Zildo Gallo
No meu artigo "Transporte
individual e crise ambiental: o caso da Grande São Paulo", publicado
neste blog em 2 de junho de 2015, eu falei sobre os problemas causados pelos
automóveis na capital paulista e nos municípios do seu entorno: poluição do ar
e congestionamentos. Ocorre que os automóveis não são problemáticos só nas
regiões metropolitanas, eles também estão congestionando muitas rodovias e, por
decorrência, criando poluição do ar. É só observar a situação de rodovias como
a Presidente Dutra, a Anhanguera, a Bandeirantes, a Regis Bittencourt, a Fernão
Dias, a Castelo Branco, entre outras, que cortam as áreas mais industrializadas
e urbanizadas do Brasil.
O mesmo remédio sugerido para a
Grande São Paulo serve para as rodovias que estão sobrecarregadas com veículos
de passeio e utilitários, que transportam no máximo cinco pessoas: aumento do uso de transporte coletivo.
Acontece que no Brasil os meios coletivos de transporte foram desestimulados, enquanto
que o transporte individual foi amplamente estimulado, principalmente pelos
governantes do período da ditadura militar (os eleitos não mudaram a prioridade),
com destaque para o modal ferroviário, que acabou sendo sucateado quando
deveria ter sido modernizado, como aconteceu nos países europeus, por exemplo.
Retomar o transporte de pessoas pelas
ferrovias não é algo que se faça da noite para o dia, pois implica em muito
planejamento e investimento. Todavia, em algum momento, isso precisa acontecer,
tem que acontecer. O que dá para se fazer mais rapidamente é estimular o
transporte de passageiros por meio de ônibus. Isso já implicaria na retirada de
muitos carros das estradas, pois os automóveis transportam no máximo cinco pessoas,
enquanto os ônibus conduzem entre 46 e 50 passageiros por viajem. Simples,
então é só dar início a uma campanha: "Viaje de ônibus e contribua com o
meio ambiente". Não é bem assim, algumas barreiras econômicas precisam ser
derrubadas. Muitas vezes, talvez na maioria das vezes, o transporte individual
é mais barato que o coletivo. Que absurdo! Não tem absurdo nenhum, é o que
mostrarei a seguir.
Resolvi comparar os gastos com viagens
de automóvel e de ônibus a partir de Campinas (SP) para dez municípios
selecionados: Rio de Janeiro (RJ), Presidente Prudente (SP), Araraquara (SP),
Ribeirão Preto (SP), São José dos Campos (SP), Curitiba (PR), Belo Horizonte
(MG), Santos (SP), Franca (SP) e São José do Rio Preto (SP).
Para realizar o meu
estudo comparado percorri os seguintes passos: a) considerei a mesma distância
percorrida para os dois meios de transporte (tabela 1); b) adotei o mês de
junho de 2015 como base para os preços das passagens de ônibus (tabela 1); c)
considerei a gasolina como combustível para os carros; d) assumi a média dos
preços da gasolina levantada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) para
Campinas na primeira dezena de junho de 2015, R$ 3,17; e) adotei o Fiat Pálio
1.6 como o veículo da pesquisa pelo fato de ter sido o Pálio o modelo de carro
mais vendido no Brasil, no ano de 2014; f) considerei como quilometragem média na
estrada a publicada pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e tecnologia) para 2015, 11,8 km por litro de combustível e, por
último; g) para o transporte por carro considerei as seguintes situações: um,
dois, três e cinco passageiros.
