Zildo
Gallo
A minha adoração pelo
futebol vem de longe, desde a primeira infância, mas foi na adolescência que
ela de fato se consolidou. Como todo boleiro que se preze, tenho muitas histórias para contar, muitas mesmo,
mas vou relembrar da minha experiência como goleiro, esta função que poucos
desejam; todos querem ser atacantes e se imaginam marcando muitos gols. Ninguém quer
ser goleiro. Como muitos, eu sempre achei que todo goleiro tem que ser um pouco louco.
Nos anos sessenta do século
passado, nas brincadeiras infantis, quando dividíamos os times nos campinhos,
conseguir goleiros sempre gerava alguma discussão, ou melhor, muita discussão.
O revezamento era uma boa saída para a questão e geralmente era o que
acontecia.
Como todos os outros meninos
da minha convivência, eu preferia jogar no ataque, mas um dia isso mudou. Foi
bem por acaso. Num dia, no ano de 1969, quando estudava no segundo ano do
ginásio no Kennedy (Instituto Estadual de Educação Presidente Kennedy - IEEPK) em Americana (SP), numa aula de educação física, fui
colocado no gol contra a minha vontade, é claro, para disputar uma partida de
futebol de salão contra outra classe do segundo ano também.
O tempo regulamentar da
partida terminou e o jogo estava empatado (não me lembro do placar). Fomos à
disputa de pênaltis. Não costumávamos bater os pênaltis alternadamente. Em
primeiro lugar um time finalizava a sua série de três e em seguida o outro
iniciava a sua série. Caso houvesse empate, iniciava-se uma série alternada.
O time adversário iniciaria
a sua série e, então, postei-me debaixo da trave. Não sei até hoje como aquilo
se deu, foi pura magia e também um pouco de loucura, acho... Atirei-me ao
encontro das bolas como que se estivesse sendo teleguiado pelos deuses do futebol e defendi os três
chutes. Não me perguntem como, eu não sei. Lembro-me que os chutes foram bem
dados, não foi sorte e nem erro dos adversários, juro!. A cada gol impedido comemorávamos, é óbvio... Hoje eu acredito que todo goleiro precisa ser bastante intuitivo, naquela época, como toda criança, não pensava a respeito disso. Logo depois o nosso primeiro batedor acertou o seu chute e,
naquele dia e nos seguintes, virei assunto na roda dos meninos. Então, tornei-me
goleiro, acabei pegando gosto pela coisa.
Fora da escola, nos
campinhos da cidade, também jogava no gol. Vivia esfolado, mas ser reconhecido
como bom goleiro era muito gratificante. Eu e vários meninos da classe
resolvemos montar um time para competir com outros times juvenis espalhados
pela cidade. Aí tem mais histórias, vou contar uma. Um garoto da minha sala de
aula, que morava no bairro São Manoel, distante do centro da cidade e do Kennedy, e que não
participava do nosso time, pois já tinha o seu onde residia, convidou-nos para uma
partida.
Os jogadores do meu time
moravam em bairros diferentes e distantes uns dos outros. Íamos aos jogos a pé,
não importava a distância. Tudo pelo futebol... Também tínhamos todo o tempo do mundo No dia do jogo no São Manoel eu
me perdi e não consegui encontrar o campo. No dia seguinte tive a noticia, uma
má notícia: o nosso time perdeu. Todos me culparam pelo resultado negativo, mas
marcaram uma revanche. Então, no dia marcado meus amigos tiveram o cuidado de passar na minha
casa para seguirmos juntos até o local da partida, não queriam correr nenhum
risco.
Hoje – nas alturas dos meus
sessenta anos – lembro-me com nitidez do campinho do São Manoel. Era um terreno
bem grande, não construído, é óbvio, e totalmente sem grama, um autêntico “rapadão”.
Fechei o gol e ralei-me todo. Virei lenda... Aconteceram vários outros jogos, tanto
na escola como nos campinhos da cidade, e isso durou até 1970, o ano em que o
Brasil ficou tricampeão mundial de futebol no México.
Em 1971, transferi-me para o período noturno
do Kennedy, pois tinha que trabalhar, e o nosso time acabou se desmanchando. As
partidas de futebol tornaram-se esporádicas e eu encerrei a minha gloriosa
carreira de goleiro, que não se encontra registrada em nenhuma revista, nenhum
livro, nenhum filme e nenhuma fotografia. Ela está gravada apenas na minha
memória e, a partir de agora, nesta humilde crônica.
PS.: a foto que ilustra o texto foi achada na internet e não lembra em nada os nossos campinhos (a trave tem rede!) que eram desprovidos de gramado. E o goleiro? Está usando luvas! Algo impensável na época.
PS.: a foto que ilustra o texto foi achada na internet e não lembra em nada os nossos campinhos (a trave tem rede!) que eram desprovidos de gramado. E o goleiro? Está usando luvas! Algo impensável na época.
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