segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

As águas, recomendações para o próximo ano

Zildo Gallo

Hoje, dia 29 de dezembro de 2014, antepenúltimo dia do ano, recebi as seguintes informações:
  • no dia 28/12/2014, a vazão do Rio Atibaia em Campinas/SP, cidade onde resido, havia caído pelo segundo dia consecutivo, chegando a 10,6m3/s;
  • o nível do Sistema Cantareira, que abastece a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e regulariza a vazão a jusante, para a Região Metropolitana de Campinas (RMC), também voltou a cair, após subir por três dias consecutivos, indo de 7,4% para 7,3%.

A imprensa fica noticiando todos os dias sobre o sobe e desce dos reservatórios, sobre as vazões dos corpos d'água e sobre os volumes das chuvas. São informações importantes, pois alertam os usuários dos recursos hídricos, para que eles façam a sua parte, utilizando os recursos moderadamente.

Contudo, considero a forma como a imprensa atua inadequada e incompleta em diversos pontos: 1) sinto a falta de matérias com caráter mais educativo e menos terrorista, informando formas de redução de consumo e de reuso de água, como o aproveitamento da água da máquina de lavar roupas, por exemplo; 2) poderiam ser feitas coberturas sobre como as prefeituras estão enfrentando ou como pensam enfrentar a questão da escassez dos recursos hídricos nas duas regiões em questão; 3) os jornais, as rádios e as TVs poderiam fazer matérias de caráter mais educativo, mostrando de forma simples e rápida (é plenamente possível) o comportamento do ciclo hidrológico, das águas subterrâneas, a importância da vegetação e das áreas permeáveis para o armazenamento de água etc. Entrevistas mais frequentes com especialistas ajudariam muito também.

Como um dos especialistas, percebo uma ignorância generalizada sobre a questão dos recursos hídricos, incluindo aí a imprensa. Todavia, entendo o porquê: até bem pouco tempo vivia-se uma sensação de abundância. De fato, havia uma relativa abundância, pois o Estado de São Paulo encontra-se fora da parte do Brasil que historicamente enfrenta estiagens prolongadas, como o semiárido nordestino. Estiagens severas (esporádicas) aconteciam aqui (os agricultores a percebiam mais nitidamente e os moradores urbanos bem menos), mas naqueles tempos o fator urbanização não pesava tanto como agora, com destaque para as duas regiões metropolitanas.

Além da quantidade exorbitante de usuários de recursos hídricos, as cidades das metrópoles estão extremamente impermeabilizadas e as chuvas viram de forma muito rápida escoamento superficial, provocando enchentes e não alimentando as águas subterrâneas; são águas perdidas que seguem antecipadamente rumo ao seu destino final, o oceano.


O que fazer? Aqui vão algumas sugestões: 1) os habitantes e as empresas dos mais diferentes tipos (fábricas, shoppings, hotéis etc.) poderiam ser incentivados a recolher e armazenar as águas da chuva, como os nordestinos estão aprendendo a fazer; 2) as prefeituras deveriam providenciar a ampliação de espaços permeáveis, como os parques e jardins, por exemplo; 3) as câmaras de vereadores poderiam, através de leis, delimitar espaços permeáveis mínimos obrigatórios nos imóveis urbanos; 4) os engenheiros deveriam buscar formas alternativas de calçamento das vias públicas, diferentes do asfalto, que permitissem a infiltração da chuva, o que diminuiria as enchentes e produziria a melhor forma de armazenamento de água, que se encontra disponível de forma gratuita e completamente natural, que é aquela que acontece no subsolo.

