Zildo Gallo
Na minha infância, o outono era a estação das pipas. Acho
que continua sendo. Passei a minha infância, a partir dos sete anos de idade,
em Americana (SP), no bairro Vila Jones, e lembro-me que, assim que o verão
começava a sua calorenta e não tão calorosa despedida, carregando com ele o
período chuvoso, aí pelo final março, começavam a soprar os ventos favoráveis
às pipas, o vento das pipas...
Naquela época, anos 60 e 70, no bairro onde morava, eu e
todos os meninos construíamos as nossas pipas. Éramos muitos e muitas eram produzidas
e alçadas aos céus todos os dias. Havia muita área livre nas proximidades da
minha casa, mas o melhor lugar era um campo de futebol conhecido como Canto do
Rio. O nome do campo era este por conta de ele se encontrar às margens do córrego
Pyles, cujo nome homenageia uma das famílias confederadas que imigraram para o
nosso país no século XIX, após o término da Guerra de Secessão. O campo não mais existe, mas ele segue vivo na minha
memória e na dos meninos da minha infância longínqua.
Durante os dias, quase todos os dias, o Canto do Rio servia
como palco das pelejas futebolísticas infantis e das pipas empinadas, alçando
voos no céu aberto, ao sabor dos ventos suaves e das temperaturas amenas. Não
eram só garotos que se divertiam com elas, mas eles eram a grande maioria. No
outono de 1975, quando vivia o final da adolescência e caminhava celeremente
para a idade adulta, quando cursava o terceiro ano do colégio no Kennedy
(IEEPK), escrevi um poema sobre a pipa. Hoje, compreendo que isso foi um tipo
de cântico de despedida, uma fotografia para a memória de tempos que ficariam
cada vez mais distantes. Ao poema!
PIPA
Nave
interestelar
planando
mundos
distantes,
perdidos,
serpenteando
os ares
como
se dançasse,
presa
à terra
por
frágil linha,
como a
vida.
Pássaro-Inocência,
sonho,
felicidade.
Tão
frágil,
um
vento forte... estrangula-o.
Tão
forte,
carrega
consigo uma vida.
Losangos,
cubos,
círculos,
águias.
Não
importam as formas,
são
apenas formas.
Zildo Gallo - Americana, SP, maio de 1975
Neste período as crianças tinham uma infância saudável e brincavam sem medo de ser feliz. Elas mesmas faziam seus brinquedos e desenvolvia a criatividade. Hoje elas somente brincam em casa, com jogos eletrônicos, tem medo de sair para a rua por causa da violência e não constroem nada, atrofiando a criatividade. Tempos difíceis para esta nova geração. Todos já são estressados e continuam assim para o resto da vida.
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