quinta-feira, 30 de junho de 2016

SOBRE A ESSÊNCIA DO SER HUMANO



Zildo Gallo

Em 8 de dezembro de 2014 eu publiquei neste blog um artigo intitulado “Saber cuidar: a essência do humano”, onde, a partir das ideias de Leonardo Boff, recoloquei no centro do debate contemporâneo a verdadeira essência do ser humano, o cuidado. Parece que nos esquecemos de que somos cuidadores na nossa essência mais profunda, na nossa origem, pois vivemos num mundo altamente competitivo e egoísta. A competição tornou-se a nossa forma de ser, como um tipo de neodarwinismo ideológico instalado à força nas nossas mentes.

No final do século XVIII, o filósofo e economista Adam Smith escreveu que o homem busca essencialmente os seus interesses particulares, numa atitude egoísta em relação aos demais seres, humanos e não humanos. Todavia, para ele isso não era ruim, pois o mercado conduziria com suas mãos invisíveis os desejos e interesses de cada um de modo a produzir o bem estar coletivo, de toda a sociedade. Com Smith o Deus Mercado ficou livre para gerar sem culpas o bem-estar dos indivíduos e, a partir da somatória dos interesses individuais realizados, produzir o bem-estar coletivo.

Hoje é possível enxergar a tamanha simplificação desse pensamento, desse sofisma. Definitivamente, a soma dos bem-estares individuais não gera o bem-estar de todos. Resumindo: o egoísmo não é bom, não é saudável, tanto para o indivíduo como para a sociedade, como acreditam os economistas liberais, pois muitos indivíduos, muitos milhões deles, ficaram alijados das “benesses” do mercado. Será que eles não foram competitivos o suficiente? É muito fácil observar hoje como essa forma de encarar a vida, colocando o indivíduo humano no centro do universo e não a vida como um todo, como realmente deveria ser, tem produzido muita violência e muita miséria em todo o nosso planeta. As crises ambientais e as recorrentes crises econômicas são resultantes desse egoísmo e desse individualismo desenfreados.

Existe um clamor por uma sociedade mais solidária, verdadeiramente humana, mas não é fácil resgatar a solidariedade num mundo que se desenvolveu e continua se desenvolvendo a partir da competição; a competição é a energia vital do capitalismo, principalmente no seu estágio atual (capitalismo financeiro). Parece que os humanos não conseguem atuar de outra forma, parecem que estão viciados em competir, pois foram treinados desde a infância para isso. Todavia, não tem outra saída, ou migramos para um mundo solidário, que é o oposto deste que conhecemos, parando este moto continuo insano, ou a humanidade sucumbirá, é bem simples assim. Por conta disto, reproduzo abaixo o artigo publicado em 8 de dezembro de 2014, onde tentei explicar porque a essência dos seres humanos é o cuidado.

A redenção da sociedade só será possível com a transmutação do egoísmo para o altruísmo sincero, da competição desmedida, que só tem produzido violências e misérias, para o verdadeiro cuidado com todos os seres viventes na Terra, humanos e não humanos.

SABER CUIDAR: A ESSÊNCIA DO HUMANO

Cuidado é o tema principal do livro Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela Terra, de Leonardo Boff, onde ele resgata a fábula-mito do Cuidado ou Fábula de Higino. Caio Júlio Higino, em latim Gaius Julius Higinus, foi um escritor da Roma Antiga (primeiro século a.C.). Sua principal obra chama-se Fábulas ou Genealogias. Trata-se da recompilação de 300 lendas, histórias e mitos da tradição greco-latina. Eis a fábula:

Certa vez, depois de atravessar um rio, o deus Cuidado viu uma porção de barro. Então, teve uma inspiração. Tomou um pouco de barro e deu-lhe uma forma. Enquanto contemplava a sua obra, apareceu Júpiter, o senhor de todos os deuses. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele, o que Júpiter fez com satisfação. Todavia, quando Cuidado quis dar um nome a sua  criatura, Júpiter o proibiu, exigindo que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e  Cuidado discutiam, surgiu a deusa Terra. Ela quis também dar o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, que era material do seu próprio corpo, provocando com isso uma discussão generalizada. Como não chegavam a um acordo, chamaram Saturno para que funcionasse como árbitro da questão. Procurando ser justo, Saturno tomou a sua decisão: "Você, Júpiter, deu-lhe o espírito e, por isso, recebê-lo-á de volta quando a criatura morrer. Você, Terra, deu-lhe o corpo e recebê-lo-á de volta quando da sua morte. Cuidado, como você foi quem moldou tal criatura, ela deverá ficar sob seus cuidados enquanto viver. E, já que vocês não chegam a um acordo sobre o seu nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil”.

