Zildo Gallo
Passadas as comemorações da passagem de ano, regadas em larguíssima escala
com bebidas alcoólicas e, em alguns casos, com drogas dos mais variados tipos,
não esquecendo também da memorável e nababesca orgia gastronômica, iniciamos o
ano de 2016 DC. Como todo fim de ano, como já tem sido há muito tempo, muito
tempo mesmo, tratou-se de um ritual de passagem marcado pelos prazeres mais imediatos
dos nossos sentidos. Tudo bem, já passou... Não sejamos falsos moralistas, mas
o restante do ano não precisa ser assim. Alguma concordância?
Para o bem do planeta Terra e de toda a humanidade, faz-se mais que
necessária alguma moderação ou, melhor, muita moderação. Trata-se de uma
austeridade inteligente, já que o mundo ao nosso redor nos chama o tempo todo
para que nos entreguemos ao "império dos sentidos". A indústria da
propaganda insta-nos a que consumamos e ela aponta a forma e a intensidade do consumir.
Os chamamentos são muito tentadores, quase irresistíveis. É preciso
perseverança.
Isto posto, é preciso muita atenção, pois o chamado do imediatismo
prazeroso é muito forte e movimenta volumes estratosféricos de recursos
econômicos e naturais do nosso planeta. Além disso, mergulhar no mundo do
consumo exagerado, supérfluo e ostentatório apenas serve para nos manter na
superfície, impedindo que ganhemos profundidade, que enxerguemos além do mundo
material/sensorial que nos rodeia. Trata-se de uma prisão sem grades, onde
vivenciamos uma sensação de liberdade, mas onde, de fato, não somos
verdadeiramente livres.
Quanto mais temos condições econômicas para consumir, mais nos sentimos "livres",
pois passamos, a partir da consolidação da moderna "sociedade de
consumo", a enxergar a liberdade, esse bem imaterial necessário à evolução
do espírito, como mera capacidade de consumir. Trata-se de uma grosseira redução,
um apequenamento da condição humana, da condição para que nos tornemos
verdadeiramente humanos.
A orgia consumista continuará a fazer os seus estragos ambientais,
sociais e espirituais enquanto não percebermos o quanto estamos perdidos neste
labirinto hedonista, onde o que conta é o prazer imediato de cada dia. A saída
do labirinto começa pela tomada de consciência do engano vivido e, a partir
daí, pela prática da austeridade inteligente. Consumir o necessário, o que é saudável,
o que não prejudica a natureza, não desperdiçar e, principalmente, não se
deixar enganar pela gigantesca máquina da propaganda a serviço do capital
predatório, este é o caminho da austeridade.
Pode parecer moralismo, mas não é. A mãe Terra já está sentindo as dores
do nosso desregramento e ela já está reagindo. O nosso planeta é um sistema
vivo, trata-se de uma imensa rede de relações e precisamos enxergar o nosso
papel dentro desta rede, desta imensa "teia da vida". Enquanto seres
humanos, do ponto de vista biológico, estamos no topo da cadeia alimentar e,
por enquanto, agimos como predadores. Precisamos dar um salto qualitativo
(trata-se de um salto de caráter marcadamente espiritual), migrando da condição
de bárbaros predadores para a condição de conscientes cuidadores.
Podemos começar com fazeres aparentemente bem simples: preparar o
próprio alimento, diminuindo o consumo de alimentos muito processados; adquirir produtos da agricultura orgânica, criando uma demanda firme para
sustentar a pequena agricultura; usar os recursos hídricos com parcimônia; quando comer fora, procurar restaurantes que trabalhem com alimentos
saudáveis, principalmente os que utilizam produtos da agroecologia etc.
Em 21 de setembro de 2016 eu postei neste blog o artigo "Mandamentos para o cidadão
politicamente correto no século XXI" onde elenquei 37 sugestões aleatórias no sentido de que possamos produzir um
mundo melhor para as gerações futuras. Adiantando: não são nada fáceis e
algumas implicam em grandes mudanças pessoais e coletivas. Sobre algumas eu
acho que pode não haver consenso, mas, no meu ponto de vista, muitas delas são
extremamente necessárias neste momento de crise planetária. A crise é geral:
econômica, social, ambiental e de valores. Sugiro estes "mandamentos"
(outros podem ser incluídos, à vontade de cada um) no sentido de que possamos
pensar, a partir de cada um deles, sobre o que estamos fazendo ou não fazendo
para melhorar as condições de vida da humanidade e de todos os demais seres que
vivem no colo de Gaia, da nossa mãe Terra, que, neste momento, chora e reage às
dores ante tanto sofrimento produzido por seu filho mais rebelde, o homem.
