Grandes mudanças estão ocorrendo no sistema
empresarial e essas mudanças cada vez mais apontam para uma nova modalidade de
organização: a empresa socialmente engajada. A empresa do futuro deverá ser socialmente engajada e o seu objetivo primordial não será a maximização
dos resultados, como indica os cânones neoclássicos. O objetivo principal será
a prestação de um serviço, que pode dar-se pela produção e venda de um bem,
pela exclusiva prestação de um serviço ou pela combinação de ambos. E o lucro,
desaparecerá? De modo algum, o lucro deverá ser a consequência da boa prestação
de serviço. Trata-se de inverter a relação que, aos poucos, se estabeleceu a
partir da Revolução Industrial, e que expressa num modelo de empresa que pode
ser denominado neoclássico (ver quadro 1). Dever-se-á buscar, sim, a produção
de bens e serviços baratos, acessíveis a todos, mas ela não poderá acontecer a
partir da piora da qualidade e com geração de efeitos socioambientais
negativos. O desafio criativo será realizar o melhor com o menor custo
possível.
A metodologia da empresa socialmente engajada (ver
quadro 2) deverá contemplar a preservação da natureza e, quando não for
possível preservá-la adequadamente, ela deverá lançar mão de mecanismos
compensatórios ambientalmente eficientes e socialmente aceitos. A empresa do
futuro sabe que habita a natureza e que é ela que garante a sua existência. Ela
também deverá mudar a relação com os trabalhadores, buscando a “justa
remuneração”, preservando a sua saúde, estimulando a sua criatividade e garantindo
o seu bem-estar. A comunidade interna satisfeita é mais colaborativa e mais
criativa. Também deverá tornar-se transparente em relação à comunidade do seu
entorno e em relação aos clientes; ela estabelecerá, com isso, uma relação de
confiança que criará uma cumplicidade permanente. Por último, deverá ter uma
preocupação central com a qualidade, evitando a destruição precoce (obsolescência
programada) do seu produto e atendendo prontamente os seus clientes; com isso,
além de preservar os recursos naturais, ela terá os seus clientes como aliados.
Quadro 1. A velha empresa
(empresa neoclássica)
Objetivos
da empresa neoclássica:
§ Maximização
dos resultados (lucro)
§ Minimização
dos custos
Metodologia
da empresa neoclássica:
1)
Exploração da natureza, evitando ao máximo as
compensações;
2) Exploração
da mão de obra através de baixos salários, jornadas de trabalho extensas,
atividades extenuantes e repetitivas e benefícios sociais escassos;
3)
Não transparência e pouco relacionamento com o seu
entorno e com os seus clientes;
4)
Piora da qualidade para diminuir custos.
Resultados
(externalidades) da empresa neoclássica:
1)
Poluição e esgotamento dos recursos naturais;
2)
Insatisfação dos trabalhadores, condições precárias
de subsistência, concentração de renda, mercado interno pequeno, doenças
laborais, acidentes de trabalho, aposentadoria precoce e insegurança em relação
ao futuro;
3)
Ao não se relacionar com a comunidade, a empresa pode
tornar-se um corpo estranho à localidade e, até mesmo, aos seus clientes; com
isso, ela pode amealhar desconfianças e hostilidades e, ao ver-se com
problemas, não encontrará defensores;
4)
Insatisfação do consumidor e produção excessiva de
lixo (poluição) por conta do descarte precoce dos produtos.
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Fonte: organizado pelo autor
Para que uma organização possa migrar da sua condição
de empresa neoclássica para uma condição de empresa do futuro, transformando-se
numa instituição com forte conteúdo social, ela precisa, junto com outras
instituições e com toda a sociedade, participar da re-significação das palavras
competição e concorrência.
A palavra competição, que significa rivalizar com
outrem na mesma pretensão, vem da palavra latina competere que, por sua vez forma-se pela junção de cum, partícula que estabelece uma
relação de dependência, com a palavra petere,
que pode significar procurar, atacar, avançar, pretender etc. Então, a mistura
das duas expressões pode significar procurar juntos, atacar juntos, pretender
juntos, avançar juntos etc. Existe aí uma dubiedade: a palavra competição
poderia significar tanto uma ação conjunta para se atingir um objetivo como uma
ação entre rivais para se conseguir a mesma coisa. De qualquer forma,
levando-se em consideração tal dubiedade, o termo competição parece pressupor
um jogo às claras, desprovido de trapaças, o que garantiria uma concorrência em
condições de igualdade no seu ponto de partida.
Quadro 2. A empresa do futuro
(socialmente engajada)
Objetivos da empresa socialmente
engajada:
§ Prestação
de serviços, servir com qualidade
§ Geração de
bem-estar social
Metodologia da empresa socialmente
engajada:
1) Preservação
da natureza, estabelecendo o máximo de compensações;
2) Incentivo à
mão de obra através de salários dignos, jornadas de trabalho adequadas,
trabalho criativo, participação nas decisões e benefícios sociais;
3) Transparência
e bom relacionamento com o seu entorno e com os seus clientes;
4) Busca a
realização da qualidade com os menores custos possíveis.
Resultados (externalidades positivas)
da empresa do futuro:
1) Ambiente
saudável e preservação dos recursos naturais;
2)
Satisfação dos trabalhadores, condições dignas de
subsistência, repartição de renda, mercado interno grande, trabalhadores
saudáveis, diminuição de acidentes de trabalho, trabalho criativo e
participativo e segurança em relação ao futuro;
3) Ao se
relacionar positivamente com a comunidade, a empresa torna-se um membro vivo
da localidade. Ao se relacionar de forma transparente com os seus clientes,
ela amealha confiança e cumplicidade. A nova empresa sempre terá defensores;
4) Satisfação
do consumidor e produção pequena de lixo (poluição) por conta da duração
maior dos produtos.
