terça-feira, 11 de novembro de 2014

José do Egito, a crise hídrica e a SABESP

Zildo Gallo


A passagem bíblica de José do Egito no antigo testamento ensina-nos algo importante: a importância de armazenar alimentos para o futuro, para atender a épocas de pouca produção ou de perdas por intempéries. Ele interpretou um sonho do faraó da seguinte forma: depois de sete anos de abundância, com grandes safras agrícolas, seguirão sete anos de seca. Com isso, o faraó providenciou o armazenamento de cereais em todo o Egito durante os tempos de abundância, garantindo assim que não houvesse fome nos sete anos seguidos de escassez. É bom lembrar que armazenar alimentos preventivamente tornou-se uma atividade comum a todos os povos, desde a pré-história.
Em relação à água, a humanidade aprendeu a armazená-la há muito tempo também. A construção de reservatórios e cisternas para guardar água tornou-se uma atividade ampla e necessária para enfrentar os períodos de estiagens cíclicas. Os seres humanos tornaram-se armazenadores de víveres e de água, há muito tempo, o que ajudou a garantir a sua sobrevivência e a sua expansão por todo o planeta Terra.
Nos tempos de José, a previsão climática cabia aos videntes, pois a ciência do clima, que produz previsibilidade em relação aos fenômenos naturais, surgirá muito depois, muitos séculos à frente. A meteorologia, nos dias de hoje, tem muita informação acumulada e dispõe de avançada tecnologia para garantir informações cada vez mais seguras para a população e para os governantes.
Hoje, 2014 d.C., mais de 3500 anos depois da passagem de José pelo Egito, o Estado de São Paulo, no Brasil, vive uma grande seca. Esta seca não foi prevista por nenhum vidente, que se saiba, mas foi antevista pela ciência, pelos "magos do clima" com seus equipamentos modernos, que observam a Terra do alto, das alturas celestes.
A empresa responsável pelo Sistema Cantareira que abastece tanto a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) como a Região Metropolitana de Campinas (RMC), as duas mais populacionalmente adensadas do Estado de São Paulo, é a SABESP, uma estatal com ações na Bolsa de Valores. Trata-se de uma instituição moderna e preparada tecnicamente para cuidar dos recursos hídricos e do saneamento, não há dúvidas a respeito. É ela a responsável por estocar água no período chuvoso para garantir o abastecimento na estiagem.
As informações estatísticas sobre as precipitações anuais e sobre as vazões dos rios são antigas e constituem uma série histórica adequada para a consulta com objetivo de planejar o abastecimento presente e futuro da população das duas regiões metropolitanas.  As estatísticas sobre o consumo urbano, agrícola e industrial também formam uma série histórica apta à consulta. Em relação ao consumo, particularmente em relação ao uso urbano, observa-se, ano a ano, um aumento contínuo, que guarda relação com a evolução da população. O crescimento demográfico ainda é uma realidade nas duas regiões.
Outras informações são importantes e uma delas muito importante, trata-se da eficiência do sistema, do índice de perdas de água na rede. A rede de água na cidade de São Paulo, por exemplo, é muito antiga e carece de manutenção permanente, incluindo aí a substituição do encanamento danificado. Outra informação importante é o consumo per capita, que diz respeito aos hábitos de uso, que podem ser mais parcimoniosos ou  mais pródigos. Ao setor público cabe o papel de instruir os usuários sobre o consumo de água.
Em 1995, quando defendi a minha dissertação de mestrado no Instituto de Geociências da UNICAMP, constatei que, já naquela época, os cientistas apontavam para um risco de escassez de água e sugeriam que algumas medidas fossem tomadas: redução das perdas nas redes, construção de novos reservatórios, recuperação da vegetação das nascentes, das margens dos rios e dos topos de morros etc. Em 2000, na defesa do meu doutorado, as mesmas preocupações estavam presentes e já se apontava um aumento do risco. Naquela época, nas estiagens, as vazões a jusante do Cantareira, para a RMC, diminuíam e prejudicavam o abastecimento em várias cidades. Contudo, o atendimento da RMSP ficava garantido com a retirada firme de 30 m3 por segundo. O paulistano, ao contrário do piracicabano, do americanense, citando dois exemplos, vivia uma sensação de abundância. Havia a sensação de uma cornucópia jorrando água sem cessar para os municípios da Grande São Paulo.
Passaram-se os anos e os investimentos apontados acima não ocorreram. Então, chegou a grande estiagem. Emergencialmente, pelo menos, dever-se-ia ter organizado alguma forma de racionamento, mas isso também não aconteceu. Ao contrário, o governo estadual propagou a ideia de que não havia risco ao abastecimento. Tal irresponsabilidade, como já é amplamente sabido, deu-se por motivos meramente eleitoreiros, mas não nos aprofundemos nesta questão, apenas registremos a nossa indignação, já basta...
Uma consideração importante deve ser feita: nunca se deve esquecer que a água é um bem público e, portanto, um direito de todos. E, deste modo, a segurança hídrica é uma tarefa que cabe ao setor público, aos governantes. Todavia, os governantes trataram os recursos hídricos como mera mercadoria, um produto comercializável da SABESP. Assim, a SABESP vendeu toda a sua mercadoria e ganhou muito dinheiro, é óbvio, e, por decisão de seu maior acionista, o governo de São Paulo, distribuiu os lucros (dividendos) entre todos os acionistas, deixando de lado os investimentos apontados como necessários há mais de 20 anos. Trata-se de um erro grave contra a segurança hídrica e agora é muito tarde. As obras necessárias demorarão para serem construídas e seus efeitos serão sentidos só bem mais adiante. Parece que o racionamento veio para ficar por um bom tempo, infelizmente.
Sem nenhuma "ciência" e com muito menos tecnologia, mas com grande espírito público, o faraó do antigo Egito, acreditando nas previsões de um adivinho, de um judeu que interpretava sonhos, garantiu a sobrevivência do seu povo durante os sete anos de seca, estocando os alimentos produzidos nos sete anos de abundância. Com muita "ciência" e com muita tecnologia, mas desprovidos de espírito público e de sabedoria, os governantes do Estado de São Paulo não se precaveram enquanto havia abundância de água, não deram ouvidos aos cientistas e as suas previsões certeiras. Será que eles não acreditam na ciência? Será que eles, enquanto "liberais", ligam-se apenas ao curto prazo, aos ganhos imediatos, deixando o longo prazo à "providência divina"? Não acreditam na necessidade do planejamento? O que será?  O que será?


2 comentários:

  1. Viajamos ao futuro e vimos que ja estamos na seca de 7 anos. veja nas revelações que tive. https://www.facebook.com/RevelationTerra

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  2. Viajamos ao futuro e vimos que ja estamos na seca de 7 anos. veja nas revelações que tive. https://www.facebook.com/RevelationTerra

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NOTA DA REDAÇÃO