O ser humano nasceu, assim como todos os seres, do corpo da Terra. Conforme a lenda, ele nasceu de uma terra fértil, do húmus da terra, que foi trabalhada com esmero e muito cuidado pelo deus Cuidado. A palavra humilde também deriva de húmus e, desta forma, ser humilde significaria reconhecer-se filho da Terra, da sua fertilidade, assim como todas as demais criaturas que também são filhas da mesma mãe, que também se formaram a partir do mesmo corpo, do mesmo barro.

A partir da fábula-mito do cuidado, podemos elaborar uma linha de raciocínio que pode levar-nos a entender o propósito maior da existência, o do cuidado necessário com o ser humano, que deve refletir-se no cuidado com a própria Terra, que é ao mesmo tempo nossa mãe e nossa casa, cuja maternidade e abrigo dividimos com todos os seres vivos, nossos irmãos. Reconhecer-se filho da mesma mãe significa compreender e respeitar a teia da vida que foi sendo  construída lentamente, durante milhões e milhões de anos no nosso planeta.

O mito do cuidado é mais que pertinente nos dias de hoje, pois faz com que nos relembremos da nossa íntima ligação com a Terra, o nosso planeta, instando-nos a que humildemente nos religuemos a ela, pois, neste momento, ela também necessita dos nossos cuidados. Trata-se, metaforicamente, da necessidade de uma volta para casa. Ele também pode servir como uma metáfora de caráter educativo, pois serve para despertar naquele que lê uma reflexão sobre a necessidade de cuidar dos seres humanos que sofrem e também de transformar o cuidado recebido pelo deus Cuidado, sob as ordens de Saturno, no cuidado com todos os outros seres viventes, com a própria Terra, por extensão.

O cuidado surge quando a situação de existir de alguém tem importância para outro alguém também existente, trata-se de uma relação, de um conjunto de relações. Alguém sai de si mesmo e conecta-se a outros, que, reciprocamente, também fazem o mesmo movimento. Por outro lado, a palavra “cuidado” significa preocupação, inquietação, sentido de responsabilidade, pois aquele que cuida sente-se envolvido e afetivamente ligado ao outro. Então, o cuidado é algo que se liga àquilo que é a essência primitiva, a essência primeira, do ser humano, que não é a razão, mas o afeto. O afeto antecede a razão; ele se encontra naquela situação de proteção que cada ser humano recebe nos primeiros dias da sua vida, naqueles momentos em que está totalmente dependente e indefeso em relação ao mundo que o cerca, naquele momento em que está totalmente dependente e indefeso em relação ao outro. cuidado é o modo de ser do humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano e ele é cuidado e se cuida em grupo, sendo dessa maneira um ser social. Caso não receba cuidados, desde o nascimento até a morte, ele se desestrutura, definha e morre. Ele recebe cuidados para aprender a cuidar. Ele deve aprender a cuidar de si mesmo depois da sua infância, que é bem longa se comparada com a de outros animais, para em seguida aprender a cuidar dos outros humanos e dos demais seres vivos do planeta, pois tudo que vive precisa de cuidados para viver. Esta é a verdadeira regra do jogo neste mundo.

Conforme a fábula de Higino, o cuidado é fundamental para a existência e, neste sentido, antecede o espírito soprado por Júpiter e o corpo esculpido por Cuidado com o húmus fornecido pela deusa Terra. O Cuidado é a essência divina, é um a priori, ele preexiste. É aquele Eros, o puro amor, aquele deus grego que já existia na noite dos tempos, antes mesmo da criação do universo.