domingo, 21 de dezembro de 2014

O homem humanizado e a sociedade: o papel do trabalho

Zildo Gallo


Falar do homem enquanto um ser humano parece redundante, mas não é, pois o homo sapiens, enquanto espécie animal, enquanto ser vivente, é um projeto em construção, um projeto humanizante em permanente elaboração e reelaboração. Ele está posto como um vir a ser, um devir, um transformar-se, um tornar-se novo, portanto, ele ainda não é, ele será. Ele sempre está carecendo de se humanizar. Então, humanizar trata-se de um processo e, de forma bem simples, humanizar significa tornar humano. Indo um pouco mais além: para tornar humano é preciso despertar valores humanos.
O ser humano está em permanente elaboração. A palavra elaboração vem de labor, que é trabalho em latim. Daí extraímos três possíveis situações: 1) o homem é um ser que trabalha; 2) que constrói pelo trabalho e; 3) que se constrói pelo seu trabalho. Todas as três possibilidades são reais e, ao mesmo tempo, complementares. Desta forma, é mais que lícito afirmar que o fazer humano é que constrói o ser humano enquanto tal. Simplificando, se possível: o homem é um ser que transforma (modifica) a natureza externa, que enxerga a sua própria natureza (que se vê na sua natureza interna) e que transforma a sua própria natureza. Resumindo: à medida que ele transforma o mundo ele também se transforma, dá outra forma ao seu mundo interior. Lá pelos idos do século XIX, Friedrich Engels falava do sobre "o papel do trabalho na transformação do macaco em homem", suspeito que ele tinha razão.
Por sua vez, a palavra trabalho vem da palavra latina tripalium, que era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes munidos de pontas de ferro, com o qual os agricultores batiam o trigo para separá-lo da espiga. A maioria dos dicionários, contudo, registra o tripálio apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou, talvez, se tornado depois. O tripálio (do latim tri: três e palus: pau, literalmente, "três paus") é um instrumento romano de tortura, um tripé formado por três estacas cravadas no chão na forma de uma  pirâmide no qual eram supliciados os escravos. Daí derivou-se o verbo do latim vulgar tripaliare que significava, a princípio, torturar alguém no tripálio. É comumente aceito entre os linguistas que esses termos deram origem, no português, às palavras "trabalho" e "trabalhar", ainda que no seu sentido original o "trabalhador" fosse um carrasco, e não aquele que labora, que elabora e que se elabora, como entendemos hoje em dia.
Parece estranho a palavra trabalho derivar de um instrumento de tortura. Entretanto, se olharmos para a história do trabalho, veremos que faz todo sentido. As palavras não se formam do mero acaso. Então, olhemos para a história do trabalho.
Na pré-história, do paleolítico ao neolítico, os homens modernos (homo sapiens) tinham como preocupação central a luta pela sobrevivência num ambiente hostil. O uso das primeiras ferramentas e das primeiras armas possibilitou uma convivência mais tranquila com o meio e a introdução da agricultura sedentarizou os grupos humanos. Num primeiro momento, as relações sociais pareciam igualitárias, pois ainda não havia a apropriação do trabalho alheio e nem a dominação das mulheres pelos homens. Mas essa situação não dura, pois nos primórdios das primeiras cidades ela se modifica, com o surgimento do trabalho escravo, do patriarcado, do casamento monogâmico, com a consequente limitação dos papéis femininos e com o assentamento da propriedade privada, os fragmentos do território dominados pelos patriarcas. Sugiro aqui a leitura de uma obra clássica: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels (1884).
A civilização nasce com vários aspectos sombrios e uma dessas sombras é a apropriação do trabalho alheio de forma arbitrária e violenta, através do trabalho escravo. O escravo é um indivíduo destituído da sua liberdade e que vive em absoluta sujeição a alguém que o trata como um bem explorável e negociável, como uma mercadoria. Na verdade, stricto sensu, é uma mercadoria como qualquer outra mercadoria.
No correr dos séculos, a exploração do trabalho sofreu várias mudanças, mas ainda permanecem situações muito obscuras, como se verá na sequencia. Na idade média europeia, o trabalho escravo foi substituído pelo trabalho servil, principalmente na agropecuária. Os trabalhadores já não eram uma mercadoria negociável, mas não podiam sair das terras de seus senhores e estavam sujeitos a normas draconianas impostas por esses senhores feudais, que tudo podiam, já que eram a lei, a polícia e o juiz. Além disso, grande parte da produção camponesa era consumida pela aristocracia agrária e pelos seus soldados, deixando os trabalhadores da terra em constante situação de pobreza e, muitas vezes, de fome.
Todavia, nem toda relação de trabalho era opressiva na idade média europeia, pois havia um tipo de trabalho livre, que era o trabalho artesanal. O artesão era dono da sua oficina e das suas ferramentas e vendia a sua produção que, naquela época, era feita, na sua maioria, sob encomenda. Alfaiates, pintores, escultores, marceneiros, construtores, entre outros, exerciam o seu trabalho de forma livre. Tratava-se de um trabalho criativo, com começo, meio e fim e, por conta disso, prazeroso e, ainda por cima, melhor remunerado que o trabalho camponês.
A expansão da manufatura na Europa com maior ênfase a partir do século XV, já criando um princípio de estrutura fabril, começou a diminuir a importância do trabalho artesanal, aumentando o assalariamento na produção de mercadorias manufaturadas. Abrindo parêntesis: é importante lembrar aqui que a partir do século XV, o trabalho escravo foi recriado nas colônias Europeias, com destaque para as Américas. Entretanto, a destruição da produção artesanal ocorrerá definitivamente com a Primeira Revolução Industrial, que tem seu início no final do século XVIII na Inglaterra. A partir daí, as oficinas dos artesãos serão fechadas e eles se tornarão assalariados. Nessa época também ocorrerá um êxodo rural de grande monta e levas e mais levas de camponeses serão lançados no mercado de trabalho da indústria nascente e crescente. Trata-se de um período de extrema exploração do trabalhador: salários baixos, jornadas de trabalho extensas, trabalho infantil e feminino abusivos, situações de grande insalubridade nos locais de trabalho, entre outras formas de degradação e o que é mais importante, o trabalho deixou de ser criativo, tornando-se repetitivo e monótono. A melhor definição para essa forma de trabalho é "trabalho alienado".
Uma forma de remediar os efeitos nefastos do trabalho alienado, levantada já no século XIX por pensadores sociais como Karl Marx e Paul Lafargue, e que adquiriu um certo consenso no meio dos cientistas sociais que vieram a seguir, é a redução da jornada de trabalho. Com isso as pessoas poderiam fazer coisas criativas, inteligentes e agradáveis no seu tempo livre. E, de fato, do século XIX até os dias de hoje, as jornadas de trabalho diminuíram muito, com destaque para os países europeus. Recentemente, o sociólogo Domenico De Masi retomou a discussão sobre a importância do tempo livre no seu livro "O ócio criativo".
