Zildo Gallo
A
imagem abaixo é o retrato da ponte pênsil sobre o rio Ganges no distrito de
Laxmanjula, no município de Rishikesh, que se localiza no norte da Índia, bem
no sopé dos Himalaias. Trata-se de conhecidíssimo cartão postal da cidade, que
recebe todos os anos visitantes de muitas nacionalidades, inclusive muitos
brasileiros, que têm por hábito acompanhar o guru brasileiro Sri Prem Baba nos
primeiros meses de cada ano, eu me incluo entre eles. Fui seguidamente por vários
anos a Rishikesh e tenho muitas boas memórias. Nesta crônica vou falar das
minhas leituras vespertinas dos jornais na lanchonete Honey Hut, que fica no
centrinho de Laxmanjula, bem próximo à ponte, near the bridge no inglês falado pelos indianos; tudo naquela
região está near the bridge, mesmo
que não esteja tão near.
Em 1968
os ultrafamosos e admirados músicos ingleses, conhecidos como The Beatles,
viajaram para Rishikesh e ajudaram a colocá-la de forma irreversível na
trajetória dos ocidentais, com destaque para aqueles que buscam o aprendizado
ou o aprofundamento da prática da Yoga. Mais recentemente, a partir do início
do século XXI, o guru brasileiro Sri Prem Baba também contribuiu e continua
contribuindo para que esse município indiano seja cada vez mais conhecido pelos
quatro cantos do mundo. Foi através dele que conheci a Índia e Rishikesh pela
primeira vez em 2007. A partir desse ano, viajei seguidamente por vários
outros.
Nos
dois últimos anos que estive em Rishikesh, 2011 e 2012, frequentei
cotidianamente uma lanchonete pouco inaugurada há não muito tempo, a Honey Hut
(imagem abaixo), que se caracteriza por adoçar os seus produtos (chás, doces,
cafés e sorvetes) com mel. Trata-se de um lugar agradável, com produtos de boa
qualidade à venda, não devendo nada a qualquer café bem frequentado do
Ocidente.
Seguindo
as pegadas de muitas lanchonetes e cafés ocidentais, a Honey Hut tem por hábito
disponibilizar jornais para serem lidos pelos frequentadores. Havia dois
jornais e, agora, vem-me à memória o The
Times of India (ver figura abaixo). A leitura de jornais locais é uma forma
interessante de entrar em contato com o dia a dia da população residente. Como
eu dispunha de muito tempo e também tenho o hábito rotineiro e diário da
leitura, degustar as iguarias e ao mesmo tempo informar-me sobre a Índia eram atividades
por demais agradáveis.
Li
muitas notícias interessantes, mas uma me chamou muita a atenção porque tem a
ver com o sistema de castas. Como
é amplamente sabido o sistema de castas é uma divisão social importante na
sociedade Hindu, não apenas na Índia, mas no Nepal e em outros países e
populações que seguem o hinduísmo. Embora identificado com o hinduísmo, o
sistema de castas também pode acontecer entre seguidores de outras religiões da
Índia, incluindo alguns grupos de muçulmanos e até mesmo cristãos.
Por sua vez, a Constituição Indiana rejeita a
discriminação com base nas castas, em consonância com os princípios
democráticos e republicanos que
fundaram a nação após a sua independência em relação à Inglaterra; resumindo: o
sistema de castas está fora da lei. Com o correr do tempo, as barreiras de
casta deixaram de existir ou diminuíram muito nas grandes cidades, mas ainda
persistem em muitos lugares da zona rural do país.
A notícia que li e que tem a ver com as castas
era mais ou menos assim: numa cidadezinha da zona rural indiana, o conselho de
castas local (existia um conselho!) tinha acabado de proibir as mulheres de
portarem telefones celulares nas ruas, considerando que isso não era decente
para elas; tal proibição deixou as mulheres revoltadas, principalmente as jovens;
antes dessa proibição o mesmo conselho havia proibido que elas trajassem jeans
como as ocidentais o fazem corriqueiramente.
Esse
tal conselho de castas estava enfrentando muitos problemas, pois vinham
acontecendo muitos casamentos entre membros de diferentes castas e ele tentava
a todo custo proibi-los. A relação do conselho com a comunidade ficou tão
difícil que houve a necessidade de intervenção externa e ela aconteceu. O
governo proibiu a atuação do conselho com base na lei, que não reconhece o
sistema de castas, pois a Índia é uma república e um dos seus princípios é a
igualdade entre as pessoas. Simples assim... O filósofo grego Platão em sua
magnífica obra, A República, já
imaginava uma sociedade de iguais, mesmo naqueles tempos longínquos e tão
desiguais, com escravos e muito mais... A Índia, por influência ocidental,
adotou a república e a democracia, duas criações da velha Grécia. Com a
independência indiana, Ocidente e Oriente encontraram-se (convergiram) no campo
da política.
Modernamente,
com a globalização da economia e da comunicação, muitos outros encontros estão
acontecendo e eles dizem respeito a usos e costumes. Por exemplo, a situação
das mulheres começa a mudar, apesar das reações negativas e muitas vezes
violentas; li algumas notícias sobre isso nos jornais. Muitas outras mudanças estão acontecendo,
muitas mesmo... Délhi, a capital da Índia lembra muito uma metrópole ocidental,
é só observar. Os grandes projetos industriais e a expansão da sociedade de
consumo colocam imensas barreiras ao sistema de castas, pois ele atrapalha o
avanço dessas duas propostas de caráter ocidental. Para o mercado os indivíduos são consumidores e quantos mais deles existirem será melhor para ele. O capital espera que cada indiano se torne consumidor, independente da casta que ele pertença. Assim, do ponto de vista socioeconômico, a casta perde o sentido de existir. Então, é possível impedir o uso de
celulares pelas mulheres? O uso de jeans? É impossível e não interessa ao
capital. A república não eliminou as castas no mundo real, mas o mercado o fará
e, de fato, está fazendo isso com muita competência.
As
considerações que escrevi agora sobre a matéria que li no jornal, tomando um inesquecível
saffron
cardamom black tea e comendo um doce
temperado com o mais saboroso mel dos himalaias, eu já as havia pensado
no ato da leitura do jornal, não me recordo se em 2011 ou 2012, não importa... Boas lembranças... Gratidão à lanchonete Honey Hut e
a todos os seus servidores. Namaste!
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