Sem cuidados a vida e os humanos não existiriam. Então, há que se ter cuidado com tudo. É preciso ter compaixão com todos os seres que sofrem, humanos e não humanos, obedecendo mais o coração, seguindo mais a lógica da cordialidade do que a da competição e do uso utilitário das coisas. Há que se ter cuidado com a Terra e com a sociedade, particularmente com os excluídos, com todos, enfim.

Neste momento, em desespero, tanto a Terra quanto a humanidade clamam por cuidados essenciais. A degradação ambiental, a pobreza de milhões de pessoas e as violências de todos os tipos precisam ser enfrentadas. Enfim, a grande crise pela qual passa o planeta Terra, só pode ser enfrentada com mais cuidado, o que resulta num clamor por um novo ordenamento ético para a humanidade e para o nosso planeta.

Contudo, as crises criam novas oportunidades e, neste momento, elas possibilitam mergulhos na instância onde, segundo Leonardo Boff (2003), os valores são continuamente forma­dos. Segundo ele, a nova ética planetária “deve brotar da base última da existência humana”. Ela não está na razão, como deseja o Ocidente. A razão não é a essência da existência e por isso não pode explicar e nem abranger tudo. A essên­cia do existir está em “algo mais elementar e ancestral: a afetividade”. Então, contrariando Descartes, que é o pilar do saber ocidental, a experiência basilar não é o seu “penso, logo existo”, mas, segundo Boff, é o “sinto, logo existo”.

Assim, para Boff (2003), na raiz de todas as coisas não está a razão (logos), mas a paixão (pathos). “Pela paixão captamos o valor das coisas (...) Só quando nos apaixonamos vivemos valores. E é por valores que nos move­mos e somos”. Neste ponto, Boff observa o surgimento de uma dramática dialética entre razão e paixão, já que ele em absoluto não menospreza o papel da razão:

Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética uti­litária. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões e a ética hedo­nista, do puro gozo das coisas. Mas, se vigorar a justa medida, e a paixão se servir da razão para um autodesenvolvimento regrado, então emergem as duas forças que sustentam uma ética promissora: a ternura e o vigor.

Leonardo Boff (2003) considera que dessas premissas pode surgir uma ética que será ca­paz de incluir toda a humanidade. Essa nova ética deverá estruturar-se em torno de valo­res fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao fazer humano, às relações cooperati­vas e à cultura da não violência e da paz. “É um ethos que ama, que cuida, se responsabi­liza, se solidariza e se compadece”.

Referências
BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca os fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
______. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes 1999.


sexta-feira, 24 de junho de 2016

SOBRE A NECESSIDADE DE PLANTAR ÁRVORES

Zildo Gallo


Hoje, 24 de junho de 2016 (dia de São João), um dia ensolarado de inverno e com temperatura amena, diante da grave situação de aquecimento global (efeito estufa), afirmo que é cada vez mais necessário e cada vez mais urgente o plantio de árvores, muitas árvores, pois elas incorporam carbono nos seus tecidos lenhosos após retirá-lo (gás carbônico) da atmosfera no processo de fotossíntese. Quanto mais árvores forem plantadas tanto mais gás carbônico será retirado do ar, contribuindo para o rebaixamento gradual da temperatura do nosso planeta. Por conta disso, que é uma das minhas preocupações centrais enquanto professor de economia ecológica no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Araraquara (UNIARA), resolvi reproduzir duas publicações antigas do meu blog que tratam do assunto em questão. A primeira trata-se de um artigo onde falo sobre os serviços ambientais prestados pelas florestas e sobre a necessidade do urgente reflorestamento do Estado de São Paulo (As árvores ausentes e a monotonia dos canaviais); a segunda trata-se de um poema onde lanço críticas sobre a monocultura canavieira do Estado (Canção do exílio rural - um poema muito concreto) que, no meu entendimento, destrói a biodiversidade de amplas áreas do seu território. Ao artigo e ao poema!

