se a área de pastagem. Após a ocupação da Região Centro-Oeste e a consequente degradação das suas terras, acompanhada da devastação da vegetação do cerrado, a pecuária de corte força agora seu avanço rumo ao Norte.
Por sua vez, na Região Sudeste predominam duas formações florestais, a Mata Atlântica e o Cerrado. Ambas foram muito devastadas, restando muito pouco das formações originais. Faz-se necessária a recuperação de boa parte delas. Isso ajudará nas formação de nuvens que se somarão às produzidas na Amazônia, contribuindo para a produção de chuvas. Mais adiante, quando falarei da água no meio rural, a questão florestal do Sudeste será enfrentada com os detalhes necessários.
A água no meio urbano
Além de fazer o uso mais racional possível dos recursos hídricos, evitando desperdícios, os moradores das cidades precisam entender algumas coisas simples mas muito úteis para contribuírem com a produção e a preservação de água. O principal problema das cidades é a impermeabilização do solo, pois, além das ruas asfaltadas, os moradores costumam cimentar os quintais. Isso impede a penetração da água da chuva no subsolo, o que diminui, por conseguinte, a água das nascentes. Com a impermeabilização, as chuvas transformam-se em escoamento superficial (enxurrada) e a água vai embora para os rios e dos rios para o mar. O ideal é ter muita água armazenada no subsolo; o subsolo é o nosso melhor reservatório.
Além dos quintais descobertos, com jardins e hortas e, dependendo dos seus tamanhos, também com árvores de grande porte, os municípios precisam de muitas áreas livres e arborizadas (parques e jardins). As árvores deixam a temperatura mais amena e o ar mais úmido, por conta da evapotranspiração. Elas são climatizadores naturais de ar e também contribuem com a formação de nuvens. As vias públicas também devem ser arborizadas pelos mesmos motivos elencados acima.
Antigamente, as ruas eram pavimentadas com paralelepípedos (blocos de granito) e os vãos entre os blocos diminuíam o escoamento superficial, pois permitiam a infiltração da água da chuva no subsolo. Algumas cidades, como Campinas, no Estado de São Paulo, onde resido, chegaram a colocar massa asfáltica sobre as ruas com paralelepípedos, talvez por conta do incômodo dos motoristas com o chacoalhar dos carros e das moçoilas com seus sapatos de salto alto. Trata-se de uma ignorância desmedida.
A água no meio rural
Nas áreas rurais, a importância das árvores é ainda maior que nas cidades, se é possível estabelecer uma hierarquia. Caso os proprietários rurais cumpram a lei e reflorestem as matas ciliares nas margens dos corpos d'água e as matas das nascentes, já estarão dando uma grande contribuição para a produção de água. E se, além disso, criarem as suas reservas legais, estabelecidas em percentuais diferentes conforme as regiões, boa parte da cobertura florestal original será recuperada. Os agricultores precisam abandonar a ideia de que as florestas diminuem as áreas agricultáveis, com a consequente diminuição da produção agrícola. Trata-se de uma visão imediatista e extremamente utilitarista em relação à natureza. Pode ser que a crise hídrica contribua para a essa tomada de consciência.
Outras áreas muito importantes para a produção e o armazenamento de água são os topos de morros, pois os morros são verdadeiras caixas d'água naturais, são os nossos melhores reservatórios. Eles não podem ser impermeabilizados, com a construção de imóveis, por exemplo, e necessitam de cobertura florestal. As árvores no topo dos morros impedem que as chuvas se transformem em escoamento superficial, e possibilitam a infiltração. A água armazenada nos morros é liberada aos poucos nas nascentes e as nascentes se transformam em rios e lagos. Em larga escala, no Brasil, os morros foram desflorestados e necessitam que suas árvores sejam replantadas.
Alguém desavisado pode argumentar o seguinte: as roças cultivadas pelos agricultores não realizam o mesmo processo de evapotranspiração necessário à formação das nuvens? Podem, mas não com a mesma eficácia das árvores. As árvores buscam água no subsolo, pois têm raízes profundas e, mesmo nas estiagens, realizam permanentemente o seu papel de umidificar o ar e produzir nuvens. As roças temporárias, com plantas de raízes curtas, apenas captam água na superfície do solo e, nos períodos do estiagem, necessitam de irrigação, o que pode piorar a situação de escassez hídrica. As roças e as pastagens não têm como substituir as florestas na produção de água.
Além de tudo isso, não podemos nos esquecer de que estamos sob o efeito da aquecimento global, o "efeito estufa", que tem desregulado os ciclos naturais. Em alguns lugares as estiagens acentuam-se, em outros as inundações aumentam; ora faz muito frio ora faz muito calor; os ventos ora sopram ora não sopram; tempestades violentas acontecem onde antes não aconteciam; etc. etc. Parece o caos, mas não nos desesperemos. Isso significa que temos que ser mais prudentes em relação ao uso dos recursos naturais. Diante das perspectivas sombrias, de imediato, pelo menos, duas atitudes são necessárias: 1) iniciar já a recuperação dos ecossistemas degradados, como as matas ciliares, nascentes, topos de morro e florestas; 2) assumir uma atitude preventiva e adotar uma forma de planejar a ocupação do território que minimize os impactos das intervenções sobre a natureza, no curto, médio e longo prazos. São tarefas grandes e necessitam da intervenção dos governantes. O que nós cidadãos comuns podemos fazer? Coisas simples, como usar água com parcimônia, cultivar plantas nos quintais, diminuir o consumo de carne bovina, consumir produtos da agricultura orgânica, que tem uma relação positiva com a natureza etc. Coisas bem simples...

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