Com o correr da história e com as lutas de resistência dos operários, que se organizaram em sindicatos e partidos políticos, a exploração foi diminuindo e as condições de trabalho foram paulatinamente melhoradas. Os salários subiram, as jornadas foram reduzidas e muitos benefícios foram introduzidos nas relações entre capital e trabalho, tais como férias remuneradas, aposentadoria, entre outras, melhorando as condições de vida da maioria da população, que é assalariada, e diminuindo a pobreza nos países industrializados.
À Primeira Revolução Industrial seguiu a Segunda Revolução, na segunda metade do século XIX, que completou a industrialização na Europa e se estendeu aos Estados Unidos e Japão. No século XX a industrialização se estende a países como Brasil, Argentina, entre outros, trata-se de um desenvolvimento tardio. O que é interessante de se notar é que, tanto na Segunda Revolução quanto na industrialização tardia, muitos benefícios serão incorporados, tornando o trabalho menos árduo que na Primeira Revolução, são avanços efetivos, há que se considerar.
Entretanto,  no que diz respeito à criatividade no trabalho, a situação pouco mudou, pois o trabalho industrial continuou repetitivo e monótono, por conta do excessivo parcelamento das atividades nas linhas de montagem (lembram-se do Charlie Chaplin em Tempos Modernos?). Todavia, em contrapartida, a moderna divisão do trabalho produz um resultado benéfico à sociedade, que é o barateamento das mercadorias, que foi preconizado por Adam Smith, o pai da economia política, na sua magnífica obra, Riqueza das Nações.
Parecia que tudo estava caminhando bem, mas no final do século XX, principalmente por conta do crescimento da indústria na Ásia, com destaque para a China, Singapura, Vietnã etc., que se dá de forma precária (jornadas excessivas, baixos salários, condições insalubres etc.), a situação do trabalho e dos trabalhadores sofreu um revés em todo mundo, incluindo aí a Europa e os Estados Unidos. A concorrência internacional fez aumentar o desemprego fora dos países asiáticos e as condições de trabalho também pioraram, principalmente por conta das terceirizações, chegando a registrar, inclusive, muitas ocorrências de trabalho similar ao escravo, como no caso da indústria de roupas feitas no Estado de São Paulo. Em muitos casos a situação retrocedeu ao que era nos séculos XVIII e XIX e até pioraram, como no caso do trabalho escravo.
Do exposto até aqui surgem algumas questões: 1) será que a exploração do homem pelo homem e das nações por outras nações é o único modus operandi possível para a civilização?; 2) será que a produção de bens de consumo precisa dar-se de forma tão alienada, alijando em demasia os trabalhadores dos processos criativos, para que tais bens sejam acessíveis à maioria das pessoas?; 3) será que a necessidade permanente de acúmulo de riquezas pelos países, o desejado e buscado "desenvolvimento econômico" tem que se dar de forma tão competitiva e predatória, onde tudo vale, num tipo de guerra permanente entre todos?
Laudas e mais laudas já foram escritas sobre estas questões e muitas outras ainda serão produzidas e não serão em demasia, pois parece até possível que toda essa enorme e desenfreada competição dê cabo da civilização. A crise ambiental, com destaque para o aquecimento global, já está dando o seu alerta. Não são apenas as pessoas que são passíveis de exploração, a natureza também tem sido explorada além da sua capacidade de suporte. Então, completo aqui a primeira questão acima levantada: será que a exploração abusiva da natureza também faz parte do modus operandi da civilização?
É mais que evidente que parar ou diminuir o ritmo dessa grande máquina (civilização), que foi posta em movimento com o surgimento das primeiras cidades, é um trabalho hercúleo - olha o  trabalho aí de novo! Quiçá seja possível redirecionar a máquina da civilização positivamente, sem que ela se desmonte, jogando a humanidade num estado de barbárie. Será possível fazê-lo? Esta é uma questão a ser respondida com a devida urgência. Todavia, não se trata de uma tarefa para um herói em particular, mas de uma árdua tarefa para toda humanidade, o que a torna muito difícil, entretanto imprescindível.
Por onde começar? A resposta a esta questão é difícil e, talvez, por conta disso, a melhor forma de iniciar seja retrabalhando o significado do trabalho. Outros valores também necessitam de ressignificação, mas como o trabalho é um elemento fundante da humanidade, talvez seja o mais importante, é de bom alvitre começar por ele. Durante a maior parte da história da civilização o trabalho esteve associado ao sofrimento, como já foi visto, e, por conta disso, foi estigmatizado. Há que se resgatar a dignidade do trabalho e, para tanto, precisamos compreendê-lo na sua profundidade, atingindo a sua essência.
Comecemos por lembrar que o homem é um ser social e que, neste sentido, o trabalho é um elemento essencial à socialização. A forma como cada ser humano trabalha determina a sua forma de ser e o seu conjunto de relações. Ele começa a trabalhar para cuidar de si e dos membros do seu grupo, com destaque para as crianças, que necessitam de proteção plena e não têm como produzir a sua própria existência. Então, desde o seu início, o trabalho surge também como um serviço prestado ao outro. Estou falando aqui do trabalho essencialmente humano, que significa utilizar-se da natureza e modificá-la a seu serviço, criando com isso um processo que não se repete apenas, mas que aumenta a sua dimensão e que se aperfeiçoa, criando isso que conhecemos como cultura.
A humanidade precisa fazer mea culpa e ressignificar positivamente o trabalho. Ela precisa abolir todas as formas de aviltamento das relações trabalhistas existentes e elas ainda são muitas. O trabalho meramente repetitivo precisa diminuir e quando isso não for de todo possível, deverá ter seus efeitos negativos minimizados, a redução das jornadas pode ajudar neste sentido, liberando tempo para que as pessoas exerçam a sua criatividade de alguma forma.
Cabe reforçar aqui a ideia de que trabalhar significa uma relação de cuidado (ver meu artigo Saber cuidar: a essência do humano, neste blog) e que o cuidado determina o modo de ser humano. Os humanos são cuidados quando crianças, passam a cuidar quando ficam adultos e recebem cuidados na sua velhice. Tudo isso implica em afetividade e o afeto, neste sentido, é a essência mais profunda do ser humano. O trabalho escravo, ainda sobrevivente, e as demais degradações laborais, como a exploração das crianças e das mulheres, entre outras, vão no sentido contrário à essência humana.
Começar pela ressignificação do trabalho no imaginário coletivo da humanidade talvez seja o primeiro passo a ser dado. A partir daí, outros passos serão dados, criando um movimento sustentado positivamente, resgatando os valores humanos, que sempre se formam a partir do cuidado e do afeto. Depois disso, o trabalho ressignificado (re)assumirá o seu real papel na história da humanidade que é o de serviço, ajudando-a a seguir na sua trajetória humanizante. Trabalho e serviço passarão a ser, de fato, sinônimos. Só mais uma última consideração: a urgência é necessária.
Referências
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. São Paulo: Editora Sextante, 2000.
ENGELS. Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Rio de Janeiro: Global Editora, 1990.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Centauro Editora, 2006.
SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1985.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Para compreender o meio ambiente na globalização