AS ÁRVORES AUSENTES E A MONOTONIA DOS CANAVIAIS

Zildo Gallo

Publicado em 4 de dezembro de 2014


As florestas com suas árvores prestam inestimáveis serviços ecossistêmicos, também denominados ambientais, para o planeta e, por óbvia extensão, a todos os seres humanos. Tais serviços podem ser divididos em quatro grupos a saber: regulação, provisão, suporte e culturais.
Serviços de regulação. Dizem respeito à estabilização e manutenção dos ecossistemas para que eles continuem exercendo o seu papel de forma ininterrupta e previsível. As matas protegem as nascentes, as margens dos corpos d'água e os topos de morros e, assim, ajudam na conservação da água doce, que é um bem essencial à vida. As árvores que ficam nas encostas de terrenos com declives acentuados ajudam na estabilidade do solo, evitando desmoronamentos; aqueles que já tiveram as suas casas destruídas com quedas de encostas bem sabem o significado disso. A evapotranspiração (retirada de água do subsolo e posterior liberação na atmosfera) ameniza a temperatura local e, ao mesmo tempo, ajuda na formação de nuvens, contribuindo para o bom funcionamento do ciclo hidrológico. Em tempos de aquecimento global, os tempos de hoje, as suas árvores têm um papel de altíssima relevância: retirada de gás carbônico do ar e armazenamento duradouro nos seus tecidos lenhosos, o que contribui para diminuir a retenção de calor na atmosfera pelos gases do efeito estufa.
Serviços de provisão. As árvores das matas fornecem frutos, óleos, madeira e fibras, que se transformam em alimentos e matérias primas para a produção de muitos bens. A indústria moveleira, da construção civil, de papel e celulose, de produtos farmacêuticos, de alimentos, de cosméticos, entre várias outras, têm as florestas como provedoras e, em tese, deveriam interessar-se pela sua preservação, por meio de manejos planejados e sustentáveis, para garantir que elas continuem provendo de forma constante e ininterrupta, o que nem sempre acontece, ou, melhor, pouco acontece.
Serviços de suporte. As folhas e até mesmo os troncos das árvores mortas decompõem-se (húmus) e ajudam na formação de solo fértil; a quantidade da formação de húmus guarda uma relação direta com a densidade e o tamanho das matas. As árvores adultas contribuem com crescimento das plantas ao fornecerem abrigo adequado para que as sementes lançadas ao solo germinem, cresçam e se transformem em árvores adultas. E, assim, renovam a vida de forma cíclica. A profusão de raízes nas matas, com algumas atingindo grande profundidade, na busca e água e nutrientes, contribuem para a descompactação do solo de forma natural, lenta e gradual. Quanto maior a mata e quanto maior a sua biodiversidade botânica, maior deverá ser a sua biodiversidade faunística, graças ao fornecimento de alimentos em quantidade e qualidade para as mais diversas espécies animais, partindo dos minúsculos insetos, passando pelos répteis, pelas aves e chegando aos mamíferos. A existência de matas próximas às áreas agrícolas é muito útil, pois a sua entomofauna diversificada pode contribuir com o equilíbrio ecológico das roças plantadas. O papel das abelhas, muito comuns nas matas, para a polinização das flores é um bom exemplo da contribuição dos insetos para a agricultura; há muitos exemplos a serem citados, não é o caso aqui.
Serviços culturais. Guardam uma relação direta com os seres humanos. As matas são lugares de visitação turística que podem ser de caráter educativo ou meramente contemplativo, de práticas esportivas diversas, como o arvorismo e as trilhas. Antigamente havia a caça de animais, hoje ela é proibida, ainda bem, e só acontece na clandestinidade. As florestas também são espetáculos de beleza e têm por isso grande valor estético. A própria trajetória da espiritualidade humana tem a ver com elas. O uso de plantas enteógenas (plantas de poder) pelos povos é muito antiga, desde a pré-história da humanidade, há muitos milênios. A palavra enteógeno significa "manifestação interior do divino" e as plantas que possibilitam tal manifestação foram primeiramente extraídas das matas pelos sacerdotes e sacerdotisas de antigas religiões. Um bom exemplo dessa prática antiga é o Santo Daime, originário da floresta amazônica, que deriva da combinação de um cipó (jagube) com as folhas de uma árvore de pequeno porte (chacrona).
