sexta-feira, 24 de julho de 2015

As abelhas de Gavião Peixoto: um holocausto ainda impune

Zildo Gallo


A mortandade de abelhas (imagem acima) tem se tornado coisa rotineira em Gavião Peixoto (SP) e, repetidas vezes, o município tem aparecido nas manchetes dos jornais como vítima dos agrotóxicos utilizados nas fazendas localizadas no seu território, com destaque para os da cana-de-açúcar, que costumam ser lançados por aviões sobre as plantações, numa exibição que lembra a Esquadrilha da Fumaça com seus voos rasantes, só que se trata, neste caso, de uma fumaça assassina a serviço de um imenso holocausto entomológico. Eis algumas notícias sobre o assunto em questão, existem várias outras:
·     Em 06/12/2013, o portal G1 da Rede Globo estampava a seguinte notícia: "Agrotóxico usado na cana mata dois milhões de abelhas, dizem apicultores" (1).
·   Em 18/02/2014, o mesmo portal noticiou: "2 agrotóxicos mataram 4 milhões de abelhas em Gavião Peixoto, diz laudo" (2).
·      Em 23/05/2015, o portal registrou: "Agrotóxico causou morte de abelhas em Gavião Peixoto, SP, aponta laudo" (3).
A cana-de-açúcar não é vilã solitária nesses crimes ambientais. A notícia de 18 de fevereiro de 2014 indicava que o uso de dois agrotóxicos lançados em lavouras de feijão, café e soja poderia ter sido o responsável pela morte de mais de quatro milhões de abelhas em Gavião Peixoto, conforme resultados de exames feitos nas abelhas por um laboratório. Ocorre que a presença da cana é muito mais ostensiva e muito mais visível, por conta das imensas extensões de terra ocupadas com o seu cultivo na região de Araraquara (SP), onde fica Gavião Peixoto. No meu artigo "Nada de venenos: um pouco sobre a agricultura orgânica", neste blog, eu registrei que muitos agricultores familiares também fazem uso de agrotóxicos, imitando esta prática nem um pouco recomendável do agronegócio, infelizmente...
Estou escrevendo sobre as abelhas de Gavião Peixoto, mas todas as abelhas, de todo o mundo, estão correndo risco de extinção, devido ao uso demasiado de defensivos agrícolas. Seria uma imensa tragédia para a vida na Terra, pois elas são fundamentais no processo de polinização no reino vegetal. Trata-se de imensa estupidez, uma espécie de suicídio indireto. Será que a ciência com os seus braços tecnológicos desenvolverão insetos mecânicos para o serviço da polinização? Ridículo! Será que os brasileiros farão como os chineses, que estão usando trabalhadores rurais, aos montes, para polinizarem manualmente as plantas, pelo fato de terem perdido as abelhas e muitos outros insetos polinizadores? Bem... a China tem muita gente no campo, muita gente mesmo, o que não é o nosso caso. A imagem abaixo mostra camponeses da China polinizando com as suas mãos uma plantação de frutas; um retrato que mostra até onde pode chegar a irresponsabilidade humana (4).


Para se compreender a gravidade da questão em relação aos insetos polinizadores, em particular com as abelhas, é sabido hoje que as abelhas já existiam nas mesmas formas que as atuais há cerca de 42 milhões de anos e durante todo esse tempo elas fizeram o seu trabalho diário e incansável de polinizar e produzir mel. Quanto à apicultura, é provável que já no neolítico os homens praticavam alguma forma de apicultura, pois existem informações de que, um pouco mais adiante, nos primórdios da civilização, o povo sumério, que se estabeleceu na Mesopotâmia por volta de 5.000 a. C. e fundou as primeiras cidades do planeta, já usava o mel.
Os povos da antiguidade tinham grande consideração pelas abelhas e pelo seu produto, o mel. A consideração era tanta que o grande filósofo grego Aristóteles fez os primeiros estudos científicos a respeito das abelhas, utilizando uma colmeia cilíndrica feita com ramos de árvores entrelaçados com uma mistura de argila e estrume bovino. A criação de abelhas era tão importante na Grécia antiga que Sólon, o grande legislador ateniense, dedicou-lhe vários artigos no conjunto das suas leis. Por conta da poluição, depois de 42 milhões de anos, a humanidade pode estar arriscando a sobrevivência desses animaizinhos fantásticos e extremamente úteis à natureza e aos homens. Não é muita estupidez? Dá para imaginar a natureza sem esses bichinhos?
A agricultura da cana-de-açúcar está no topo das maldades praticadas ao meio ambiente no Estado de São Paulo. Além dos agrotóxicos, tem o desrespeito com a vegetação nativa e com os animais silvestres. Os recursos hídricos são superutilizados e há casos de destruição de nascentes e de contaminação dos recursos hídricos, tanto superficiais como subterrâneos. As relações trabalhistas sempre foram muito complicadas e há muito pouco tempo foram registrados casos de trabalho excessivo, inclusive com mortes. Ainda tem o agravante de que no estado mais populoso do Brasil a cana tem ocupado muitas terras de boa qualidade que poderiam estar produzindo alimentos. Pelo menos as queimadas estão diminuindo com o avanço da mecanização do corte. Como é possível considerar o etanol como um combustível ambientalmente correto, conforme propagam as usinas e os governos estaduais e federal, com tantas questões a serem resolvidas? O fato de ele ser uma energia renovável e não contribuir para o agravamento do aquecimento global (efeito estufa) não dá o direito aos produtores de abusarem das práticas ambientais inadequadas.
Em relação à cana-de-açúcar, uma das reclamações dos apicultores diz respeito à fumigação aérea, que esparrama veneno para todos os lados. Estou escrevendo sobre as abelhas de Gavião Peixoto e neste município está instalada uma fábrica da Embraer, que produz aviões, incluindo o Ipanema, sua aeronave agrícola, que está sendo produzido desde 1972. Atualmente ela fabrica, na sua unidade de Botucatu (SP), uma aeronave movida a etanol. Dizem que o álcool possibilita um melhor desempenho, além de apresentar baixos custos de manutenção e operação, acredito que sim. É óbvio que também cantam loas ao combustível correto do ponto de vista do meio ambiente, nem tanto, como já visto acima.
Assim, o combustível "ambientalmente correto" faz o Ipanema alçar voo e esparramar venenos aos quatro ventos, sobre os latifúndios monocultores do Brasil. No Estado de São Paulo ele sobrevoa os canaviais, fumigando-os, e eles, em retribuição, garantem a produção do combustível "limpo" do seu voo, num macabro círculo vicioso a serviço do gigantesco complexo agroindustrial energético-agroexportador.


