sexta-feira, 25 de março de 2016

Sugestão de boa leitura: uma dissertação sobre a água no semiárido paraibano

Zildo Gallo

Em 2010, o meu orientando José Rocha Cavalcanti Filho defendeu a dissertação de mestrado “A água como elo de identidades sociais no semiárido paraibano: estudo de caso, Cabaceiras”, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Mestrado e Doutorado) da UNIARA. Trata-se de um trabalho que merece ser lido na íntegra, pois a sua pesquisa captou a alma do sertanejo, aquele sertanejo que Euclides da Cunha considerou antes de tudo um forte, na sua relação profunda com a água, algo que não se observa aqui no sudeste do Brasil. onde abrimos a torneira e a água jorra, o que nos torna, muitas vezes, irresponsáveis em relação a ela.


O autor testou a hipótese de que a escassez de água no semiárido brasileiro e as extemporâneas enchentes, que fizeram parte do quotidiano da população que hoje tem mais de 50 anos de idade, exerceram papel relevante nas representações da água nas identidades sociais identificadas pelo cristianismo popular dos grupos minoritários de semiárido paraibano, destacando a região de Cabaceiras-PB, no sertão do Cariri, o território com o menor índice de chuvas do Brasil. Também buscou identificar as representações da água para as pessoas pertencentes às populações menos favorecidas e a maneira pela qual elas são influenciadas por suas condições econômicas e práticas religiosas.

A cosmovisão que rege as vidas dos moradores da região não é a racionalidade cartesiana dos cientistas, mas a lógica cíclica da natureza, marcada por duas sazões: o verão que pode durar 10 meses por ano, período sem chuvas, e o esperado inverno, período de dois a quatro meses, no máximo cinco, com possíveis chuvas. É possível perceber que a religiosidade é o ponto fundante desse povo, onde tempo é marcado pelas festas dos santos católicos. Uma religiosidade devocional, na qual os santos estão ligados à natureza e são intercessores para a chuva. O inverno começa com a festa de São José, no dia 19 de março. Essa festa religiosa não é apenas o início oficial do possível inverno, mas nela se comemora a chegada das chuvas, com os reservatórios cheios e uma boa pastagem para a os animais e, para completar, uma colheita farta.

O período de seca é um tempo de preparação para a chegada da chuva. Homens e mulheres, na sua ausência, preparam os açudes, tanques e cisternas, na esperança de que ela virá. Planta-se no dia de São José e colhe-se no dia de São João, última semana de junho, mês de maior festividade no semiárido nordestino. Nesse mês celebra-se a festa de Santo Antônio, protetor dos solteiros e solteiras que procuram casamento; São João, tempo de colheita, é a festa mais importante em todo o Nordeste; e São Pedro, aquele que tem as chaves do céu e está ligado à água, às chuvas e aos trovões.


O elemento religioso é visto nas várias atitudes de resignação e passividade diante da realidade secular da escassez da água. Porém é notada com mais vigor a persistência, a luta para não deixar a terra, a convivência do sertanejo com a seca. O homem do Cariri é portador de uma mística e espiritualidade de luta para aprender a conviver com a pouca água e não abandonar a terra. Ele não luta contra a seca, mas busca conviver com ela; ela é significativa nesse ecossistema e conviver com ela é necessário para permanecer na região dos cariris velhos da Paraíba.

Diante da escassez cíclica, fica fácil compreender a subjetividade dos habitantes, dolorida, mas também repleta de sonhos, força, coragem e luta; a escassez da água é o desafio dessas populações para vencerem as lutas cotidianas, para se superarem ou para aprenderem a conviver com a constante presença da seca em sua história. É outro modo de ver a vida – a vida caminha na lógica da natureza: ausência e presença da água, simples assim.

A memória dos mais velhos, nas suas casas, compara as várias secas, de vários anos, suas dificuldades e enfrentamentos. A meteorologia e a história, sempre orais, é claro, permitem entender os valores sociais, a religiosidade, as práticas, o aprendizado, a resignação e a resistência desse povo. A água sempre será a representação da identidade, da cultura, da religião e das relações afetivas desse povo sobrevivente.

A chuva que ora vem ora não vem marca a passagem do sertanejo no Cariri e a compreensão disso por nós, que vivemos nos grandes centros urbanos da Região Sudeste, tem sua relevância, pois estamos muito desligados da natureza e dos seus ciclos. Até chegamos a esquecer que a natureza move-se em ciclos. Para que voltemos a nos lembrar, sugiro o link abaixo, que disponibiliza a dissertação do Padre Rocha. O meu orientando é um padre católico oriundo da Paraíba e profundo conhecedor do sertão nordestino. Clique no link e baixe a dissertação:


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