Depois de todo o exposto acima, pretendo ater-me a um aspecto particular dos serviços culturais prestados pelas florestas e pelas árvores, o aspecto estético. Durante a minha explanação acabarei me reportando a outros serviços, mas o mais importante a partir daqui será a beleza e ela, quando pensamos nas flora brasileira, liga-se a sua diversidade. Pode ser a da mata atlântica, do cerrado, da caatinga ou da Amazônia, tanto faz.
O Estado de São Paulo já teve no passado uma grande cobertura vegetal, tanto na mata atlântica, na sua porção leste, quanto no cerrado, no oeste. A monocultura cafeeira, a partir do final do século XIX, avançou pelo seu território e devastou os dois sistemas. Durante o século XX, outras monoculturas também se desenvolveram e hoje resta muito pouco das florestas originais. Nos dias de hoje, no século XXI, predomina outra monocultura, a da cana-de-açúcar.
Quando viajamos pelas rodovias paulistas, observamos dos dois lados um mar de cana. Às vezes, avistamos lá, ali, acolá alguns pequenos fragmentos de floresta, pode tratar-se de algum trecho de mata ciliar, margeando algum córrego, ou de um bosque isolado, feito uma ilha no meio do canavial, tanto faz, é muito pouco. Ai dos pobres dos passarinhos que têm poucos lugares onde construir seus ninhos. Trata-se de uma paisagem que continuamente se repete, numa monotonia construída por máquinas e homens. Às vezes, rodando por alguma estrada, até bem acostumados à monotonia dos canaviais, avistamos um assentamento de pequenos produtores rurais, um assentamento da reforma agrária, e, ali, vemos um mosaico formado por espécies vegetais diferenciadas, um quadro isolado, ilhado no mar de cana, às vezes...
E daí? Vamos erradicar os canaviais e plantar florestas em nome da beleza? Não parece muito sensato. Todavia, algumas coisas podem ser feitas. Algumas são obrigatórias por lei e precisam acontecer em algum momento; que seja o mais rápido possível. Refiro-me às áreas de proteção permanentes (APP), como a mata ciliar às margens dos rios, lagos e nascentes, e à reserva legal, que se refere a um percentual da propriedade rural que não pode ser cultivado, a não ser com espécies arbóreas. A recuperação e implantação das APPs já ajudariam a quebrar a monotonia, pois significaria a introdução de árvores em larga escala no Estado de São Paulo, tal é a gravidade da situação ambiental do Estado no que tange ao aspecto da sua cobertura vegetal.
Contudo, precisamos ir além da lei. Como ir além da lei sem ferir os interesses do agronegócio, pelo menos por enquanto? É possível? Sejamos criativos! A imaginação no poder, lembram-se? lá nos idos dos anos sessenta?
Falarei aqui de uma possibilidade que pode ter grande alcance. Ela tem a ver com monotonia das estradas margeadas pelos canaviais. Sugiro transplantarmos o conceito de mata ciliar, aplicado aos corpos d'água para as estradas. Por que não plantamos árvores durante todo o percurso das rodovias, que são muitas, muitas mesmo. Nem que seja em fila única nas margens estreitas. Nas margens mais amplas, poderiam ser cultivados pequenos bosques. Vamos ainda mais longe, pensemos nas estradas rurais, que são uma infinidade. Por que não plantamos também matas ciliares nelas. Mas tem algo importante a ser lembrado: não podemos esquecer o princípio da diversidade, que é correta do ponto de vista ecológico e que cai muito bem do ponto de vista estético. Plantemos da forma mais variada possível, com espécies nativas, exóticas, frutíferas etc. Nossas viagem ficariam mais alegres e os passarinhos deixariam de ser sem-tetos. Beleza e justiça socioecológica, por que não?
É claro que para que isso aconteça, faz-se necessária a política. Trata-se de uma questão de política pública. Os três níveis de governo, federal, estadual e municipal, com a participação da sociedade, em particular dos proprietários rurais, poderiam juntar-se com esse objetivo singular: plantar árvores em larga escala, para o bem da ecologia e da beleza. Por que não?