Zildo Gallo


No decorrer das duas últimas décadas do século passado, políticos, empresários, artistas, ci­entistas, ativistas de movimentos sociais, mulheres e ho­mens de diferentes origens e classes perceberam que o mundo estava mudando. Mudan­ças tecnológicas, sociais, culturais, econômicas, políticas, tudo acontecendo muito rápido, até difícil de acompanhar. A palavra usada para identificar este con­junto de transformações foi “globali­zação”. A “globalização”, hoje, quando a humanidade já avança para dentro no sé­culo XXI, ainda continua na ordem do dia. Para uns, conforme as palavras de Zygmunt Bauman (1999, p. 7), ela é o caminho da felicidade e, para muitos outros, é a causa de todas as maze­las. Porém, para todos, a globalização é inexorável, pois o mundo se glo­baliza e isto é inevitável.
A Globalização é inevitável? Parece que sim, mas é preciso cuidado, pois é pe­ri­goso deixar-se seduzir por tal certeza. Sou daqueles que acredita que o Estado pode e deve colocar obstá­culos à globalização quando se faz necessário defender os interesses nacionais. Aceitar decisões de organismos inter­nacionais, assinar tratados, estabelecer políticas de câmbio, de comércio exterior, regula­mentar a atuação dos capitais estrangeiros, a produção e comércio de armas, dedicar-se ao meio ambiente e aos direitos humanos, tudo isso é prerrogativa do Estado nacional e ele não deve abrir mão dessas importantes atribuições. Também considero que o enfraquecimento dos Es­ta­dos-na­ção é um traço importante da globalização. O enfraquecimento tem a ver com o fortalecimento das empresas transnacionais e dos organismos internacionais como FMI, Banco Mundial, OMC, ONU, OTAN, NAFTA, MERCOSUL, entre vários outros.
A globalização apresenta múltiplos aspectos, mas, nas suas várias facetas, caracte­riza-se por uma gigantesca rede global de informática e comunicações ba­seada no uso de tecnologias novas e revolucionárias. Para Fritjof Capra (2003, p. 148), as novas tecnologias colocam-se a serviço do capital globalizado, parti­cularmente do capital financeiro. Zygmunt Bauman (1999, p. 9) enxerga um processo homogeneizador, o que ele chama de “hibridização”, um fenômeno cultural amplamente aceito pelas elites globalizadas de todo o planeta. Enquanto os Estados Unidos desejam transformar o mundo “à sua ima­gem e semelhança”, o tal processo homogeneizador, o restante do mundo deseja consumir tudo aquilo que os norte-americanos consomem e que ele vê pelo cinema, pela televisão e, mais recentemente, pela internet, três poderosos instrumentos da globalização.
A onda globalizante também tem representado o seu papel na onda neocon­serva­dora que contaminou o mundo nas últimas décadas do século XX. Princípios antes intocá­veis como o da universalidade do bem-estar social, foram postos de lado; as diferentes correntes ideológicas e políticas ou deixaram de seguir uma agenda mais direcionada para políticas sociais ou acabaram simplesmente se vol­tando para a sua redução. Programas sociais foram eliminados e, muitas vezes, privatizados e, também, foram aceitos níveis mais elevados de desemprego e redu­ção de impostos sobre empresas e grandes rendas. Boxberger e Klimenta (1999, p. 30) avaliam que, por conta da globalização, a indústria alemã está submetida a uma pressão competitiva nunca antes vista. Sob essa con­corrência agu­çada a indústria precisa diminuir custos, “o que ocorre através do fechamento de postos de trabalho e através da redução progressiva de benefícios sociais empresariais e públicos”. A questão ambiental também fica fragilizada, segundo eles: Se os encargos sociais e os equipamentos de proteção ambiental forem muito caros na Alemanha, vale a pena para os empresários, a partir de uma determinada diferença de custos, produzir no exterior.
Para Cristovam Buarque (2006, p. 14), a globalização e o desenvolvimento tecnológico introduzi­ram a destruição ambiental em todo o Planeta. Diferente da histórica e corriqueira depreda­ção local do meio ambiente, o mundo de hoje depreda pratica­mente todo o Planeta. O sinal mais forte disto é o processo de aquecimento global que ocorre atualmente, que paira como uma “espada de Dâmocles” sobre as cabe­ças de todos os moradores da Terra, humanos e não humanos, ameaçando o futuro da vida e de toda a civilização. O autor considera que, caso o atual modelo de con­sumo e produção continue sem alterações, a civilização global estará condenada, pois “estamos condenando a civilização a beneficiar apenas a atual geração, talvez mais uma ou duas gerações até o final do século XXI, con­denando as gera­ções seguintes”.
Buarque (2006, p. 5) lembra que foi Churchill quem disse que a democracia é o pior sis­tema po­lítico salvo os outros sistemas. A democracia é o que temos. Sua frase adquiriu maior validade com o recente des­pertar dos direitos das minorias contra o “autoritarismo democrático” da maioria. É ainda muito mais acertada nos dias de hoje, diante do fenômeno da globalização. A necessidade de se construir uma democracia global com um mínimo de consis­tência é óbvia tanto para os dirigentes dos países maiores, cujas decisões podem provocar o aumento do aquecimento do planeta, esgotar recursos naturais, provocar guerras nuclea­res ou biológicas, desestabilizar outros países ou até toda a civilização, quanto para os dirigentes de países pequenos que decidem construir centrais nucleares, barrar rios inter­nacionais, permitir o funcionamento de sistemas bancários para lavagem de dinheiro, os famosos “paraísos fiscais”, permitir a ins­talação, dentro dos seus territórios, de bases terro­ristas ou de tráfico de drogas etc.
Todavia, há um problema: em um mundo globalizado, as ações de cada país podem repercutir em todo o pla­neta até por séculos adiante, mas a democracia continua elegendo seus diri­gentes com base em eleições nacionais para mandatos de durações curtas. O mundo torna-se cada vez mais global e de longo prazo e a democracia continua nacional e de curtíssimo prazo. Um mundo globa­lizado necessita de uma democracia que incor­pore toda a realidade global. Conforme Buarque (2006, p. 6), “para que seja democrática, a globalização deve deixar de ser identificada so­mente com o comércio"; precisa identificar-se também com as questões socioambientais.
A economia em rede, da qual fala Capra (2003, p. 153), que caracteriza o capitalismo con­tempo­râneo global, também transformou profundamente as relações entre capital e trabalho. O dinheiro libertou-se da produção de mercadorias e dos serviços e trans­feriu-se, em larga escala, para a realidade virtual das redes eletrônicas. O capital globalizou-se, mas o traba­lho continua localizado. Portanto, capital e trabalho en­contram-se, cada vez mais, em es­paços e tempos diferentes: “o espaço virtual dos fluxos financeiros e o espaço real dos locais e regiões onde as pessoas trabalham; o tempo instantâneo das comunicações ele­trônicas e o tempo biológico da vida cotidiana”. Isso tem enfraquecido o poder de barganha das classes trabalhadoras no mercado, como têm constatado muitos cientistas sociais em suas pesquisas.
Para Capra (2003, pp. 153-154) o poder econômico mora nas redes financeiras globalizadas, que aca­bam determinando os rumos do emprego, enquanto que o trabalho permanece confinado nos limites territoriais. O trabalho enquanto uma categoria social acabou perdendo o pouco poder que possuía: “hoje em dia, muitos trabalhadores, quer sindicalizados, quer não, recusam-se a lutar por salá­rios maiores ou melhores condições de trabalho por medo de que seus empregos sejam deslocados para outro país”. Os trabalhadores, assim como muitas das mercadorias por eles produzidas, têm se tornado, cada vez mais, descartáveis.
O objetivo primeiro da teoria e da prática econômicas contemporâneas con­tinua sendo a busca de um crescimento econômico contínuo, ilimitado e indife­renciado, “a qual­quer preço”, o que é completamente insustentável, já que a expan­são ilimi­tada num planeta finito só pode produzir a catástrofe. Não restam mais dúvidas de que as atividades econômicas da humanidade estão preju­dicando a biosfera e a qualidade de vida dos homens a ponto de, em muito pouco tempo, tornarem-se irreversíveis. Tanto que, nos últimos anos, os efeitos sociais e ambientais da economia globalizada têm sido discutidos exaustivamente por acadêmicos e lideranças dos movimentos sociais. As suas análises deixam claro que o capitalismo global, na sua atual forma, não é sustentável e necessita ser reestruturado. A doutrina neoliberal que está por detrás da globalização eco­nômica é uma espécie de “fundamentalismo de mercado”, sendo, a meu ver, tão perigosa quanto qualquer tipo de fundamentalismo.
Contudo, independente das balizas da doutrina neoliberal, a economia conti­nua o seu processo globalizante, pois, à medida que as empresas nacionais crescem e adquirem certa estatura, elas tendem a se globalizar pelas razões que seguem:
1) necessi­dade de expansão dos seus mercados, em especial a partir do momento que o mercado doméstico saturar;
2) procura por matérias pri­mas disponíveis em outras partes do mundo;
3) busca por novas tecnologias, que estão disponíveis em outros países;
4) au­mento da eficiência produtiva, particular­mente em termos de redução de custos;
5) fuga de barreiras políticas e reguladoras, como as restrições e taxas que incidem sobre o comércio exterior;
6) diversifica­ção, para minimizar impactos de movimentos desfavoráveis em um único país.
