Zildo
Gallo
Ainda que o ser humano tenha
criado a sua própria natureza (mundo urbano), enquanto ele fazia a sua
caminhada pelo planeta Terra, e aos poucos apartava-se da sua natureza de
origem, aquela que ele compartilha com todos os outros seres, ele precisa
reconciliar-se com essa sua natureza original, sob o risco cada vez mais
presente de produzir uma imensa catástrofe, tanto par si, dentro da sua
natureza artificialmente criada, como para os demais companheiros de viagem
neste planeta, que ainda vivem na natureza primeva.
A figura acima resume a situação vivida pela humanidade na
relação economia-ecologia. Olhando para o lado direito da figura, vê-se uma
representação da relação economia-ecologia antes das revoluções industriais,
numa sociedade pré-industrial. Podia-se afirmar com segurança que a economia
estava mais subordinada ao meio ambiente, principalmente pelos limites impostos
aos homens pela matriz energética de então, que dificultava a movimentação
autônoma de máquinas e limitava a velocidade e a capacidade do sistema de
transportes. A produção de mercadorias era muito pequena se comparada com a
situação da sociedade industrial e, por consequência, a destruição da natureza
também acontecia numa escala incomparavelmente menor. Tudo isso já é sabido e
divulgado aos quatro ventos, então, não é necessário alongar-se no assunto. O
lado esquerdo mostra uma situação de total subordinação da natureza à economia,
onde a sua exploração ultrapassou os limites indispensáveis a sua
autorregeneração. A figura sugere um tipo de retorno à sociedade pré industrial
sem perder os avanços científicos e tecnológicos conquistados até aqui.
Trata-se de um retorno necessário à natureza num estágio superior da
civilização.
O que interessa aqui nesta
conversa é que a natureza tornou-se uma entidade estranha para a maioria dos
seres humanos, que vive hoje nas cidades, trancados em suas moradias de ferro e
concreto, que funcionam como fortalezas a separá-los do mundo exterior. Ali
eles sentem-se protegidos das intempéries e dos predadores imaginários e reais.
Os grandes felinos e os lobos já não espreitam a sua cabana, o maior risco
neste momento circunscreve-se aos predadores da sua própria espécie, os homens.
Com o avanço das forças produtivas
capitalistas, o campo esvaziou-se e as cidades encheram-se, entupiram-se de
gente. Em grande parte, com o esvaziamento do campo, a zona rural passou para o
controle do grande capital, disso que os economistas chamam de agronegócio. A
partir daí, a natureza tem se tornado cada vez mais estranha aos cidadãos, por
conta de tê-la alienado à agroindústria (usineiros, pecuaristas, produtores de
soja etc.).
O avanço do agronegócio aconteceu
no bojo da chamada "Revolução Verde", que se fundamente na excessiva
mecanização da agricultura e no uso intensivo e intenso de agroquímicos
(fertilizantes e venenos), que estimulou e continua estimulando ataques
permanentes aos ecossistemas como: desmatamentos; assoreamentos dos corpos
d'água, extinção de espécies vegetais e animais; redução da biodiversidade;
contaminação do solo; contaminação da água; contaminação dos alimentos por
agrotóxicos; contribuição com o "efeito estufa" pelo desmatamento e
avanço da pecuária sobre as florestas etc.
Todos estes ataques à natureza
acontecem cada vez mais distantes dos olhos de cada cidadão, que trabalha e
vive na natureza construída, na concretude do ferro e do cimento, e que se
encontra alienado da natureza primeira de onde são extraídas as matérias primas
de toda a sua existência. O contato do cidadão urbano com o mundo natural
passou a se resumir às idas às praias, aos resorts (natureza modificada e
amestrada) e hotéis etc., numa situação de meros turistas, como visitantes de
um museu natural de priscas eras.
Para distanciá-los ainda mais da
natureza, avançou em todo planeta uma gigantesca indústria de alimentos processados.
As pessoas deixaram de elaborar o próprio alimento e, por
"comodidade" e "falta de tempo", sujeitaram-se aos
alimentos industrializados (enlatados, envasados etc.), em muitos casos de
duvidosa qualidade. Nos tempos mais recentes, o forno de microondas deu uma
contribuição exponencial para esse processo de alienação alimentar.