CANÇÃO DO EXÍLIO RURAL – UM POEMA MUITO CONCRETO

Zildo Gallo

Publicado em 4 de dezembro de 2015.
 A imagem parece uma pintura, mas é um conjunto de canaviais sem nenhuma árvore entre eles. Deles vem um combustível muito “amigo da natureza”.



O sapo não coaxa no brejo
A abelha não visita flores
A minhoca não transita subterrâneos
O pássaro não pousa na árvore

O brejo está seco
A abelha tonta esqueceu-se de voltar
O sapo suicida banhou-se envenenado
A terra da minhoca espremeu-se
Socada pelas patas emborrachadas dos gigantes
Nem sinal dos preciosos anéis invertebrados
A árvore sumiu
O pássaro sobrevivente na urbe exilou-se
Antes dele foi-se o último dos humanos

Nos campos enfileiram-se canas adocicadas
Um mar de doçuras verdemente uniforme
Monotonia silenciosa
Uma única forma de vida
Verdejante solidão
Vez ou outra se quebra a monotonia
E o dinossauro de ferro devora
Cada colmo de cada cana
Um espetáculo pouco visto
Mas em casa os resultados disso recebo
O branco açúcar da minha anestésica ração
A comida do meu cavalo mecânico

Do alto deste edifício
Neste exílio concreto
Ponho-me a cismar
Minha terra sem palmeiras
Sem canto e sabe lá...
E as aves já não gorjeiam
Nem aqui
Nem acolá

Notas explicativas: 1) a mortandade de sapos e rãs denuncia a existência de poluição, pois são animais muito sensíveis; 2) as abelhas contaminadas por agrotóxicos perdem o radar biológico, não conseguem voltar à colmeia e acabam morrendo; 3) a diminuição de áreas arborizadas diminui a biodiversidade, com o desaparecimento de mamíferos, pássaros, répteis, insetos e espécies vegetais; 4) o uso de máquinas pesadas compacta o solo, o que dificulta a sobrevivência de insetos na sua superfície e impede a infiltração da água no subsolo, aumentando o escoamento superficial das chuvas e provocando a perda de solo (erosão).


quinta-feira, 23 de junho de 2016

OS ARCANOS MAIORES DO TARÔ EM POEMAS: A RODA DA FORTUNA

Zildo Gallo

Continuando o proposto em 26 de abril de 2016, um dia outonal nublado, eu publico hoje, 23 de junho de 2016, num dia suavemente frio, ensolarado e sem os ventos outonais, no início do inverno do hemisfério sul, um poema sobre a minha percepção da carta número 10 (dez) do Tarô de Marselha, a Roda da Fortuna. Relembrando, desde 1990 eu estudo as mais diferentes versões do Tarô, desde a mais antiga, Tarô de Marselha, até as mais contemporâneas, como o Tarô dos Orixás, por exemplo. A Roda da Fortuna é a décima carta da jornada arquetípica do Tarô e, após ela, continuarei publicando pelo menos um poema por semana e, ao cabo de mais ou menos 20 semanas, que teve início em abril de 2016, terei passado uma visão completa em forma de poesia sobre todos os arcanos maiores.


A RODA DA FORTUNA

É um vir-a-ser intangível,
é o instante seguinte a nos esperar,
é o rodar da roca das Moiras
que, seguindo o girar do tempo,
o rodopiar azul da Terra,
vai fiando a linha da nossa vida.

São os movimentos de Gaia,
nossa mãe,
que gera a vida
em ciclos de nascimento e morte,
de morte e vida,
de partidas e retornos.

São processos invisíveis,
inacessíveis,
à nossa risível e humana condição,
envolta em névoa,
que limita e delimita
a visão do caminho à frente.

Movimentos imperceptíveis
que nos lançam
na supremacia
da surpresa permanente do viver,
Do eterno vir-a-ser.

Para entender melhor "A RODA DA FORTUNA", transcrevo aqui um poema escrito em 2001, onde falo da insegurança do porvir, da necessidade fóbica que temos de controlar o futuro e da mediocridade da vida sem as surpresas.

DESEJO E DESTINO

Desejar ter o minuto seguinte
preso entre as mãos
desejar a paralisia do tempo
para reorganizar o tabuleiro
do xadrez das nossas vidas
desejando ardentemente
a não existência do outro jogador
que move as suas peças
fora do nosso controle
desejar a construção de via reta
para o nosso caminhar
e perder a aventura da surpresa
e desejar
ainda
ser feliz.