Se a globalização con­ti­nua, também de­vem continuar ativos os fenômenos que a acompanham: urbanização crescente; aumento das taxas de desemprego e precarização das rela­ções de trabalho; diminuição do estado de bem-estar social; aumento dos investi­mentos especulativos e das vulnerabilidades financeiras; aumento da homogenei­zação cultural etc. Outro problema potencial é o movimento de criação de enormes oligopólios ou até monopólios de produ­ção, comercialização e serviços. Tal movi­mento implica no crescente aumento do poder dos conglomerados privados em relação ao poder dos estados nacionais, o que, em tese, pode aumentar os riscos sociais e ambientais, caso os estados comportem-se efetivamente como o lado fraco da relação.
A Terra, com suas características geológicas e geográfi­cas, sua fauna e flora, é o ambiente do ser humano, não tem outro. A humanidade não tem como existir sem os delicados equilíbrios da biosfera. Enquanto espécie, o homem tem sido, ao mesmo tempo, conquistador e refém da natureza. As consequências da trajetória humana, com o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da indústria têm se tornado mais complexas e impactantes no momento presente. Viola (1996, p. 24) pondera que, diante disso tudo, é necessário evitar duas tentações: a cornu­copiana (é possí­vel, por meio da tecnologia, resolver todos os problemas); a neorromântica (parar o desenvolvimento e focar apenas a reforma dos padrões de con­sumo e de modo de vida).
Ambos, os cornucopianos e os neorromânticos, ainda que antagônicos, são porta­dores de duas concepções ingênuas. A tecnologia não substitui os processos naturais e é muito difícil falar de mudanças nos padrões de consumo quando grande parte da humani­dade não consome. Contudo, a tecnologia pode contribuir, quando bem direcionada, para recuperar os processos naturais deteriorados. O aumento do con­sumo dos pobres é necessário e será possível com o crescimento econômico dos seus países e eles não precisam importar hábitos de consumo dos países ricos. Os habitantes dos países ricos precisam tomar cons­ciência do seu consumo predatório e podem reduzi-lo, por que não?. A gigantesca máquina de comunicação montada em todo o planeta, que hoje está a serviço do movimento consumista, poderia se colocar a serviço da mudança dos padrões de consumo e de estilos de vida, focando a responsabi­lidade ambiental do consumidor. Esta conversa até parece utópica, mas são possibilidades que se colocam à humanidade, para que ela enfrente as armadilhas que ela própria criou.
Capra (2003, pp. 158-159) também estende as suas críticas à propaganda. Para ele, a des­truição do meio natural nos países pobres caminha junto com o fim do modo de vida tradi­cional das comunidades rurais, “à medida que os programas da televi­são norte-americana e as agências multinacionais de propaganda veiculam ima­gens glamourosas de moderni­dade para bilhões de pessoas em todo o mundo, sem dei­xar claro que o estilo de vida do consumo material infinito é totalmente insus­ten­tável”. Edward Goldsmith, apud Capra (2003, p. 159), calcula que, se todos os países do Terceiro Mundo atingissem o mesmo nível de consumo dos EUA no ano 2060, os danos anuais ao meio ambiente oriundos das atividades econô­micas seriam 220 vezes maiores do que são hoje, o que é absolutamente insuportável para o planeta.
Lembrando sempre que a globalização é um fenômeno contraditório, Viola (1996, pp. 61-63) vê muitos fatos positivos no aspecto ambiental para o Brasil na internacionali­zação das questões ambientais, um lado bom da globaliza­ção:
1) surgimento de um con­senso mundial sobre a importância da Amazônia nos aspec­tos climático e de biodiversi­dade e o fato de ela ter se tornado prioritária nos esfor­ços de proteção de ambientalistas internacionais;
2) o impacto favorável da nova consideração da questão amazônica por parte de atores internacionais estraté­gicos exercido sobre atores sociopolíticos no Brasil e que ajudaram a mudar em poucos anos a percepção da floresta amazônica pela sociedade brasileira; até a década de1980, a percepção da floresta Amazônica não diferia da per­cepção histó­rica da Floresta Atlântica e Araucária, que foram devastadas; a partir do final da década de 80, aconteceu uma mudança: a floresta Amazônica passou a ser vista como um reservatório de biodi­versidade, com grande valor econômico e estético;
3) a influência de padrões inter­nacionais de prote­ção ambiental sobre diversos setores exportadores brasileiros como papel e celulose, por exemplo;
4) a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De­senvolvimento (UNCED/CNUMAD) no Rio de Janeiro, em 1992;
5) a repercussão interna­cional do assassinato de Chico Mendes, em 1988;
6) o processo de modernização do setor produtivo das regiões Sul e Su­deste, na dé­cada de 1990, que possibilitou também a absor­ção de tecnologias mais favoráveis ao meio ambiente;
7) a emergência e crescimento, entre 1987/1992, da Geração-92 do ambientalismo brasileiro: um contingente de jovens com bom nível de educa­ção, “que descobriu simultaneamente a natureza, a qualidade ambiental, as ONGs, as virtudes do desenvolvimento pessoal e a vida globalizada-transna­cio­nalizada”.
Todos os países mais importantes do planeta estão sendo, cada um do seu modo, responsáveis pelas dificuldades de se construir um regime para atenuar a mudança climá­tica por conta da maximização excessiva dos interesses nacionais. Contudo, alguns deles têm sido mais responsáveis que outros pelo atraso no pro­cesso de buscas mais efetivas de soluções para o fenômeno do aquecimento global. Os EUA aparecem em primeiro lugar, pois respondem por um quarto das emissões e estão pouco dispostos a reduzi-las. A Aus­trália, que tem apoiado os EUA, tem as maiores emissões per capita do mundo. A China e a Índia, que têm aumentado suas emissões geometricamente, não se mostram muito dis­postos a compromissos que possam, de alguma forma, atrapalhar o futuro do seu cresci­mento econômico. A Rússia, Nigéria, Arábia Saudita, Kuwait e Irã, que são grandes expor­tadores de petróleo, temem ser os maiores perdedores num mundo movido por energias reno­váveis.
Por conta das dificuldades de se conseguir uma cooperação internacional efetiva para a mitigação da mudança do clima planetário, numa visão um pouco pessimista, talvez realista, segundo Viola (2005, p. 197), cada vez mais os esforços dos países deverão orientar-se para adaptações possíveis à mudança climática. Os países que mais sofrerão, como sempre, serão os mais pobres. Para ele, “o principal da adaptação à mudança climática derivará dos esforços endógenos nacionais, e a cooperação internacional (mesmo no cenário mais otimista) ocupará lugar secun­dário, mesmo que relevante”. A maior tarefa dos países talvez seja a busca por alternativas energéticas aos combustíveis fósseis, que precisa ser acelerada. Esta preocupação está, cada vez mais, tornando-se consensual; é o início do caminho, é o que se espera.
Cristóvam Buarque (2006, pp. 14-15) lembra – é sempre bom lembrar – que a civilização como um todo adquiriu o poder de destruir a natureza em escala planetária e que os mecanismos de decisão continuam prisioneiros do curto prazo e das fronteiras nacionais. Para o autor, a democracia global, com o potencial catastrófico embu­tido nas técnicas atuais, precisa da globalização do poder de decisão, o que, na prática, acaba sendo quase impossível, pois é um dever consagrado o respeito às nacio­nalidades, à soberania das nações. Em algum momento, há que se desatar esse nó.
A lição maior que se tem para tirar das análises aqui expostas, retomando as pon­derações de Fritjof Capra (2003, pp. 220-222), é a de que a maioria dos atuais problemas am­bientais e sociais tem suas raízes no sistema econômico. A forma presente do ca­pitalismo global é insus­tentável dos pontos de vista ecológico e social e, assim, inviável no longo prazo. Legisla­ções ambientais mais rigorosas, ativida­des empre­sariais mais éticas, tecnologias mais eficientes, tudo isso é muito ne­cessário, mas insuficiente. Para Capra, é necessária uma mudança sistêmica mais profunda. Ele considera também que por trás de todos os proble­mas encontra-se o princípio bá­sico do ca­pitalismo selvagem: “que ganhar dinheiro vale mais do que a demo­cracia, os direitos humanos, a proteção ambiental ou qualquer outro valor”. En­tão, para Capra, virar o jogo significa, antes de tudo, alterar esse princí­pio bá­sico.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
BUARQUE, Cristóvam. Democracia e globalização: os nove tipos de paz. In: MAGALHÃES, Dulce (org.). A paz como caminho. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2006.
BOXBERGER, Gerald & KLIMENTA, Harald. As dez mentiras sobre a globali­zação. São Paulo: 1999.
CAPRA, Fritjof. Conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2003.
VIOLA, Eduardo. As complexas negociações internacionais para atenuar as mu­danças climáticas. TRIGUEIRO, André (coord.). Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Campi­nas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005.
______. A multidimensionalidade da globalização, as novas forças sociais transna­cionais e seu impacto na política ambiental do Brasil, 1989-1995. In: FERREIRA, Leila da Costa & VIOLA, Eduardo (orgs.). Incertezas de sustentabilidade na glo­balização. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Consumo sustentável ou sociedade sustentável: um debate necessário

