Zildo Gallo
O fotógrafo Sebastião Salgado dispensa
maiores apresentações, pois a sua biografia e principalmente a sua obra já são
bastante conhecidas. Então, escrevo aqui para fazer um convite: vejam "O
sal da Terra", o documentário dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders e
por Juliano Ribeiro Salgado, filho de Sebastião Salgado, o grande fotógrafo das
tragédias humanas e ambientais.
As suas fotos são como telas em preto e
branco, tamanho o seu domínio da luz e da sombra. Na verdade, com a sua máquina
fotográfica, ele lança luzes sobre as sombras da humanidade (guerras, fome,
miséria e degradação ambiental), registrando-as e aprisionando-as no papel. São
imagens paradas, imóveis, que denunciam dores que se arrastam nas profundezas
do espírito humano desde tempos imemoriais, mas que são bem visíveis na da
trajetória recente da humanidade.
Wim Wenders é outro grande mestre das
imagens, só que da fotografia em movimento, do cinema. O filme "O sal da
Terra" junta os dois mestres numa única obra, que ficará para a
posteridade como um desesperado desabafo, um grito lancinante de dor, um choro
incontrolável diante do vale de lágrimas que, até hoje, tem sido a caminhada da
humanidade no planeta Terra. "A vós suspiramos, gemendo e chorando neste
vale de lágrimas", este é um trecho da oração cristã Salve Rainha, que
clama pela misericórdia divina à Virgem Maria, uma das representações da Grande
Mãe, como a Mãe Terra, que também é Gaia, a Grande Mãe criadora de toda vida na
mitologia grega. Em muitos momentos parece que não há saídas, a não ser rezar a Salve Rainha, pedindo a misericórdia divina para todos os gemedores e choradores deste mundo. Entretanto, apesar dos incontáveis sofrimentos mostrados no documentário, ele também aponta um caminho (pode haver outros) para o retorno ao paraíso perdido.
As fotografias de Salgado e agora o filme
de Wenders clamam pelos seres humanos que sofrem. Contudo, eles vão além, pois
clamam também pela própria Divina Mãe que sofre pelas dores dos seus filhos;
toda mãe sente as dores dos seus filhos, que dirá a mãe de todas as mães e de
todos os filhos. Na sua imensa dor e na tentativa de amortecê-la, acumulando
riquezas materiais, os seus filhos têm maltratado a mãe Terra (Gaia, Gayatri,
Iemanjá, Demeter etc.), que sofre com a
degradação ambiental que se espalhou por toda a Rosa dos Ventos. Ambos
conseguem tirar beleza da dor, não para cultuá-la, pois durante todo o tempo
fica registrado o profundo incômodo de se presenciar situações tão adversas,
tão doridas. A ideia é extrair, com a beleza do contraste entre luz e sombras,
a beleza da consciência, que é como um clarão de luz que ilumina as trevas, as
sombras da humanidade.
Salgado nos traz uma importante lição:
ninguém passa impune ao presenciar e registrar tanto sofrimento. Num
determinado trecho do filme ele afirma que estava muito doente, que estava com
a alma doente. Inevitável... Inevitável... Após fotografar tanta miséria, ele
teve uma brilhante ideia, fazer uma grande viagem, uma volta a tempos
imemoriais, visitando e fotografando os paraísos terrestres e os agrupamentos
humanos que ainda vivem como nos tempos primordiais; assim nasceu o projeto
"Gênesis", inspirado no texto bíblico e que, após concluído, foi
publicado numa bela edição com capa dura e mais de 500 páginas. Assim, a
testemunha de tantas dores, que por isso teve a sua alma adoecida, iniciou o
seu processo de cura.
Todavia, o aprofundamento da cura estava
muito próximo dele, estava na sua própria caminhada e na de sua família. Quem
encontra a nova possibilidade é uma mulher, uma filha da Grande Mãe, trata-se
de sua esposa Lélia Deluiz Wanick Salgado. Ela sugere a ele a
recuperação ambiental da fazenda de seus pais, que se encontrava totalmente
degradada por conta da seca e da criação de gado durante muitos anos. O
pisoteio constante dos bois e das vacas deixaram a paisagem da fazenda parecida
com um deserto. O seu paraíso infantil, que era bonito e cheio de árvores, não
mais existia, mas ficou guardado nas fotografias penduradas nas paredes da sua
memória. Então, era preciso reconstruí-lo. É isso que ele decide fazer,
reconstruir o seu paraíso primordial.
Hoje, as terras da fazenda estão em restauração.
Elas se transformaram no Instituto Terra e servem como modelo de recuperação
ambiental para o povo brasileiro e para toda humanidade. O cinema serve como
canal de divulgação, um poderoso meio de divulgação. O replantio de dois
milhões de árvores, um grande feito para um indivíduo e para a sua pequena
família, já trouxe a água de volta, pois nascentes e mais nascentes surgiram
como que do nada; são presentes da Mãe Divina. Talvez a grande lição que fica
da história de Salgado é que a cura do Planeta passa pela nossa própria cura e
da cura dos que estão em nossa proximidade, incluindo aí todos os seres da
natureza, que também são filhos da mesma mãe, da Mãe Terra. Ele teve que viajar
por mundos e mundos, belos e feios, para chegar à conclusão de que era preciso
reembelezar o seu.
Vejam o filme! Só almas profundamente empedernidas
não se emocionam com ele. Viagem com os artistas (Salgado, Salgado filho e
Wenders) e testemunhem as dores e as belezas do mundo. Quem sabe você possa,
como o mineirinho fotógrafo, sentir também uma grande vontade de reembelezar o
seu pequeno mundo?
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