Tabela 1 - Viagens de ônibus a partir
de Campinas/SP
|
||
Destino
a partir de Campinas
|
Distância
por rodovias - Km
|
Preço
da passagem ônibus convencional*
|
Rio
de Janeiro/RJ
|
495
|
R$
92,30
|
Presidente
Prudente/SP
|
544
|
R$
123,95
|
Araraquara/SP
|
185
|
R$
43,30
|
Ribeirão
Preto/SP
|
224
|
R$
55,44
|
São
José dos Campos/SP
|
148
|
R$
41,50
|
Curitiba/PR
|
479
|
R$
122,23
|
Belo
Horizonte/MG
|
585
|
R$
103,16
|
Santos/SP
|
175
|
R$
49,30
|
Franca/SP
|
306
|
R$
77,44
|
São
José do Rio Preto/SP
|
349
|
R$
80,00
|
*
Preços de junho de 2015 - Rodoviária de Campinas
|
Para
chegar aos gastos totais com as viagens para cada um dos destinos eu fiz o
seguinte percurso: 1) precifiquei o
consumo de gasolina a partir do total de quilômetros rodados em rodovias,
considerando a quilometragem informada pelo INMETRO e o preço médio levantado
pela ANP; 2) levantei os valores dos pedágios para cada destino; 3) somei os
gastos com gasolina com os gastos com pedágios e; 4) dividi a soma dos gastos
por um, dois, três e cinco viajantes. Assim, montei a tabela 2, abaixo.
Tabela
2 - Viagens de carro (Pálio 1.6) a partir de campinas/SP
| |||||||
Destino a partir de Campinas
|
Km
|
*Gasto gasolina
|
Gasto pedágio
|
**Um viajante
|
**Dois viajantes
|
**Três viajantes
|
**Cinco viajantes
|
Rio de Janeiro/RJ
|
495
|
132,98
|
57,40
|
190,38
|
95,19
|
63,46
|
38,08
|
Presidente Prudente/SP
|
544
|
146,14
|
78,80
|
224,94
|
112,47
|
74,98
|
44,99
|
Araraquara/SP
|
185
|
49,70
|
31,10
|
80,80
|
40,40
|
26,93
|
16,16
|
Ribeirão Preto/SP
|
224
|
60,18
|
36,90
|
97,08
|
48,54
|
32,36
|
19,42
|
São José dos Campos/SP
|
148
|
39,76
|
24,70
|
64,46
|
32,23
|
21,49
|
12,89
|
Curitiba/PR
|
479
|
128,68
|
28,90
|
157,58
|
78,79
|
52,53
|
31,52
|
Belo Horizonte/MG
|
585
|
157,16
|
23,90
|
181,06
|
90,53
|
60,35
|
36,21
|
Santos/SP
|
175
|
47,01
|
41,60
|
88,61
|
44,31
|
29,54
|
17,72
|
Franca/SP
|
306
|
82,21
|
52,50
|
134,71
|
67,35
|
44,90
|
26,94
|
São José do Rio Preto/SP
|
349
|
93,76
|
36,90
|
130,66
|
65,33
|
43,55
|
26,13
|
*
Quilometragem média: 11,8 Km/l
(INMETRO - 2015) - Preço médio: R$ 3,17 (ANP - jun/2015)
| |||||||
**
Gasto médio por passageiro (R$)
|
Pela tabela 2, observa-se que só é vantagem viajar de ônibus quando o passageiro segue sozinho, pois, a partir de dois, a vantagem desaparece e, quando o carro completa a sua lotação (cinco), os gastos de cada um representam uma fração pequena dos preços das passagens individuais para cada um dos destinos escolhidos. Para se compreender melhor o que pretendo dizer, montei a tabela 3, onde comparo os gastos com as viagens de ônibus e de carro.
* Montada a
partir das tabelas 1 e 2.
|
É
preciso lembrar que os ônibus convencionais conduzem entre 46 e 50 passageiros
e um automóvel de passeio conduz no máximo cinco. Quando os automóveis
preenchem a carga máxima para os destinos considerados neste breve estudo, os viajantes
pagarão as seguintes frações (%) das passagens de ônibus: Rio de Janeiro,
41,25%; Presidente Prudente, 36,29%; Araraquara, 37,32%; Ribeirão Preto,
35,02%; São José dos Campos, 31,06%; Curitiba, 25,78%; Belo Horizonte, 35,1%;
Santos, 35,94%; Franca, 34,78% e; São José do Rio Preto, 32,66%. Com duas
pessoas num carro só é desvantagem viajar para o Rio de Janeiro, pois os gastos
estão 3,13% (só!) acima do preço da passagem de ônibus. Para os demais destinos
a vantagem já começa com o segundo passageiro.
