sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O cinema e as suas salas fechadas em Americana/SP

Zildo Gallo



O município de Americana/SP até a década de oitenta do século passado ainda tinha salas de cinema. Até os anos setenta a cidade chegou a ter três salas: Cine Brasil, Cine Cacique e Cine Comendador. Essas salas tiveram o mesmo destino que as milhares espalhadas pelo Brasil: foram fechadas e tornaram-se casas de comércio ou igrejas. É corrente a justificativa de que o vídeo cassete e logo a seguir o DVD contribuíram para tal fenômeno. Não pretendo discutir as causas, mas lembrar da importância das salas de cinema da cidade de Americana, pelo menos para mim, onde passei a maior parte da minha infância, da minha adolescência e onde habitei até os meus trinta anos de idade.
Depois desse fenômeno arrasador, as salas de cinema começaram a voltar, aos poucos, através dos shoppings centers nas cidades médias e grandes. Nas cidades pequenas elas não foram reabertas, pois elas não têm shoppings de grande porte. Apesar de ser uma cidade de médio porte, Americana não dispõe ainda de salas de projeção, uma pena...
Ir ao cinema na minha infância e na minha adolescência era um ato corriqueiro. Tornei-me um cinéfilo desde pequeno. Na minha infância frequentava as matinês aos domingos à tarde. Era um acontecimento, pois não se tratava apenas de ver um filme. Outras coisas aconteciam nos cinemas e uma delas era bastante produtiva do ponto de vista cultural e social. Tratava-se da troca de gibis. Naquela época líamos muitos gibis e adquirimos o hábito saudável de trocar os já lidos com os amigos das matinês. Todos nós levávamos embaixo dos braços um punhado deles para troca. Não havia dinheiro nesse tipo de negócio. Estabelecíamos alguns parâmetros como o de que um álbum valia dois gibis menores, por exemplo. Hoje a sociologia chama isso de troca justa ou comércio justo. Éramos politicamente corretos e nem suspeitávamos disso.
Quando cresci, não trocava mais gibis nas matinês, mas continuei frequentando os três cinemas, dessa vez no período noturno, religiosamente. Como os cinemas não passavam filmes repetidos, acabava vendo três filmes por semana. Perdi as contas dos filmes que assisti. Não tinha gênero preferido, gostava de todos, comédias, dramas, terror, faroeste, policial, animação, musical etc. Os cinemas eram muito frequentados e a vontade de ver os filmes era tanta que chegávamos a falsificar a data de nascimento na carteira estudantil para assistirmos aos filmes proibidos a menores de dezoito anos, confesso que o fiz.
Com o surgimento do vídeo cassete, ver filmes ficou mais barato e mais simples, mas, asseguro não tem o mesmo encanto do cinema e digo mais, não tem o mesmo alcance cultural e social. Ir ao cinema contribuía para o desenvolvimento de uma saudável sociabilidade, pois enquanto esperávamos a abertura das portas para o início da sessão, encontrávamos velhos conhecidos e jogávamos conversa fora; tudo era muito agradável e tinha muita magia nisso. Aquelas antigas salas eram muito diferentes das salas dos shoppings. A sala de espera já era um acontecimento sociocultural. Pode ser que o fechamento das salas tenha contribuído, junto com muitas outras causas, é lógico, para o avanço do individualismo na nossa sociedade. É uma questão a ser verificada.
Nem tudo ficou ruim em Americana, pelo menos o Cine Brasil não virou comércio e nem igreja, pois se transformou num teatro, num bom teatro, mas a cidade continua precisando de um cinema. Será que só eu penso assim, eu que não moro nessa cidade há anos? Em Campinas, onde moro, tem muitas salas e recentemente foram fechadas quatro salas do Cine Topázio no Shopping Prado. O Cine Topázio era diferente, pois não exibia, como a maioria dos outros, um monte de filmes americanos. Ele exibia filmes de muitas nacionalidades, com destaque para os franceses. Muitos lamentaram o seu fechamento, inclusive eu. Sou daqueles que acredita que o cinema pode contribuir para a formação cultural dos povos.
Na minha infância, além dos três cinemas, ainda contávamos com o Cineminha do Senhor Pagni. O Senhor Pagni era um cinéfilo e um cinegrafista amador. Lembro-me que ele filmava os acontecimentos da primeira gestão do Prefeito Dr. Valdemar Tebaldi (1977 - 1982), como as inaugurações de obras, por exemplo. Ele tinha na sua casa, no cruzamento entre as Ruas Gonçalves Dias e Vital Brasil, um salão grande, onde colocou vários bancos compridos de madeira e onde projetava filmes para o público infanto-juvenil, cobrando preços simbólicos, preços que as crianças pobres podiam pagar. Era um serviço social de inestimável valor. Recordo-me de ter visto os filmes dos Três Patetas, do Gordo e Magro, Tarzan, Zorro, Mazzaropi e muitos faroestes. Inesquecível Senhor Pagni...
Será que Americana espera por um shopping de tamanho grande para poder ter salas de cinema, como aconteceu com o município vizinho, Santa bárbara D'Oeste? Aqui vai uma sugestão. Parece-me que o velho Cine Brasil era do Sr. Abdo Najar, ex-prefeito da cidade e o seu filho, Omar Najar, é o atual prefeito. A Prefeitura Municipal poderia tomar a frente, depois de sanear as contas públicas, é óbvio, e providenciar (pode ser em parceria com o setor privado) a construção de salas de cinema. Do ponto de vista cultural, a meu ver, seria um ganho expressivo para o município.

5 comentários:

  1. Olá.
    Gostaria de saber de quem é essa foto que ilustra o texto. Quero usá-la, e preciso dar os devidos créditos!
    Obrigada ;)

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    1. Eu não consegui até hoje descobrir de quem é a foto. Todavia, eu sei que ela tem um dono. Caso você descubra, me informe, por favor, pois, assim, eu também anoto os créditos para o autor. Grato!

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    2. Tudo bem, eu que agradeço!! ;)

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  2. Bom saber dessas histórias, belo texto.

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  3. Sensacional!!! Hoje trabalho com cinema, a primeira vez que assisti um filme no cinema foi no "Cine Brasil"

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