Zildo
Gallo
As florestas com suas árvores prestam inestimáveis serviços
ecossistêmicos, também denominados ambientais, para o planeta e, por óbvia
extensão, a todos os seres humanos. Tais serviços podem ser divididos em quatro
grupos a saber: regulação, provisão, suporte e culturais.
Serviços de regulação. Dizem
respeito à estabilização e manutenção dos ecossistemas para que eles continuem
exercendo o seu papel de forma ininterrupta e previsível. As matas protegem as
nascentes, as margens dos corpos d'água e os topos de morros e, assim, ajudam
na conservação da água doce, que é um bem essencial à vida. As árvores que
ficam nas encostas de terrenos com declives acentuados ajudam na estabilidade
do solo, evitando desmoronamentos; aqueles que já tiveram as suas casas
destruídas com quedas de encostas bem sabem o significado disso. A
evapotranspiração (retirada de água do subsolo e posterior liberação na
atmosfera) ameniza a temperatura local e, ao mesmo tempo, ajuda na formação de
nuvens, contribuindo para o bom funcionamento do ciclo hidrológico. Em tempos
de aquecimento global, os tempos de hoje, as suas árvores têm um papel de altíssima
relevância: retirada de gás carbônico do ar e armazenamento duradouro nos seus tecidos
lenhosos, o que contribui para diminuir a retenção de calor na atmosfera pelos
gases do efeito estufa.
Serviços de provisão. As
árvores das matas fornecem frutos, óleos, madeira e fibras, que se transformam
em alimentos e matérias primas para a produção de muitos bens. A indústria
moveleira, da construção civil, de papel e celulose, de produtos farmacêuticos,
de alimentos, de cosméticos, entre várias outras, têm as florestas como
provedoras e, em tese, deveriam interessar-se pela sua preservação, por meio de
manejos planejados e sustentáveis, para garantir que elas continuem provendo de
forma constante e ininterrupta, o que nem sempre acontece, ou, melhor, pouco
acontece.
Serviços de suporte. As
folhas e até mesmo os troncos das árvores mortas decompõem-se (húmus) e ajudam
na formação de solo fértil; a quantidade da formação de húmus guarda uma
relação direta com a densidade e o tamanho das matas. As árvores adultas
contribuem com crescimento das plantas ao fornecerem abrigo adequado para que
as sementes lançadas ao solo germinem, cresçam e se transformem em árvores
adultas. E, assim, renovam a vida de forma cíclica. A profusão de raízes nas
matas, com algumas atingindo grande profundidade, na busca e água e nutrientes,
contribuem para a descompactação do solo de forma natural, lenta e gradual.
Quanto maior a mata e quanto maior a sua biodiversidade botânica, maior deverá
ser a sua biodiversidade faunística, graças ao fornecimento de alimentos em
quantidade e qualidade para as mais diversas espécies animais, partindo dos
minúsculos insetos, passando pelos répteis, pelas aves e chegando aos
mamíferos. A existência de matas próximas às áreas agrícolas é muito útil, pois
a sua entomofauna diversificada pode contribuir com o equilíbrio ecológico das
roças plantadas. O papel das abelhas, muito comuns nas matas, para a
polinização das flores é um bom exemplo da contribuição dos insetos para a
agricultura; há muitos exemplos a serem citados, não é o caso aqui.
Serviços culturais. Guardam
uma relação direta com os seres humanos. As matas são lugares de visitação
turística que podem ser de caráter educativo ou meramente contemplativo, de
práticas esportivas diversas, como o arvorismo e as trilhas. Antigamente havia
a caça de animais, hoje ela é proibida, ainda bem, e só acontece na clandestinidade.
As florestas também são espetáculos de beleza e têm por isso grande valor
estético. A própria trajetória da espiritualidade humana tem a ver com elas. O
uso de plantas enteógenas (plantas de poder) pelos povos é muito antiga, desde
a pré-história da humanidade, há muitos milênios. A palavra enteógeno significa
"manifestação interior do divino" e as plantas que possibilitam tal
manifestação foram primeiramente extraídas das matas pelos sacerdotes e
sacerdotisas de antigas religiões. Um bom exemplo dessa prática antiga é o
Santo Daime, originário da floresta amazônica, que deriva da combinação de um
cipó (jagube) com as folhas de uma árvore de pequeno porte (chacrona).