Zildo Gallo



Na década de 90 do século XX, aconteceu um deslocamento da questão ambiental para a esfera do consumo, indo além e superando as críticas ao sistema industrial e às populações pobres do "Terceiro Mundo". Não se tratava de ignorar impactos da indústria e da pobreza sobre o meio ambiente, mas de reconhecer o papel do excesso, do consumo abusivo, desnecessário, na questão ambiental, destacando os seus resultados negativos, como a descomunal produção de resíduos e a extração exponencial de matérias primas da natureza, por exemplo. A princípio, as discussões limitaram-se à ideia do "consumo verde", que apenas enfatizava mudanças técnicas nos produtos e serviços e mudanças com­portamentais dos consu­midores individuais. Mas tal abordagem, ainda que necessária, é insuficiente e, assim, logo depois, apareceram propostas que enfatizavam ações coletivas e políticas públicas. Trata-se da estratégia do “consumo sustentável”, que busca se diferenciar da anterior por privilegiar políti­cas públicas e ações individuais e coletivas voltadas para a sustentabilidade socio­ambiental, onde aparece uma pretensão política e transformadora mais definida.
Depois de muitos anos pensando de forma individualista e utilitarista, o mundo, com destaque para a sua porção ocidental, precisa voltar-se ao coletivo, pois as saídas para a grande crise socioambiental na qual o planeta está mergulhado não se resolve a partir do consumidor com suas propaladas autonomia e racionalidade, como acreditam os economistas liberais. Inclusive porque acreditar em autonomia do consumidor em tempos de marketing e propaganda é no mínimo ingenuidade e, talvez, indo além da ingenuidade, má-fé. O mundo precisa de saídas coletivas e o pensamento liberal tem seus limites para pensar além do indivíduo e da sua hipotética liberdade para decidir.
Em termos internacionais o que acabou acontecendo é que se priorizou, no campo do discurso sobre consumo sustentável, uma redução relativa no consumo de determina­das matérias primas e energia, como o petróleo, por exemplo, e não uma mudança nos processos e padrões de produção, distribuição e consumo, dei­xando de dar a atenção necessária aos conflitos gerados pela desigualdade no acesso aos recursos da natureza, tão importante para os países não desenvolvidos, localizados majoritariamente no hemisfé­rio sul. Mudar os padrões e não os níveis de consumo passou a ser o objetivo visto como politicamente adequado nos países desenvolvidos do hemisfério norte. Consome-se a mesma quantidade de combustível, por exemplo, substituindo os derivados de petróleo pelo biocombustível, que é renovável. Todavia, o biocombustível vem da agricultura e a sua produção ocupa terras antes destinadas à produção de alimentos. Os impactos dessa mudança foram devidamente analisados? Foram de alguma forma avaliados? Talvez esta não tenha sido a melhor saída. Há que se verificar.
Dá para se falar de consumo sustentável considerando apenas o indivíduo, tomando-o a partir da sua consciência individual? Resposta: até que dá, mas tem limites, porque, na maioria dos casos, pelo menos nos mais complexos, as saídas não são individuais mas coletivas. Por exemplo, quando se aborda a questão energética, da mobilidade urbana, do tratamento dos resíduos produzidos pelo consumo, da segurança alimentar, da segurança hídrica, da saúde, da educação, da moradia, entre outras, a melhor forma de abordá-las é a partir do coletivo. Na verdade, pouca coisa pode ser abordada única e exclusivamente do ponto de vista individual.
Então, já que o mais correto é a abordagem coletiva, por conta de envolver tanto a sociedade quanto o indivíduo, em vez de se focar no consumo sustentável, melhor seria focar na ideia de sociedade sustentável, pois o consumo é mais um componente das muitas atividades sociais, junto com muitas outras também importantes.
Melhor exemplificar para deixar mais clara a exposição. A Região Metropolitana de São Paulo, onde habita grande parte da população do Estado de São Paulo, tem problemas sérios de mobilidade urbana e de poluição do ar. Existe uma carência de transporte coletivo (rodoviário e ferroviário) e um excesso de veículos automotores que transportam no máximo cinco pessoas (transporte individual). A região enfrenta congestionamentos diários gigantescos e isso, além de estressar os motoristas e provocar perdas econômicas individuais e coletivas consideráveis, também contribui com a poluição do ar e com o aquecimento global (efeito estufa). Não tem saída uma individual. Mesmo que a frota de veículos individuais adotasse exclusivamente o etanol como combustível que, por sua renovabilidade, não contribui com o efeito estufa, restaria ainda insolúvel a questão do congestionamento. A saída que resolve as duas questões é o investimento em transporte coletivo, é uma saída coletiva. Vários outros exemplos poderiam ser dados, tomando outros aspectos da vida em sociedade, mas este já é suficiente.
Quando se fala de sociedade sustentável não tem como não estabelecer comparações. Hoje o planeta Terra divide-se em dois blocos de países em relação à economia. No hemisfério norte localiza-se a maior parte dos países ricos e no hemisfério sul a maior parte dos mais pobres. Então, é con­veniente trazer para o debate as considerações de Clóvis Cavalcanti (2003) sobre a maior econo­mia do hemisfério norte e do planeta, os Estados Unidos, onde ele a compara com as sociedades indígenas da Amazônia no hemisfério sul ( ver quadro abaixo). Em ter­mos de sustentabilidade am­biental são dois paradigmas extremos e, por conta disto, servem como balizas do que poderia ser o caminho do meio de uma sociedade sustentável.