O retorno à natureza pode parecer
tarefa impossível à primeira vista. A intenção deste artigo é mostrar que não é
bem assim. Não se pretende aqui tratar de todas as mudanças necessárias,
algumas muito complexas para o cidadão comum, como a transição a uma nova
matriz energética, por exemplo, superando a era do combustível fóssil, mas de
focar apenas uma que está ao alcance de todos.
Algumas atitudes muito simples
podem contribuir para o início da reconexão com o mundo natural. Um exemplo: apesar
de os terrenos urbanos serem cada vez menores, por conta da especulação
imobiliária, alguma vegetação pode ser cultivada, como pequenas hortas e
árvores frutíferas de pequeno porte. Até mesmo nos apartamentos plantas podem
ser cultivadas em vasos e floreiras. São medidas de alcances restritos, mas
que, no conjunto, se muitos adotarem, podem significar muito.
Todavia, tem duas atitudes
individuais que podem ter alcances expressivos caso muitos cidadãos decidam por
elas. Primeira atitude: os cidadãos precisam retomar o velho hábito de produzir
o próprio alimento, como outrora acontecia, diminuindo aos poucos e firmemente o
consumo de alimentos excessivamente processados pela indústria de alimentos,
com destaque para as grandes corporações do setor; trata-se de uma séria
questão de saúde pública. Segunda atitude: eles podem, a partir da elaboração
da sua própria comida, avançar no consumo de produtos orgânicos, que são
produzidos em harmonia com a natureza e contribuem com sua recuperação.
Alguns cidadãos consumidores podem dizer que os
produtos orgânicos são mais caros e, hoje, eles têm razão, mas isto pode e deve
mudar. A massificação do consumo e o aumento expressivo (tem que ser expressivo
mesmo) do número de produtores, com o correr do tempo, implicarão na queda dos
preços dos produtos agrícolas, com certeza, é uma questão de tempo apenas;
precisa acontecer. OLHA O SELO DOS ORGÂNICOS AÍ, GENTE!
O crescimento expressivo da agroecologia pode
contribuir para a recuperação ambiental e social do planeta Terra pois: 1) os produtos orgânicos são sempre produzidos com a
preocupação primeira de não prejudicar o meio ambiente, pois ela acontece sem
destruir os recursos naturais (água, solo e matas); 2) os produtores valorizam
as espécies de plantas e animais da nossa natureza, de cada um dos nossos
ecossistemas (Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia etc.); 3) todos os
trabalhadores que participam da sua produção devem ter condições dignas de
trabalho e remuneração adequada que lhes garantam boas condições de vida em
sociedade; 4) o solo deve ser protegido dos desgastes infringidos pela produção
contínua e sempre deve manter as suas condições sanitárias preservadas; 5) a
biodiversidade de insetos e micro-organismos é um bom sinal da sanidade do solo
(solo saudável produz plantas saudáveis); 6) o produtor que opta pela
agricultura orgânica também não pode cultivar transgênicos, pois eles sempre
põem em risco a enorme diversidade de variedades existentes na natureza
(transgênicos são plantas e animas que sofreram a introdução de genes retirados
de outras espécies por cientistas a serviço das corporações internacionais do
agronegócio); 7) a agroecologia também é por definição protetora dos recursos
hídricos, preservando nascentes e corpos d'água; 8) também ajuda na recuperação
da vegetação original, contribuindo para o aumento da biodiversidade vegetal e
animal e; 9) o não uso de agrotóxicos garantirá um solo sem contaminação, a
pureza das águas e a sanidade dos alimentos.
Dá para imaginar as mudanças socioambientais
no planeta se todos os consumidores adotarem o consumo de produtos orgânicos; será
uma verdadeira revolução. A agricultura orgânica esta alicerçada em muito
conhecimento, ao contrário do que muitos pensam, é pura ciência. A sua prática
implica num conhecimento profundo do funcionamento da natureza. Na verdade, o
agricultor adepto da agroecologia retoma para si o conhecimento que ele "comodamente"
alienou às grandes corporações do agronegócio, quando passou a comprar suas
sementes, venenos e fertilizantes químicos. Trata-se de um processo de
libertação, tanto para eles como para os consumidores e para todos os demais
seres que dividem com os seres humanos a nave mãe Terra na sua jornada pela Via
Láctea e pelo Universo. Este pode ser o início da volta para a casa, para o
Jardim do Éden, o decantado paraíso perdido no início dos tempos, conforme divulga
a mitologia judaico-cristã.
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