sexta-feira, 11 de março de 2016

Rishikesh, Laxmanjula, Honey Hut e as leituras diárias de jornal em 2011 e 2012: curiosidades sobre a Índia de hoje.

Zildo Gallo

A imagem abaixo é o retrato da ponte pênsil sobre o rio Ganges no distrito de Laxmanjula, no município de Rishikesh, que se localiza no norte da Índia, bem no sopé dos Himalaias. Trata-se de conhecidíssimo cartão postal da cidade, que recebe todos os anos visitantes de muitas nacionalidades, inclusive muitos brasileiros, que têm por hábito acompanhar o guru brasileiro Sri Prem Baba nos primeiros meses de cada ano, eu me incluo entre eles. Fui seguidamente por vários anos a Rishikesh e tenho muitas boas memórias. Nesta crônica vou falar das minhas leituras vespertinas dos jornais na lanchonete Honey Hut, que fica no centrinho de Laxmanjula, bem próximo à ponte, near the bridge no inglês falado pelos indianos; tudo naquela região está near the bridge, mesmo que não esteja tão near.


Em 1968 os ultrafamosos e admirados músicos ingleses, conhecidos como The Beatles, viajaram para Rishikesh e ajudaram a colocá-la de forma irreversível na trajetória dos ocidentais, com destaque para aqueles que buscam o aprendizado ou o aprofundamento da prática da Yoga. Mais recentemente, a partir do início do século XXI, o guru brasileiro Sri Prem Baba também contribuiu e continua contribuindo para que esse município indiano seja cada vez mais conhecido pelos quatro cantos do mundo. Foi através dele que conheci a Índia e Rishikesh pela primeira vez em 2007. A partir desse ano, viajei seguidamente por vários outros.
Nos dois últimos anos que estive em Rishikesh, 2011 e 2012, frequentei cotidianamente uma lanchonete pouco inaugurada há não muito tempo, a Honey Hut (imagem abaixo), que se caracteriza por adoçar os seus produtos (chás, doces, cafés e sorvetes) com mel. Trata-se de um lugar agradável, com produtos de boa qualidade à venda, não devendo nada a qualquer café bem frequentado do Ocidente.


Seguindo as pegadas de muitas lanchonetes e cafés ocidentais, a Honey Hut tem por hábito disponibilizar jornais para serem lidos pelos frequentadores. Havia dois jornais e, agora, vem-me à memória o The Times of India (ver figura abaixo). A leitura de jornais locais é uma forma interessante de entrar em contato com o dia a dia da população residente. Como eu dispunha de muito tempo e também tenho o hábito rotineiro e diário da leitura, degustar as iguarias e ao mesmo tempo informar-me sobre a Índia eram atividades por demais agradáveis.
Li muitas notícias interessantes, mas uma me chamou muita a atenção porque tem a ver com o sistema de castas. Como é amplamente sabido o sistema de castas é uma divisão social importante na sociedade Hindu, não apenas na Índia, mas no Nepal e em outros países e populações que seguem o hinduísmo. Embora identificado com o hinduísmo, o sistema de castas também pode acontecer entre seguidores de outras religiões da Índia, incluindo alguns grupos de muçulmanos e até mesmo cristãos.
Por sua vez, a Constituição Indiana rejeita a discriminação com base nas castas, em consonância com os princípios democráticos e republicanos que fundaram a nação após a sua independência em relação à Inglaterra; resumindo: o sistema de castas está fora da lei. Com o correr do tempo, as barreiras de casta deixaram de existir ou diminuíram muito nas grandes cidades, mas ainda persistem em muitos lugares da zona rural do país.
A notícia que li e que tem a ver com as castas era mais ou menos assim: numa cidadezinha da zona rural indiana, o conselho de castas local (existia um conselho!) tinha acabado de proibir as mulheres de portarem telefones celulares nas ruas, considerando que isso não era decente para elas; tal proibição deixou as mulheres revoltadas, principalmente as jovens; antes dessa proibição o mesmo conselho havia proibido que elas trajassem jeans como as ocidentais o fazem corriqueiramente.


Esse tal conselho de castas estava enfrentando muitos problemas, pois vinham acontecendo muitos casamentos entre membros de diferentes castas e ele tentava a todo custo proibi-los. A relação do conselho com a comunidade ficou tão difícil que houve a necessidade de intervenção externa e ela aconteceu. O governo proibiu a atuação do conselho com base na lei, que não reconhece o sistema de castas, pois a Índia é uma república e um dos seus princípios é a igualdade entre as pessoas. Simples assim... O filósofo grego Platão em sua magnífica obra, A República, já imaginava uma sociedade de iguais, mesmo naqueles tempos longínquos e tão desiguais, com escravos e muito mais... A Índia, por influência ocidental, adotou a república e a democracia, duas criações da velha Grécia. Com a independência indiana, Ocidente e Oriente encontraram-se (convergiram) no campo da política.
Modernamente, com a globalização da economia e da comunicação, muitos outros encontros estão acontecendo e eles dizem respeito a usos e costumes. Por exemplo, a situação das mulheres começa a mudar, apesar das reações negativas e muitas vezes violentas; li algumas notícias sobre isso nos jornais.  Muitas outras mudanças estão acontecendo, muitas mesmo... Délhi, a capital da Índia lembra muito uma metrópole ocidental, é só observar. Os grandes projetos industriais e a expansão da sociedade de consumo colocam imensas barreiras ao sistema de castas, pois ele atrapalha o avanço dessas duas propostas de caráter ocidental. Para o mercado os indivíduos são consumidores e quantos mais deles existirem será melhor para ele. O capital espera que cada indiano se torne consumidor, independente da casta que ele pertença. Assim, do ponto de vista socioeconômico, a casta perde o sentido de existir. Então, é possível impedir o uso de celulares pelas mulheres? O uso de jeans? É impossível e não interessa ao capital. A república não eliminou as castas no mundo real, mas o mercado o fará e, de fato, está fazendo isso com muita competência.
As considerações que escrevi agora sobre a matéria que li no jornal, tomando um inesquecível saffron cardamom black tea e comendo um doce temperado com o mais saboroso mel dos himalaias, eu já as havia pensado no ato da leitura do jornal, não me recordo se em 2011 ou 2012, não importa... Boas lembranças... Gratidão à lanchonete Honey Hut e a todos os seus servidores. Namaste!

 

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