Comparação de dois paradigmas diferentes de sustentabilidade
Termos de comparação
Índios da Amazônia
Estados Unidos
Visão de mundo
Reverência pela natureza; humildade
Homem senhor e possibilidade da natureza; arrogância
Formação de capital
Quase nenhuma; habilitações e ferramentas toscas
Cumulativa; necessidade de volumes sempre cres­centes de investimento (para manter taxas cons­tantes)
Fontes de energia
Renováveis somente
Combustíveis fósseis (fontes não renováveis); menor proporção de renováveis
Formas de conhecimento
Base na experiência (transmissão oral pelos antigos e pelos pajés)
Ciência moderna (trans­mis­são sob forma escrita – bibliote­cas, meio eletrô­nico)
Fonte de propulsão
Recursos naturais
Progresso técnico
Uso de matéria e ener­gia
Frugalidade; parcimônia termodinâmica
Forte degradação entró­pica; esbanjamento, des­perdício
Principais objetivos econô­micos
Satisfação das necessida­des básicas; bem-estar
comunitá­rio
Crescimento econômico ilimitado; lucro imediato
Tendência de longo prazo
Altamente sustentável
Insustentável
Fonte: CAVALCANTI, 2003.

O primeiro paradigma corresponde, na visão do autor, a uma situação de parcimô­nia e de reverência pela natureza. O segundo conduz, conforme o autor, a um extremo de estresse ambiental e “não contém atributos intrínsecos de respeito pela natureza, é o que se percebe nos padrões de consumo de recursos dos Estados Unidos” (CAVALCANTI, 2003, p. 155).
O estilo de vida dos índios da Amazônia baseia-se em fontes renová­veis de energia, pois os combustíveis fósseis não são usados e a lenha é utilizada de forma sustentável. Não ocorre destruição ambiental visível entre os índios. Além de usa­rem os recursos da natureza com parcimônia, os índios a tratam com reverência e humildade, sentem-se parte dela. No outro ex­tremo, impera a posse e o domínio dos seus recursos para serem transformados em mer­cadorias, que serão vendidas para consumidores, que garantirão, com seu consumo crescente e contínuo, a continuidade do crescimento econômico.
Entre os índios da Amazônia a finalidade única no seu relacionamento com a natureza é a satisfação das necessidades coletivas e individuais; nos EUA, a satisfação das necessidades é um objetivo secundário, o princi­pal é alimentar o processo de acu­mulação de capital. No segundo caso a natureza é tratada com arrogância e utilitarismo; ela é vista essencialmente como um estoque de matérias-primas e a maioria do seus habitantes vive, enquanto maioria urbana, totalmente afastada da natureza, ela tornou-se estranha aos moradores urbanos.
Se tem algo de que Cavalcanti (2003, p. 165) tem clareza é que o desenvolvimento econômico nos moldes dos EUA não é mais uma opção aberta, com amplas possibilidades para todo o planeta. A aceitação da ideia de desenvol­vimento sustentável indica que foi fixado um limite superior para o progresso material, embora ele ainda não esteja muito palpável. Esta aceitação coloca um novo desafio para a humanidade, conforme aponta Cavalcanti (2003, p. 166):
Nosso desafio é como reduzir substancialmente ou eliminar a miséria, sem desrespeitar os limites da capacidade de sustentação da Terra. Po­demos querer empurrar o crescimento além desses limites. Mas devemos ter cons­ciência do fato de que, mais cedo ou mais tarde, teremos que confrontar a nêmesis da natureza.
A deusa Nêmese, venerada por gregos e romanos, representava a justa medida na ordem divina e humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris – autoafirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. O aquecimento global é um dos sinais de que a própria medida pode estar sendo ultrapassada e, aparentemente, a reação da deusa parece estar começando.
O dever dos estudiosos, dos homens e mulheres da ciência, daqui adiante, é explicar como o desenvolvimento poderá tornar-se sustentável. Uma ideia amplamente aceita hoje em dia é a de que o tipo de crescimento econômico que o mundo construiu nos últimos duzentos anos, em particular depois da Segunda Guerra Mundial, não mais se sustenta. Não se propõe aqui, é claro, uma volta à sociedade tribal. Trata-se, antes de tudo, de propor uma ruptura com aquilo que Celso Furtado (1974), chamou de mito do desenvolvimento, que tem a ver com a possibilidade de todos os pobres do mundo desfrutarem das mesmas formas de vida dos povos mais ricos do planeta, com seu consumo ostentatório e, em larga escala, supérfluo. Maria Lúcia Azevedo Leonardi (2003, pp. 204-205) esclarece um pouco mais a questão levantada por Cavalcanti:
Em segundo lugar, graves problemas ambientais – talvez os piores – como o efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, o esgotamento dos recursos naturais, a acumulação do lixo tóxico são provocados pelas so­ciedades ri­cas e desenvolvi­das, não pelas pobres. Se o modelo de desen­volvimento do Primeiro Mundo, ar­duamente perseguido pelo Terceiro Mundo, conseguir ser atingido, com níveis de produção e consumo equi­valentes, aí sim a si­tu­ação ambiental se agravará, mesmo se a população parar de crescer. Atu­almente, menos de um quarto da população mundial consome 80% dos bens e mercadorias produzidos pelo homem (Martine, 1993: 25). A tragédia do desenvolvimento explica a “agonia planetária” (conceito criado por Morin & Kern, 1993: 73). Ou, como já foi colocado há tempo, o desenvol­vimento necessita criar o subdesenvolvimento. É seu componente antitético.
Referências
CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez Editora; Recife: Fundação Joaquim Na­buco, 2003.
______. Sustentabilidade da economia: paradigmas alternativos de realização eco­nômica. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez Editora; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2003.
MARTINE, George (org.). População meio ambiente e desenvolvimento. Campi­nas: Editora da UNICAMP, 1993.
LEONARDI, Maria Lúcia Azevedo. A sociedade global e a questão ambiental. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez Editora; Recife: Fundação Joaquim Na­buco, 2003.
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1974.
MORIN, Edgar & KERN, Anne Brigitte. Terre-Patrie. Paris: Seuil, 1993.


