Zildo Gallo
Após
quase uma década cruzando o espaço sideral, a sonda espacial New Horizons
passará bem perto do planeta Plutão, a menos de 12.500 km. Desde que foi
descoberto, em 1930, Plutão permanece bastante inacessível e pouco se sabe a
seu respeito. O feito ocorrerá no de 14 de julho de 2015 e os cientistas sabem
pouco do que poderá ser revelado nesse dia histórico.
Os que
conhecem um pouco de astronomia podem estranhar porque me refiro a Plutão como
um planeta e não como um planeta anão. Em 2006, os astrônomos resolveram
rebaixá-lo da categoria de planeta por conta do seu tamanho, já que ele possui
uma massa duas mil vezes menor que a da Terra. Na época considerei uma
arbitrariedade e achei muita ignorância e desrespeito rebaixá-lo apenas pelo
seu tamanho. Afinal de contas, determinar o que é pequeno e grande e instituir
a grandeza como uma forma de avaliar se um corpo celeste é um planeta ou não
trata-se de uma mera convenção.
No meu
íntimo, acho que é um preconceito contra o que é pequeno. Seria assim como se a
partir de um dado momento disséssemos aos nossos irmãos anões que eles não são
mais humanos porque são pequenos e, doravante seriam considerados humanos anões.
É uma comparação um tanto idiota, mas serve, vai lá... Todavia, não sou
astrônomo e continuarei a tratá-lo como planeta e os meus irmãos anões sempre
serão humanos, é óbvio. Na verdade, trata-se de uma violência do ponto de vista
cultural. Lembro-me que no meu primeiro livro de geografia, de 1968, havia uma
representação do sistema solar e lá estava o longínquo Plutão com sua órbita
esquisita e sem os seus satélites, que só foram descobertos a partir de 1978, a
partir da revelação de Caronte, que é o maior deles.
Plutão é
pequeno mesmo, mas possui cinco satélites, enquanto que a Terra só tem a Lua,
que, por sua vez, também é maior que ele. Seu maior satélite é Caronte (1), que
possui quase a metade de seu tamanho. Sabemos muito pouco sobre Plutão, pois a
distância é um obstáculo considerável e tamanha distância faz com que a sua
órbita solar dure 248 anos terrestres. Pequeno, distante e misterioso, tudo
isso justifica o seu nome: Plutão (Hades para os gregos), o deus do mundo dos
mortos, que costuma aparecer com o rosto oculto por um elmo acinzentado. Será
que ele se oculta para esconder a sua feiura? É claro que não, o elmo serve
para torná-lo invisível aos mortais. Os gregos temiam Hades e acho que poucos
seres humanos têm coragem para encarar face a face o senhor da morte. É bom que
ele permaneça com o elmo sobre a cabeça.
A sonda
New Horizons poderá desvendar segredos guardados à distância desde o seu
descobrimento. No atual estágio da ciência na Terra, passar tão perto de Plutão,
com tanta precisão, e enviar imagens e várias informações sobre a sua
composição é um grande feito para a humanidade, para os reles mortais. Será
que, devido à quantidade de conhecimentos já acumulados sobre o universo, os
nossos astrônomos tornaram-se arrogantes ao ponto de acharem-se no direito de
retirar um planeta do rol dos planetas, classificando-o como planeta anão,
desconsiderando aspectos culturais importantes? Eles desrespeitaram a opinião
de muita gente, inclusive de cientistas. A arrogância (hybris para os gregos) era considerada um grave desvio de
comportamento na Grécia e era severamente punida por Nêmese, a deusa da justa
medida para gregos e romanos.
Em 1930,
quando o pequeno planeta foi descoberto pelo astrônomo Clyde Tombaugh, no
Observatório Lowell, localizado no estado do Arizona (EUA), muitas cartas foram
enviadas ao local com sugestões de nomes para o novo astro. Do outro lado do
Oceano Atlântico, Venetia Burney, uma menina inglesa de 11 anos, sugeriu Plutão
e, assim, em primeiro de maio de 1930 o planeta foi batizado como Plutão. Assim,
manteve-se a tradição de nomear os planetas com nomes de deuses do panteão
greco-romano. As crianças são mais intuitivas e, por isso, acabam por acertar
mais que os adultos. Considero esse um caso de acerto.
Plutão
faz parte da trindade greco-romana. Júpiter (Zeus para os gregos) é o senhor
dos céus, Netuno (Posseidom) é o senhor dos mares e Plutão (Hades) é o senhor
do mundo subterrâneo. Ocorre que, diferente dos seus irmãos e de vário outros
deuses, que são muito belos, o que é normal entre os deuses, Hades era
considerado bem feio e, além disso, deram-lhe a tarefa de cuidar do mundo dos
mortos, nos subterrâneos da Terra. Entretanto, alguém tinha que cuidar das
almas desencarnadas, não é nenhum demérito e o fato de ele ser feio é mera
coincidência. Se os dois bonitões já tinham seus planetas, por que deixar Hades
sem o seu? Venetia Burney fez justiça! Mesmo que seja pequeno e fique nos
confins do sistema solar, fez-se justiça.
