Zildo Gallo
No
dia 28 de maio de 2015, a Folha de São Paulo, no caderno Cotidiano, publicou uma
matéria com o seguinte título: "Grande SP tem que reduzir 26% das viagens
de carro para ter o ar aceitável". A reportagem fala sobre um diagnóstico
feito pelo governo do Estado de São Paulo, onde afirma que a principal vilã da
má qualidade do ar é a frota de automóveis, que não para de crescer. De acordo
com a folha, somente a capital paulista acrescentou 400 mil veículos em apenas
três anos. Cada vez mais carros para cada vez menos espaço...
De
2007 a 2012, as viagens de carro na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
saltaram de 10,5 para 12,6 milhões. O estudo oficial aponta a necessidade de
reduzir 3,3 milhões de viagens diárias. Contudo, não recomenda soluções
radicais para alcançar a meta indicada. Ele recomenda paliativos, como a
inspeção veicular, estímulo ao uso do transporte coletivo e de bicicletas.
Alguns especialistas, todavia, defendem pedágio urbano e ampliação do rodízio,
o que acabaria forçando o uso dos meios coletivos.
O
aumento do uso do transporte coletivo é necessário e urgente e é, de longe, a
melhor saída. Ele implica, em ampliação das linhas do metrô e no aumento das
linhas de ônibus, que implicam na necessidade de políticas públicas integradas
entre estado e municípios e em vultosos recursos financeiros. Todavia, inquestionavelmente,
os meios coletivos de transporte são os mais adequados para as metrópoles. As
ciclovias e as bicicletas ajudam, mas elas têm um caráter complementar, pois
numa metrópole como a Grande SP, as
distâncias a serem vencidas costumam ser muito longas. Para distâncias menores
as bicicletas podem contribuir para a diminuição dos congestionamentos e,
principalmente, da poluição, que aumenta ano a ano, conforme as informações da
CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). De 2007 a 2012, os dias de
ultrapassagem do padrão adequado de qualidade do ar na RMSP saltaram de 22 para
49, mais que dobrou. A coisa é muito séria!
No meu artigo
"Consumo sustentável ou sociedade sustentável: um debate necessário",
neste blog (1), eu escrevi:
Depois de muitos anos pensando de forma
individualista e utilitarista, o mundo, com destaque para a sua porção
ocidental, precisa voltar-se ao coletivo, pois as saídas para a grande crise
socioambiental na qual o planeta está mergulhado não se resolve a partir do
consumidor com suas propaladas autonomia e racionalidade, como acreditam os
economistas liberais. Inclusive porque acreditar em autonomia do consumidor em
tempos de marketing e propaganda é no mínimo ingenuidade e, talvez, indo além
da ingenuidade, má-fé. O mundo precisa de saídas coletivas e o pensamento
liberal tem seus limites para pensar além do indivíduo e da sua hipotética
liberdade para decidir.
No caso do
transporte de pessoas nos centros urbanos, principalmente nos grandes centros,
não dá para considerar apenas o indivíduo, a partir do seu ponto de vista de
consumidor de automóveis. Nas regiões metropolitanas fica muito claro o limite
do ideário liberal e da "mão invisível" do mercado, idealizada por
Adam Smith (2), que conduziria cada uma
das realizações das vontades individuais na grande realização do bem-estar
coletivo. No caso, a realização da vontade particular de cada motorista de ter
e conduzir o seu próprio veículo, tem implicado em imensos congestionamentos
diários e poluição para todos e não em bem-estar coletivo.
Contudo,
não sejamos tão radicais. Dá para se falar de sustentabilidade considerando
apenas o indivíduo, tomando-o a partir da sua consciência individual e dos seus
desejos? Resposta: até que dá, mas tem limites, limites estreitos, porque, na
maioria dos casos, pelo menos nos mais complexos (a vida no mundo de hoje está
cada vez mais complexa), as saídas não são individuais mas, principalmente,
coletivas. Quando se aborda a questão energética, da mobilidade urbana, do
tratamento dos resíduos produzidos pelo consumo, da segurança alimentar, da
segurança hídrica, da saúde, da educação, da moradia, entre outras, a melhor
forma de abordá-las é a partir do coletivo. Na verdade, pouca coisa pode ser
abordada única e exclusivamente do ponto de vista individual, talvez o consumo
de bens supérfluos, talvez...
Num mundo tão coletivo, cada
vez mais coletivo, por conta do gigantismo da humanidade (7 bilhões de
habitantes), o pensamento liberal sobrevive apenas enquanto ideologia a serviço
das elites econômicas. Na prática o liberalismo, quando permitido, quando estimulado,
como no caso de deixar o transporte de pessoas por conta das próprias pessoas,
tem provocado mal-estares coletivos, contrariando a premissa central do pensamento
liberal. A somatória do bem-estar individual pode não produzir o bem-estar
coletivo em muitos casos. O prazer individual de dirigir o seu carrão pelas
ruas de São Paulo pode colidir com a necessidade de ar limpo para todos e de
mobilidade para todos. A frota de veículos particulares da RMSP tem produzido
uma grande imobilidade urbana. Alguém discorda?
(1) http://zildo-gallo.blogspot.com.br/2014/12/consumo-sustentavel-ou-sociedade.html
(2) Filósofo e economista
britânico do século XVII.
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