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SABER CUIDAR: A ESSÊNCIA DO HUMANO

Zildo Gallo


Cuidado é o tema principal do livro Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela Terra, de Leonardo Boff, onde ele resgata a fábula-mito do Cuidado ou Fábula de Higino. Caio Júlio Higino, em latim Gaius Julius Higinus, foi um escritor da Roma Antiga (primeiro século a.C.). Sua principal obra chama-se Fábulas ou Genealogias. Trata-se da recompilação de 300 lendas, histórias e mitos da tradição greco-latina. Eis a fábula:
Certa vez, depois de atravessar um rio, o deus Cuidado viu uma porção de barro. Então, teve uma inspiração. Tomou um pouco de barro e deu-lhe uma forma. Enquanto contemplava a sua obra, apareceu Júpiter, o senhor de todos os deuses. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele, o que Júpiter fez com satisfação. Todavia, quando Cuidado quis dar um nome a sua  criatura, Júpiter o proibiu, exigindo que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e  Cuidado discutiam, surgiu a deusa Terra. Ela quis também dar o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, que era material do seu próprio corpo, provocando com isso uma discussão generalizada. Como não chegavam a um acordo, chamaram Saturno para que funcionasse como árbitro da questão. Procurando ser justo, Saturno tomou a sua decisão: "Você, Júpiter, deu-lhe o espírito e, por isso, recebê-lo-á de volta quando a criatura morrer. Você, Terra, deu-lhe o corpo e recebê-lo-á de volta quando da sua morte. Cuidado, como você foi quem moldou tal criatura, ela deverá ficar sob seus cuidados enquanto viver. E, já que vocês não chegam a um acordo sobre o seu nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil”.
O ser humano nasceu, assim como todos os seres, do corpo da Terra. Conforme a lenda, nasceu de uma terra fértil, do húmus da terra, que foi trabalhada com esmero e muito cuidado pelo deus Cuidado. A palavra humilde também deriva de húmus e, desta forma, ser humilde significaria reconhecer-se filho da Terra, da sua fertilidade, assim como todos as demais criaturas que também são filhas da mesma mãe, que também se formaram a partir do mesmo corpo, do mesmo barro.
A partir da fábula-mito do cuidado, podemos elaborar uma linha de raciocínio que pode levar-nos a entender o propósito maior da existência, o do cuidado necessário com o ser humano, que deve refletir-se no cuidado com a própria Terra, que é ao mesmo tempo nossa mãe e nossa casa, cuja maternidade e abrigo dividimos com todos os seres vivos, nossos irmãos. Reconhecer-se filho da mesma mãe significa compreender e respeitar a teia da vida que foi sendo  construída lentamente, durante milhões e milhões de anos no nosso planeta.
O mito do cuidado é mais que pertinente nos dias de hoje, pois faz com que nos relembremos da nossa íntima ligação com a Terra, o nosso planeta, instando-nos a que humildemente nos religuemos a ela, pois, neste momento, ela também necessita dos nossos cuidados. Trata-se, metaforicamente, da necessidade de uma volta para casa. Ele também pode servir como uma metáfora de caráter educativo, pois serve para despertar naquele que lê uma reflexão sobre a necessidade de cuidar dos seres humanos que sofrem e também de transformar o cuidado recebido pelo deus Cuidado, sob as ordens de Saturno, no cuidado com todos os outros seres viventes, com a própria Terra, por extensão.
O cuidado surge quando a situação de existir de alguém tem importância para outro alguém também existente, trata-se de uma relação, de um conjunto de relações. Alguém sai de si mesmo e conecta-se a outros, que, reciprocamente, também fazem o mesmo movimento. Por outro lado, a palavra cuidado significa preocupação, inquietação, sentido de responsabilidade, pois aquele que cuida sente-se envolvido e afetivamente ligado ao outro. Então, o cuidado é algo que se liga àquilo que é a essência primitiva, a essência primeira, do ser humano, que não é a razão, mas o afeto. O afeto antecede a razão; ele se encontra naquela situação de proteção que cada ser humano recebe nos primeiros dias da sua vida, naqueles momentos em que está totalmente dependente e indefeso em relação ao mundo que o cerca, naquele momento em que está totalmente dependente e indefeso em relação ao outro.
O cuidado é o modo de ser do humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano e ele é cuidado e se cuida em grupo, sendo dessa maneira um ser social. Caso não receba cuidados, desde o nascimento até a morte, ele se desestrutura, definha e morre. Ele recebe cuidados para aprender a cuidar. Ele deve aprender a cuidar de si mesmo depois da sua infância, que é bem longa se comparada com a de outros animais, para em seguida aprender a cuidar dos outros humanos e dos demais seres vivos do planeta, pois tudo que vive precisa de cuidados para viver. Esta é a regra do jogo neste mundo
Conforme a fábula de Higino, o cuidado é fundamental para a existência e, neste sentido, antecede o espírito soprado por Júpiter e o corpo esculpido por Cuidado com o húmus fornecido pela deusa Terra. O Cuidado é a essência divina, é um a priori, ele pré-existe. É aquele Eros, o puro amor, aquele deus grego que já existia na noite dos tempos, antes mesmo da criação do universo.
Sem cuidados a vida e os humanos não existiriam. Então, há que se ter cuidado com tudo. É preciso ter compaixão com todos os seres que sofrem, humanos e não humanos,  obedecendo mais o coração, seguindo mais a lógica da cordialidade do que a da competição e do uso utilitário das coisas. Há que se ter cuidado com a Terra e com a sociedade, particularmente com os excluídos, com todos, enfim.
Neste momento, em desespero, tanto a Terra quanto a humanidade clamam por cuidados essenciais. A degradação ambiental, a pobreza de milhões de pessoas e as violências de todos os tipos precisam ser enfrentadas. Enfim, a grande crise pela qual passa o planeta Terra, só pode ser enfrentada com mais cuidado, o que resulta num clamor por um novo ordenamento ético para a humanidade e para o nosso planeta.
Contudo, as crises criam novas oportunidades e, neste momento, elas possibilitam mergulhos na instância onde, segundo Leonardo Boff (2003), os valores são continuamente forma­dos. Segundo ele, a nova ética planetária “deve brotar da base última da existência humana”. Ela não está na razão, como deseja o Ocidente. A razão não é a essência da existência e por isso não pode explicar e nem abranger tudo. A essên­cia do existir está em “algo mais elementar e ancestral: a afetividade”. Então, contrariando Descartes, que é o pilar do saber ocidental, a experiência basilar não é o seu “penso, logo existo”, mas, segundo Boff, é o “sinto, logo existo”.
Assim, para Boff (2003), na raiz de todas as coisas não está a razão (logos), mas a paixão (pathos). “Pela paixão captamos o valor das coisas (...) Só quando nos apaixonamos vivemos valores. E é por valores que nos move­mos e somos”. Neste ponto, Boff observa o surgimento de uma dramática dialética entre razão e paixão, já que ele em absoluto não menospreza o papel da razão:
Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética uti­litária. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões e a ética hedo­nista, do puro gozo das coisas. Mas, se vigorar a justa medida, e a paixão se servir da razão para um autodesenvolvimento regrado, então emergem as duas forças que sustentam uma ética promissora: a ternura e o vigor.
Leonardo Boff (2003) considera que dessas premissas pode surgir uma ética que será ca­paz de incluir toda a humanidade. Essa nova ética deverá estruturar-se em torno de valo­res fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao fazer humano, às relações cooperati­vas e à cultura da não violência e da paz. “É um ethos que ama, que cuida, se responsabi­liza, se solidariza e se compadece”.
Referências
BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca os fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

______. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes 1999.

A QUE VIM