Apesar de
sua feiura, Hades (Plutão), conseguiu casar-se com uma belíssima Deusa,
Perséfone. Ela rivaliza em beleza com Afrodite (Vênus), a deusa do amor e da
beleza. Perséfone é a deusa das ervas,
flores, frutos e perfumes. É filha de Zeus e Deméter, a deusa da agricultura e
das estações do ano. Criada no Olimpo, morada dos deuses, Ela foi sequestrada
por seu tio Hades, que se apaixonou ao se deparar com tamanha beleza, e mudou-se, a princípio a contragosto, para o
mundo inferior, onde residem as almas dos humanos desencarnados.
Reza a
lenda que Demeter ficou inconsolável e se descuidou de suas tarefas: as terras
tornaram-se estéreis e houve escassez de alimentos. Demorou para ela descobrir
o paradeiro da filha e quando isso aconteceu ficou claro que Perséfone não havia
rejeitado o tio feioso, o que não era fácil de ser aceito pela mãe. O indivíduo
devia ser muito feio mesmo. Então, para acalmar a mãe possessiva,
estabeleceu-se uma acordo: a filha passaria metade do ano junto a seus pais, no
Olimpo, e o restante com Hades, nas profundezas. Na primavera e no verão, a
natureza se embeleza e assim permanece para receber a bela Perséfone e, a
partir do outono, com a sua descida para o mundo inferior, a natureza começa a
adormecer. No inverno ela estará totalmente adormecida e, na primavera
seguinte, ela acordará em flores, pois Demeter se alegrará com o retorno da
filha querida. Imagino a seguinte fala da possessiva mãe, quando da sua
chegada: "Filhinha, você está cada vez mais linda. Não consigo entender
como você continua casada com aquele traste horroroso, enfiada no fundo da
terra como uma toupeira". Desconfio que é daí que vem a má fama das
sogras.
Em 1990,
quando iniciei meus estudos sobre o Tarô, o primeiro baralho que me caiu às
mãos foi o Tarô Mitológico (2), que se baseia na mitologia grega. Neste
baralho, a carta da Morte é representada pela figura estranha e sombria de
Hades, envolta numa túnica negra e com o rosto oculto sob um elmo cinzento.
Trata-se de um arquétipo, uma imagem primitiva que habita as profundezas do
inconsciente dos seres humanos. A morte é o desconhecido e o desconhecido sempre
amedronta. A morte é dada a todos os mortais, não tem escapatória, e eles a
temem com todas as forças do seu temer. Neste sentido, dá para entender o
tamanho da força de Hades (Plutão) e, assim, fica claro que não se trata em
absoluto de uma divindade inferior. O Tarô Mitológico faz justiça ao deus
menosprezado pelos humanos (medo) e pelos astrônomos (arrogância).
No nível
psicológico, Hades configura-se como a finalização de ciclos, que pode ser,
inclusive, o ciclo da vida. Na maioria das vezes, ele representa uma grande
mudança, uma ruptura com velhos padrões e velhos caminhos. Todavia, para se iniciar
um novo caminho, é necessário experimentar o luto, pois os términos sempre
provocam alguma dor, às vezes muita dor. Hades, o Senhor da Morte, representa o
estágio intermediário em que somos postos diante da irrevogabilidade da nossa
perda antes de termos a percepção de que algo novo está para começar; ele é o
momento exato do luto, aquele momento em que quase nada enxergamos, daí a sua
invisibilidade.
No nível
divinatório, enquanto jogo de tarô, a carta da Morte indica que algo precisa terminar.
Se tal experiência será dolorosa ou não, dependerá dos recursos internos do
indivíduo para aceitar e reconhecer términos. A carta pode sugerir a
oportunidade de uma nova vida, desde que o indivíduo consiga abrir mão em
definitivo da antiga; aí o livre arbítrio se coloca: abrir mão, não abrir
mão... não é fácil desapegar.
As cartas
não mentem jamais: mexer com Plutão (Hades) é coisa muito séria, os astrônomos
deveriam (precisariam) saber disso. Aguardemos as notícias da New Horizons.
(1) Caronte trabalha para Hades
como barqueiro, transportando as almas pelo rio Estige até o mundo inferior,
mediante o pagamento em uma moeda de ouro. Nos funerais da velha Grécia,
colocava-se uma moeda nos lábios do falecido para que ele pagasse a sua
travessia, pois se tal não acontecesse, a sua alma ficaria vagando.
(2) SHARMAN-BURKE,
J.; GREENE, L. O tarô mitológico: uma nova abordagem para a leitura do Tarô.
São Paulo: Siciliano, 1988.
Excelente publicação
ResponderExcluirGosto demais deste assunto.