Agora, falando aqui como advogado de defesa das nossas minúsculas e indefesas irmãzinhas, as abelhas: é muito sério, não dá mais! precisamos abolir os agrotóxicos da nossa agricultura, com destaque para a da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. É possível fazer isso? Será que os grandes produtores rurais podem adotar práticas ambientalmente corretas? A resposta é:  sim! Para prová-lo, vou relatar na sequência um caso de sucesso de agricultura orgânica ligado ao setor sucroalcooleiro, aqui mesmo, no nosso estado Trata-se de um caso que se inicia pela produção de açúcar orgânico e posteriormente se estende para outros produtos. Refiro-me ao caso da Native, que se tornou referência nacional e internacional em termos de produtos agrícolas amigáveis ao meio ambiente.


A marca Native está bastante visível no mercado, pois as cafeterias disponibilizam aos consumidores os saquinhos individuais com o açúcar orgânico da marca e as gôndolas dos supermercados sempre têm as embalagens de 1 kg do açúcar e vários outros produtos seus à mostra. Líder mundial na produção e comercialização de açúcar e álcool orgânicos, a Native adotou a causa da sustentabilidade e tem levado seus produtos para mais de 60 países de todos os continentes do planeta. As suas usinas, São Francisco e Santo Antônio, mantêm um viveiro com capacidade de gerar milhares de mudas de árvores nativas da flora brasileira. Mais de um milhão de árvores já foram plantadas em centenas de hectares. A implantação de um modelo agrícola de produção diferenciado resultou na formação de uma teia alimentar que permite a convivência do agronegócio com mais de 300 espécies de animais vertebrados, sendo que 244 são raras, como a onça parda, o tamanduá bandeira, o lobo guará, entre muitas outras (5).
A Native tem vários produtos saudáveis, elaborados conforme os regulamentos da agricultura orgânica, com processos que aliam tecnologia com respeito ao solo, às florestas e aos animais. Além do açúcar, que é produzido sem queimadas e livre dos agroquímicos, ela desenvolveu várias parcerias com produtores orgânicos brasileiros e estrangeiros para oferecer aos consumidores produtos que compartilham dos mesmos princípios de sustentabilidade. Assim, ela  também atua nos segmentos de cafés, sucos, achocolatados e barras de chocolates, utilizando o cacau orgânico da Bahia, etc. Ela produz orgânicos e incentiva a sua produção através das suas parcerias, provando que é possível ao grande produtor rural produzir sem os venenos que matam os nossos insetos polinizadores, em particular as nossas irmãs abelhas que, além de prestarem um serviço de valor inestimável à natureza, produzem um alimento que pode ser classificado, no mínimo, como fantástico pelas suas qualidades nutritivas, o DOCE MEL.
Para não pairar dúvidas sobre o compromisso da Native com a sustentabilidade e com a agricultura orgânica, informo aqui que ela tem divulgado no seu site a cartilha sobre o selo de produtos orgânicos do Ministério da Agricultura, aquela ilustrada pelo cartunista e escritor Ziraldo, que teve a sua edição impressa impedida de circular por uma ação judicial da Monsanto, a polêmica e gigantesca multinacional fabricante de venenos e sementes transgênicas (6). Eu tratei deste assunto no artigo "Guerrilha agroecológica", neste blog, onde também divulgo a cartilha. Considero que divulgá-la é um ato de desobediência civil a serviço da defesa da vida saudável para todos os seres do nosso planeta. Visitem o site da Native! Divulguem a cartilha do selo ORGÂNICO BRASIL!
Vida longa às abelhas!

Referências
(1) http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2013/12/agrotoxico-usado-na-cana-mata-dois-milhoes-de-abelhas-dizem-apicultores-gaviao-peixoto.html
(2) http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2014/02/2-agrotoxicos-mataram-4-milhoes-de-abelhas-em-gaviao-peixoto-diz-laudo.html
(3) http://g1.globo.com/sp/araraquara-regiao/noticia/2012/05/agrotoxico-causou-morte-de-abelhas-em-gaviao-peixoto-sp-aponta-laudo.html
(4) http://www.apinews.com/pt/noticias-de-apicultura/item/12780-china-polinizacao-com-a-mao
(5) http://www.nativeorganicos.com.br/
(6) http://www.nativeorganicos.com.br/media/uploads/paginas/arquivo/cartilha_org.pdf

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