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Fonte: organizado pelo autor
A palavra concorrência, por sua vez, pode significar
pretensão de mais de uma pessoa à mesma coisa, competição, rivalizar com outrem
na oferta de produtos, juntar-se com alguém para uma ação ou fim comum,
contribuir, cooperar etc. Nota-se, assim, que o termo concorrência também é
dúbio, podendo significar tanto ações cooperativas como ações conflituosas. A
palavra concorrência vem do latim concurrere,
que é a junção da partícula cum com a
palavra currere, que significa
correr, andar com velocidade. Então, de forma bastante simplificada, grosso
modo, concorrer significaria correr junto ou competir correndo lado a lado. No
dia-a-dia o termo concorrência pode ser usado tanto com um significado
interativo como opositivo. Destarte, considerando-se esta dubiedade inata, a
concorrência também faz pressupor um jogo limpo, garantindo condições de
igualdade no seu ponto de partida, a chamada igualdade de oportunidades.
A palavra competição desgastou-se com o passar do
tempo e acabou significando a guerra de todos contra todos, visto que ela se
nutriu do pensamento dos economistas liberais dos séculos XVIII e XIX, que
enxergavam o homem como um animal essencialmente egoísta, que buscava
exclusivamente o seu bem-estar, ou que buscava no máximo o bem-estar dos familiares
mais próximos. A economia de mercado, a partir daqueles tempos, desconsiderou a
dimensão altruísta do ser humano. Então, a solidariedade foi banida do mercado
e a competição tornou-se, em larga escala, predatória, tornou-se uma espécie
vale tudo. A história do capitalismo confirmou e continua confirmando o dito
acima. Não são necessárias maiores explicações, basta acompanhar o noticiário
econômico.
Do exposto acima se pode inferir que a empresa também
precisa, enquanto instituição humana, contribuir para introduzir a dimensão
solidária nas relações mercantis, a dimensão que está cristalinamente presente
no conceito de desenvolvimento sustentável, quando ele fala da solidariedade
das gerações presentes para com as gerações futuras. Agir solidariamente é não
esgotar e destruir os recursos naturais, é não sobre-explorar o trabalho, é
estimular o trabalho criativo, buscando diminuir as tarefas repetitivas e
estressantes, é ter uma participação pró-ativa em relação à comunidade, é
respeitar a sua clientela, agindo com presteza e transparência, é buscar
produzir a melhor mercadoria e/ou serviço etc.
Dado o desgaste da palavra competição, que se
entranhou na vida, no cotidiano dos seres humanos, seria conveniente
substituí-la pela palavra concorrência, que também sofreu os mesmos desgastes,
mas que se preservou em alguns aspectos. O ser humano é estimulado, na verdade
instado, a competir desde pequeno, começando pelo ambiente escolar, que deve prepará-lo
para a competição futura, o grande campeonato de vencedores e perdedores. Mais
adiante, ao ingressar no mercado de trabalho, ele precisa tornar-se ainda mais
competitivo. As empresas, em particular as grandes empresas, as corporações,
são arenas onde são travadas lutas diárias entre todo o seu corpo funcional. O
espaço para a solidariedade e a confraternização nessas instituições é bastante
reduzido. Resume-se, às vezes, a alguns eventos, como as festas de fim de ano,
por exemplo.
A palavra concorrência, por sua vez, poderia ter se desgastado
menos em função de também estar associada à economia do setor público. Ela está
muito associada à questão da concorrência pública, onde empresas e organizações
oferecem serviços e produtos ao setor público (União, estados e municípios).
Geralmente, as condições estabelecidas para concorrer, excetuando os inúmeros casos
criminosos (fraudes, superfaturamentos etc.), dizem respeito ao melhor produto
ou serviço (qualidade), ao melhor preço (vantagens financeiras), ou à
combinação dos dois e as regras do jogo têm que ser muito claras. Hoje em dia,
cada vez mais, questões ambientais e sociais estão sendo levadas em
consideração nas concorrências públicas. Também hoje, de certa forma, como
resultado do avanço da democracia, que possibilita uma vigilância permanente do
cidadão, o Estado tem sido forçado a se tornar cada vez mais transparente, pelo
menos mais transparente que as empresas, que ainda não são vigiadas na mesma
proporção, e a sua transparência, caso seja tangível, também pode contaminar
positivamente as empresas que se relacionam diretamente com ele.
Em face do exposto, parece que a palavra concorrência
ressignificada parece aplicar-se melhor à empresa do futuro, à empresa
socialmente engajada. Ela traz a ideia de uma “competição saudável”, que
resulta em produtos e serviços melhores, diminuindo e, até mesmo, eliminando
aquilo que muitos economistas chamam de “externalidade”, que é tudo aquilo de
ruim que ela lança para fora, para o ambiente externo, para a sociedade, quando
ela transforma a natureza para produzir mercadorias e/ou serviços. Nessa nova
modalidade de empresa, os lucros resultarão do servir com qualidade. Trata-se de uma mudança de paradigma,
efetivamente.
Existe empresa socialmente engajada??????
ResponderExcluirAí está uma boa discussão. No mundo corporativo esta questão é nova. Muitas empresas tem uma ou outra atuação social. Isto implica num efetivo engajamento? Trata-se de um bom tema para pesquisa. Contudo, acredito que a empresa precisa mudar o seu perfil, se ela quiser contribuir positivamente com a humanidade, indo além da produção de mercadorias.
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