É
muita desvantagem viajar em grupo no transporte coletivo pelas rodovias
brasileiras, pelos menos nas dos estados da Região Sudeste, como demonstra este
minúsculo ensaio de pesquisa, e, por conta disso, quando as pessoas decidem
viajar juntas, como é o caso das famílias, não há consciência ambiental que
suplante tamanha diferença de gastos. Então, não é fácil estimular o transporte
coletivo nas rodovias, mas é necessário que tal aconteça; a questão ambiental
justifica o estímulo. Eis aí um bom problema para as políticas públicas.
Simplificadamente,
os preços das passagens (PP) representam a seguinte soma: gasto com combustível
(C) + manutenção da frota (M) + salários (S) + impostos (I) + pedágios (Pd) +
lucro (L). Simplificando: PP = C + M + S + I + Pd + L, esta seria a equação do
valor das passagens. Ela dá parâmetros para se pensar formas de baratear o
transporte coletivo através do modal rodoviário.
Analisando
cada item do lado direito da equação. A princípio, todos os itens são passíveis
de mudanças para baixo, no sentido do menor custo, mas uns são mais e outros
menos. O combustível (C) é passível de mudanças para menores gastos através da
prática de preços diferenciados para os transportes públicos, trata-se de uma
decisão política; não é uma decisão fácil, pois, em tese, haveria a necessidade
de compensar aumentando os preços dos combustíveis para os veículos
particulares. Os gastos com manutenção (M) da frota têm pouca elasticidade,
pois a sua diminuição pode implicar em riscos para os usuários. Um item
importante na manutenção dos veículos é o pneu. As empresas têm a prática de
recauchutar os pneus aptos a isso. Isso já é importante, mas, além disso, os
governos federal e estaduais poderiam reduzir os impostos sobre os pneus
destinados ao transporte coletivo. Como no caso do combustível, os governantes
tentariam compensar as perdas tributando mais os pneus dos automóveis, é óbvio.
De qualquer forma, sempre se deve privilegiar o transporte coletivo. A questão
ambiental sempre solicitará um pensar coletivo, não tem como fugir disso.
Por
sua vez, os salários (S) podem ser diminuídos, mas não é conveniente que isso
aconteça, pois não é recomendável ter motoristas insatisfeitos, cansados,
estressados etc., pois deles depende a segurança dos passageiros; melhor tê-los
satisfeitos. Os impostos (I), tanto federais como estaduais, podem ser
reduzidos, mas os governantes exigirão alguma compensação em outros tributos;
nenhum governo gosta de ter a arrecadação diminuída. Os pedágios (Pd) também
podem ser reduzidos, principalmente no Estado de São Paulo, onde os valores
estão acima dos demais; trata-se de uma decisão política e as concessionárias
oporão resistências, o que é normal. As margens de lucro (L) também podem ser
alteradas, mas elas não podem baixar a ponto de diminuir os investimentos,
principalmente caso eles sejam necessários para a modernização e a expansão da
frota; há limites, mas é possível testá-los. Assim, as políticas públicas no
sentido de estimular o transporte coletivo via ônibus podem atuar, considerando
todas as dificuldades, sobre os combustíveis, impostos, preços de pneus, pedágios
e, até mesmo, sobre o lucro dos investidores.
Finalizando:
é preciso estimular o transporte público, não tem outra saída. Postergar isso
só agravará mais a situação. Os habitantes das Região Sudeste, que transitam
pelas rodovias congestionadas, andando devagar e poluindo muito, quando tiverem
opções boas e economicamente mais acessíveis de transporte coletivo, poderão
optar por elas. É necessário testar esta hipótese. Não tem outra saída, pois a
frota de carros continuará aumentando e as rodovias ficarão cada vez mais
entupidas. Alguém acha que não?
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