Zildo Gallo - Piracicaba, SP, 24 de outubro de 2001


OS ARCANOS MAIORES DO TARÔ EM POEMAS: O EREMITA

Zildo Gallo

Continuando o proposto em 26 de abril de 2016, um dia outonal nublado, eu publico hoje, 23 de junho de 2016, num dia suavemente frio, ensolarado e sem os ventos outonais, no início do inverno do hemisfério sul, um poema sobre a minha percepção da carta número 9 (nove) do Tarô de Marselha, o Eremita. Relembrando, desde 1990 eu estudo as mais diferentes versões do Tarô, desde a mais antiga, Tarô de Marselha, até as mais contemporâneas, como o Tarô dos Orixás, por exemplo. O Eremita é a nona carta da jornada arquetípica do Tarô e, após ela, continuarei publicando pelo menos um poema por semana e, ao cabo de mais ou menos 20 semanas, que teve início em abril de 2016, terei passado uma visão completa em forma de poesia sobre todos os arcanos maiores.


O EREMITA

Minha sina é caminhar
E há muito... muito tempo caminho,
Como o grego Diógenes caminhava,
Levando como ele a minha lanterna,
Que ergo no alto e à frente
Como quem por algo procura,
Mas não procuro alhures,
Cinicamente,
Como ele procurava,
Por um homem que fosse de bem.

Caminho só,
Testando cada terreno com a firmeza
Do meu velho e sólido cajado,
Que comigo envelheceu na poeira das estradas
E que, por si só, como amigo e antigo aliado,
Já adivinha o meu próximo passo,
Cada próximo passo,
Um de cada vez,
Sem pressa,
Pois a pressa é inimiga da sabedoria.

A minha lanterna erguida à frente
Ilumina um caminho curto,
Um pouco maior que cada passo meu,
Limitando o alcance dos meus olhos exteriores,
Permitindo-me, enquanto traço meu caminhar,
A possível entrada,
A necessária entrada,
Nas estreitas e acidentadas trilhas
Do meu mundo interior,
Onde busco
Com os olhos do espírito
Um homem
Que seja verdadeiramente de bem.


sexta-feira, 17 de junho de 2016

OS ARCANOS MAIORES DO TARÔ EM POEMAS: A JUSTIÇA

Zildo Gallo

Continuando o proposto em 26 de abril de 2016, um dia outonal nublado, eu publico hoje, 17 de junho de 2016, num dia suavemente frio, ensolarado e ventoso de outono, um poema sobre a minha percepção da carta número 8 (oito) do Tarô de Marselha, a Justiça. Relembrando, desde 1990 eu estudo as mais diferentes versões do Tarô, desde a mais antiga, Tarô de Marselha, até as mais contemporâneas, como o Tarô dos Orixás, por exemplo. A Justiça é a oitava carta da jornada arquetípica do Tarô e, após ela, continuarei publicando um poema por semana e, ao cabo de 22 semanas, que teve início em abril de 2016, terei passado uma visão completa em forma de poesia sobre todos os arcanos maiores.


A JUSTIÇA

De qual justiça falamos?
A dos homens, permeada de incertezas duras,
Dura lex sed lex?
A divina que se coloca em planos distantes,
Longe da brutalidade da matéria,
Num futuro post mortem,
Aquela que muitas vezes mais tememos?

Não, nenhuma delas,
Falamos da outra justiça,
Daquela que nos liga às profundezas do ser,
Que nos fala dos objetivos e promessas,
Esquecidas promessas,
Da nossa velha alma em trânsito
Neste dorido mundo desigual.

Falamos da justiça que se faz a olhos descobertos,
Mas distante, muito longe, de injustas parcialidades.
Falamos da justiça severa na medida
E suportável ao aprendizado,
Desprovida da virulência infecciosa,
Desnecessária virulência,
Aquela que nos coloca em contato
Com as verdades que moram
Na câmara secreta do nosso coração,
Onde mora o santo e divino espírito.