Depois de todo o exposto acima, pretendo ater-me a um aspecto
particular dos serviços culturais prestados pelas florestas e pelas árvores, o
aspecto estético. Durante a minha explanação acabarei me reportando a outros
serviços, mas o mais importante a partir daqui será a beleza e ela, quando
pensamos nas flora brasileira, liga-se a sua diversidade. Pode ser a da mata
atlântica, do cerrado, da caatinga ou da Amazônia, tanto faz.
O Estado de São Paulo já teve no passado uma grande cobertura vegetal,
tanto na mata atlântica, na sua porção leste, quanto no cerrado, no oeste. A
monocultura cafeeira, a partir do final do século XIX, avançou pelo seu
território e devastou os dois sistemas. Durante o século XX, outras
monoculturas também se desenvolveram e hoje resta muito pouco das florestas
originais. Nos dias de hoje, no século XXI, predomina outra monocultura, a da
cana-de-açúcar.
Quando viajamos pelas rodovias paulistas, observamos dos dois lados um
mar de cana. Às vezes, avistamos lá, ali, acolá alguns pequenos fragmentos de
floresta, pode tratar-se de algum trecho de mata ciliar, margeando algum córrego,
ou de um bosque isolado, feito uma ilha no meio do canavial, tanto faz, é muito
pouco. Ai dos pobres dos passarinhos que têm poucos lugares onde construir seus
ninhos. Trata-se de uma paisagem que continuamente se repete, numa monotonia
construída por máquinas e homens. Às vezes, rodando por alguma estrada, até bem
acostumados à monotonia dos canaviais, avistamos um assentamento de pequenos produtores
rurais, um assentamento da reforma agrária, e, ali, vemos um mosaico formado
por espécies vegetais diferenciadas, um quadro isolado, ilhado no mar de cana,
às vezes...
E daí? Vamos erradicar os canaviais e plantar florestas em nome da
beleza? Não parece muito sensato. Todavia, algumas coisas podem ser feitas.
Algumas são obrigatórias por lei e precisam acontecer em algum momento; que
seja o mais rápido possível. Refiro-me às áreas de proteção permanentes (APP),
como a mata ciliar às margens dos rios, lagos e nascentes, e à reserva legal,
que se refere a um percentual da propriedade rural que não pode ser cultivado,
a não ser com espécies arbóreas. A recuperação e implantação das APPs já
ajudariam a quebrar a monotonia, pois significaria a introdução de árvores em
larga escala no Estado de São Paulo, tal é a gravidade da situação ambiental do
Estado no que tange ao aspecto da sua cobertura vegetal.
Contudo, precisamos ir além da lei. Como ir além da lei sem ferir os
interesses do agronegócio, pelo menos por enquanto? É possível? Sejamos
criativos! A imaginação no poder, lembram-se? lá nos idos dos anos sessenta?
Falarei aqui de uma possibilidade que pode ter grande alcance. Ela tem
a ver com monotonia das estradas margeadas pelos canaviais. Sugiro
transplantarmos o conceito de mata ciliar, aplicado aos corpos d'água para as
estradas. Por que não plantamos árvores durante todo o percurso das rodovias,
que são muitas, muitas mesmo. Nem que seja em fila única nas margens estreitas.
Nas margens mais amplas, poderiam ser cultivados pequenos bosques. Vamos ainda
mais longe, pensemos nas estradas rurais, que são uma infinidade. Por que não
plantamos também matas ciliares nelas. Mas tem algo importante a ser lembrado:
não podemos esquecer o princípio da diversidade, que é correta do ponto de
vista ecológico e que cai muito bem do ponto de vista estético. Plantemos da
forma mais variada possível, com espécies nativas, exóticas, frutíferas etc.
Nossas viagem ficariam mais alegres e os passarinhos deixariam de ser
sem-tetos. Beleza e justiça socioecológica, por que não?
É claro que para que isso aconteça, faz-se necessária a política. Trata-se
de uma questão de política pública. Os três níveis de governo, federal, estadual
e municipal, com a participação da sociedade, em particular dos proprietários
rurais, poderiam juntar-se com esse objetivo singular: plantar árvores em larga
escala, para o bem da ecologia e da beleza. Por que não?
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