Reproduzo aqui as sugestões do artigo como indicações de possíveis austeridades
inteligentes para o ano que se inicia:
1) Consumir preferencialmente produtos
orgânicos, pois eles são amigáveis ao meio ambiente e à saúde;
2) Não consumir e não estimular o consumo de
alimentos transgênicos, pois eles fazem mal à saúde e ao meio ambiente;
3) Não
consumir madeira não certificada, pois ela pode provir de desmatamentos
ilegais, como aqueles que acontecem na Amazônia;
4) Não
comprar roupas, calçados e outros produtos de empresas que utilizam mão de obra
similar à escrava;
5) Não
consumir desnecessariamente e não estimular o consumismo na sua família;
6) Ajudar
na coleta seletiva de resíduos, separando os recicláveis dos orgânicos e
destinando-os corretamente;
7) Não
desperdiçar e não poluir a água no seu dia-a-dia;
8) Não
fumar e não estimular o consumo de tabaco;
9) Beber
com moderação, muita moderação, e não estimular o consumo de bebidas
alcoólicas;
10) Não
usar drogas ilícitas e desestimular o seu consumo;
11) Não ver
e não ouvir, nas TVs e nas rádios, programas que estimulem violência,
pessimismo, preconceitos raciais, culturais, de gênero etc.;
12) Não
estimular o pessimismo, repassando sem pensar, sem questionar, ideias
pessimistas veiculadas pela maioria dos meios de comunicação do mundo, pois a
imprensa ainda acredita que o que vende jornais é a desgraça;
13) Contribuir
para a inclusão social, estimulando ONGs e governos (federal, estadual e
municipal) que trabalham neste sentido;
14) Diminuir
o consumo de fast foods e desestimular o consumo na sua
família, com o objetivo de melhorar a saúde das pessoas;
15) Frequentar
restaurantes e lanchonetes que privilegiam produtos naturais (pouco processados
pela indústria) e orgânicos, preferencialmente;
16) Consumir
açúcar moderadamente e buscar a moderação do consumo familiar;
17) Consumir
menos carne, muito menos, em particular a bovina, que exerce pressão sobre as
florestas, estimulando o desmatamento e expandindo a fronteira agrícola, como
acontece hoje na Amazônia;
18) Andar
menos de veículos automotores particulares, dando preferência ao transporte
coletivo e às bicicletas, diminuindo o congestionamento e a poluição do ar;
19) Na
limpeza doméstica, procurar produtos biodegradáveis, que não poluem os corpos
d'água;
20) Buscar
uma espiritualidade desinteressada e desprovida de quaisquer preconceitos, em particular
em relação às diferentes religiões;
21) Respeitar
os que pensam diferente, mantendo um debate de alto nível e construtivo, não
buscando desqualificar ou destruir os seus oponentes, como acontece hoje nas
redes sociais;
22) Respeitar
as crianças e os adolescentes, que precisam ser conduzidos por uma educação que
estimule a criatividade e a liberdade e não por uma educação repressora do tipo
"militar";
23) Defender
o direito a todos à educação e à saúde e estimular instituições e governos que
trabalhem neste sentido (educação e saúde são muito mais direitos que
negócios);
24) Rejeitar
toda forma de violência, desde a doméstica, passando pela policial, até a
guerra, estimulando os movimentos pacifistas e os governos que atuam neste
sentido;
25) Estimular
e/ou praticar a boa arte, aquela que introduz valores (paz, beleza, igualdade,
liberdade, fraternidade etc.) humanos e aquelas que denunciam as desumanidades;
26) Buscar
o contato com a natureza e a prática de esportes saudáveis sempre e estimular
isto na sua família;
27) Combater
a violência em relação aos animais, como touradas, rodeios, brigas de galo
etc.;
28) Festejar
e celebrar mais e reunir mais os amigos;
29) Cultivar
jardins e hortas nas suas residências, até em apartamentos (é possível), como
exercício de contato com a natureza para os que moram nas cidades,
principalmente;
30) Buscar
fazer a sua própria comida, sempre que possível, evitando industrializados
excessivamente processados, dando preferência aos produtos orgânicos;
31) Participar
da vida comunitária para contribuir com a solução das questões coletivas, como
educação, saúde, lazer, segurança etc.;
32) Preocupar-se
com os seres humanos que moram de formas inadequadas (favelas, cortiços, na rua
etc.) e apoiar instituições e governos que buscam soluções para esse problema
(morar dignamente é um direito e não um privilégio);
33) Preocupar-se
com as crianças e os idosos desamparados e apoiar instituições e governos que
buscam ampará-los;
34) Compreender
que as drogas são uma questão de saúde pública e não de polícia e apoiar
instituições e governos que buscam enfrentar esse problema;
35) Defender
o reflorestamento amplo do planeta, inclusive plantando árvores, pois ele
abrandará a crise hídrica, ajudará a diminuir os efeitos do aquecimento global
e possibilitará a sobrevivência das outras espécies animais que conosco dividem
o planeta Terra (Plante árvores!);
36) Viajar
mais para conhecer pessoas e povos diferentes, de diferentes culturas, para
alargar seus horizontes pessoais e culturais (viajar não deve ser um
privilégio);
37) Não ser
preconceituoso e aceitar que a humanidade é multicultural e multirracial e que
a beleza é caleidoscópica no seu sentido mais amplo.
Tentando finalizar: definitivamente, a beleza é
caleidoscópica, pois ela se encontra em permanente movimento, em permanente
transformação, como as pedrinhas brilhantes dentro de um caleidoscópio (nele as
possibilidades são infinitas) que formam, a cada movimento, imagens novas, que
nunca se repetem e que não podem ser previamente pensadas; não há como bater-se
contra isso, como desejam os conservadores, não há como barrar o movimento do
universo; refinando: o ser humano é caleidoscópico, pois se encontra em constante
mutação e as suas possibilidades são infinitas, como as das pedrinhas coloridas
no caleidoscópio.
A IDEIA É A SEGUINTE: AS MUDANÇAS SÃO NECESSÁRIAS; HÁ QUE SE COMEÇAR DE
ALGUM LUGAR; INICIAR UMA RECONEXÃO COM A NATUREZA ATRAVÉS DE UMA HORTA
DOMÉSTICA OU DE EXERCÍCIOS AO AR LIVRE, COMO ANDAR DE BICICLETA, SÃO BONS COMEÇOS. É SÓ COMEÇAR... QUE TAL EM
2016?
FELIZ ANO
NOVO!!!!!!!!!
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