É JUSTO? (6)

ZILDO GALLO

Garimpar imagens na imensidão da internet e observá-las pode ser um bom exercício para compreender o mundo nos dias de hoje. Muitas vezes as imagens falam por si mesmas, como nas fotografias de Sebastião Salgado, mas elas podem (servem) para ilustrar crônicas e poemas como é o caso do meu poema "Condição humana ou time is money". Uma imagem pode ajudar na compreensão de textos, pode? Ela pode falar mais que os textos. À imagem e ao poema!

ALGUM DIA ISTO VAI ACABAR?

CONDIÇÃO HUMANA OU TIME IS MONEY

Donde vem esta insondável melancolia?
Será pelos homens que se digladiam
e se matam todos os dias?
Será pelas crianças que clamam
por um prato de comida
e por um leito quente,
protegido das intempéries?

Nada tão grande
e tão humanamente importante.
Trata-se apenas da minha pequenez
diante das titânicas engrenagens
da máquina do tempo
(Time is money)
que move o mundo,
que me esmaga e me coloca diminuto,
frágil sobrevivente,
ao menos por hoje,
enquanto sigo vivendo,
meramente vivente,
nesta nave que erra pelos céus
na franja da Via Láctea.

Será que sou
e apenas consigo ser
apenas mais um impotente espectador,
mera vítima-testemunha
da (in)humana insensatez,
que (sobre)vive para encurtar o tempo,
reduzindo-o a frações de frações de segundo,
para colocá-lo num perpetuum mobile,
continuamente a serviço da grande ilusão
da riqueza que sempre está por vir,
num permanente porvir?

Será que não tenho como abandonar
este insano trabalho de Sísifo?
Sísifo, um condenado como eu,
empurrando eternamente a pedra morro acima
e ela, teimosamente,
depois do insano esforço,
sempre teimando em rolar morro abaixo.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

ODISSÉIA ESPACIAL

Zildo Gallo




Do alto vejo
A minha cidade e suas luzes
A brilhar na escuridão da noite
Sem Lua
E as luzes parecem refletir a imagem
De distante constelação
Anos luz
E me fazem pensar
E lembrar
E relembrar
Que aqui não é a minha casa
Minha casa é nas estrelas
E o caminho de volta perde-se no infinito
Feliz era Ulisses
Sua casa era tão perto
Em algum lugar da velha Grécia.

Zildo Gallo, 15 de fevereiro de 2002


OS ARCANOS MAIORES DO TARÔ EM POEMAS: O CARRO

Zildo Gallo

Continuando o proposto em 26 de abril de 2016, um dia outonal nublado, eu publico hoje, 10 de junho de 2016, num dia frio de outono, um poema sobre a minha percepção da carta número 7 (sete) do Tarô de Marselha, o Carro. Relembrando, desde 1990 eu estudo as mais diferentes versões do Tarô, desde a mais antiga, Tarô de Marselha, até as mais contemporâneas, como o Tarô dos Orixás, por exemplo. O Carro é a sétima carta da jornada arquetípica do Tarô e, após ela, continuarei publicando um poema por semana e, ao cabo de 22 semanas, que teve início em abril de 2016, terei passado uma visão completa em forma de poesia sobre todos os arcanos maiores.
  

O CARRO

Tenho que sair da exiguidade
Das quatro paredes da alcova,
Ir além do espaço semiaberto do quintal.
Preciso da amplitude do mundo novo,
Maior
E menos previsível,
Com suas montanhas e vales e mares
E extensas planícies.

Sufoca-me o ambiente
Acolhedor e protegido
Disso que chamam lar.
Necessito de novas atmosferas,
Do vento gelado a penetrar as minhas vestes
E da secura do deserto a encharcar-me de suor
Enquanto sigo no encalço da água cristalina
Da fonte da minha juventude.

O mundo está lá fora,
A vida corre lá fora,
A minha juventude está lá fora,
Tudo está lá fora
E tudo preciso buscar.
Dois corcéis conduzem meu carro veloz,
Disputando cada um deles
A primazia do caminho,
Ora sigo um
Ora o outro
E assim começo e recomeço,
Aos trancos e solavancos,
Nos acidentados caminhos,
A minha aventura
De venturas e desventuras.


A QUE VIM