segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Abaixo os transgênicos e viva o Reino do Butão!

Zildo Gallo
Transgênicos são produtos criados pela engenharia genética com a introdução de genes de organismos (animais ou vegetais) em outros seres vivos que nunca se cruzariam naturalmente. Essa nova tecnologia permite introduzir um gene de bactéria ou de vírus em espécies de arroz, soja, milho, tomate, batata ou qualquer outro tipo de vegetal. Neste sentido, as variações possíveis são muitíssimas.
O argumento mais forte dos ambientalistas, dos pequenos agricultores, consumidores e de parte da comunidade científica contra a comercialização imediata dos organismos geneticamente modificados (OGMs) é o de que eles podem trazer riscos ainda desconhecidos para a saúde e para o meio ambiente. Não existe consenso no meio científico sobre a segurança dos OGMs. Uns defendem os benefícios dessa tecnologia e sua aplicação imediata e outros afirmam que são necessários estudos independentes de longo prazo observar as consequências de sua introdução na natureza e na alimentação humana e dos animais.
Os motivos às resistências aos OGMs variam conforme os grupos sociais: 1) pequenos agricultores temem ficar dependentes das empresas que produzem sementes e agrotóxicos; 2) entidades de defesa do consumidor querem alimentos sadios e exigem o direito de se saber quais produtos são elaborados com OGMs e; 3) ambientalistas temem o efeito que eles podem ter sobre os ecossistemas.
Antes de se permitir a comercialização dos transgênicos, vários cuidados deveriam ser tomados para garantir a segurança de que nenhuma dos problemas levantados pelos seus opositores aconteçam, tais como:
1) Aumento das alergias. Quando se introduz um gene de um organismo em outro, novos compostos podem ser formados, alterando proteínas e aminoácidos do organismo que recebeu o gene. Explicando: o gene de uma espécie que causa alergia em uma pessoa, ao ser transportado para uma outra espécie, pode levar à transferência desta característica alergênica;
2) Aumento da resistência antibiótica. Alimentos transgênicos contendo genes que criam resistência a antibióticos provocariam a transferência desta característica para bactérias existentes no organismo humano. O DNA transgênico ingerido em alimentos poderia recombinar-se no estômago e no intestino, transferindo às bactérias da flora intestinal a resistência a antibióticos, ou seja, em caso da necessidade do uso de antibióticos, pode ocorrer a diminuição da eficácia desses remédios, o que é um risco para a saúde pública;
3) Riscos Ambientais. A perda de biodiversidade, o crescimento de ervas daninhas resistentes a herbicidas, o aumento do uso de agrotóxicos e a perda da fertilidade natural do solo seriam os principais riscos ambientais. Os perigos que os transgênicos podem oferecer ao meio ambiente são muitos e ainda não foram bem avaliados.Por exemplo, com a inserção de genes resistentes aos agrotóxicos, as pragas e plantas invasoras poderão adquirir a mesma resistência, o que pode exigir o uso de quantidades cada vez maiores de agrotóxicos nas plantações, contaminando os alimentos, a água e o solo;
4) Poluição genética. Através da polinização, genes introduzidos nas plantas podem ser passados para plantas nativas ou outras plantas cultivadas não transgênicas, havendo o risco de causar a extinção de espécies e modificações nos ecossistemas. Isso está acontecendo com o milho em vários países, pois o pólen de milho transgênico tem fertilizado milhos nativos, modificando-os;
5) Surgimento de superpragas. É possível o surgimento de superpragas e matos resistentes a herbicidas. Com o tempo, "naturalmente", as pragas e ervas daninhas das lavouras transgênicas poderiam adquirir resistência a herbicidas, exigindo maior uso de agrotóxicos pelos agricultores, aumentando a poluição da água e do solo e a quantidade de substâncias tóxicas nos alimentos;
6) Aumento das substâncias tóxicas nos alimentos. Existem plantas e micro-organismos que produzem toxinas para se defenderem dos inimigos naturais, como os insetos, por exemplo. Caso genes desses organismos sejam introduzidos em alimentos transgênicos, o nível dessas toxinas aumentará, o que irá causar danos à saúde dos consumidores desses produtos. Ainda são poucos os estudos sobre a toxicidade dessas substâncias introduzidas nas plantas. Elas estão entrando na composição dos nossos alimentos sem estudos prévios que garantam segurança, como é obrigatório para outros aditivos, como corantes, acidulantes, aromatizantes etc.;
7) Eliminação de insetos benéficos. Os transgênicos podem matar os insetos benéficos para a agricultura e afetar a vida microbiana do solo, impactando a natureza. O uso pesado de herbicidas nos cultivos com variedades em que se introduziu resistência a agrotóxicos, como é o caso da soja Roundup Ready, por exemplo, pode afetar a capacidade de multiplicação das bactérias que retiram o nitrogênio do ar e o fixam no solo, deixando de acontecer a fertilização natural que esta leguminosa propicia;
8) Dependência tecnológica. Existe o temor da criação de dependência por parte dos agricultores em relação aos fornecedores de sementes. A técnica de fabricação dos transgênicos é cara e as pequenas empresas de sementes poderiam ser excluídas do mercado e os grandes grupos passariam a dominá-lo com as suas patentes, ditando os preços e as regras. A monopolização das sementes por grandes empresas assusta os pequenos agricultores. Com os transgênicos, o agricultor pode perder o controle sobre seu principal insumo, a semente, ficando nas mão das empresas de biotecnologia. As sementes devem ser tratadas com patrimônios da humanidade.

No Brasil, para dar segurança ao consumidor de que ele pode escolher não consumir transgênicos, ainda existe a obrigatoriedade do uso do selo indicativo da presença de OGMs nas embalagens dos produtos colocados à venda. O selo é representado pela letra T maiúsculo dentro de um triângulo amarelo (ver figura abaixo).

Tal proteção está prestes a desaparecer. A Câmara dos Deputados aprovou em 28 de abril de 2015 o Projeto de Lei 4.148/08  do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), que acaba com a obrigatoriedade de se estampar o símbolo de transgenia nos rótulos de produtos que contém organismos geneticamente modificados (OGM) destinados ao consumo humano. O texto modificou a Lei 11.105/2005 que determinava a obrigação de exibir o selo.
O fim da exigência do selo colocou em oposição deputados da bancada ruralista e defensores do meio ambiente. Estes últimos argumentaram que o projeto retira o direito de o consumidor saber o que está comprando. O selo torna visível o produto transgênico e facilita a escolha do consumidor. Informações com letras minúsculas e muito técnicas nas embalagens estão muito longe de ter o mesmo alcance.

As informações aos consumidores têm que ser as mais fáceis e visíveis possíveis, pois a sua autonomia no processo de escolha deve ser preservada o tempo todo. Por que os representantes do agronegócio se arvoram no direito de dificultar as informações aos consumidores? Do que eles têm medo? Não confiam na qualidade dos OGMs? Ao contrário deles, os defensores dos produtos orgânicos fazem questão de estampar o selo Produto Orgânico Brasil, por que será? (veja a figura abaixo)

Como defensor da agroecologia e como consumidor de produtos desprovidos de agrotóxicos e que não agridem a natureza, sinto-me agredido pela aprovação do Projeto de Lei e acredito que os meus companheiros defensores da natureza também sentiram o mesmo. Além disso, o direito a informação rápida e fácil deve ser uma das condições sine qua non da democracia que se pretende democracia. Trata-se de um projeto de caráter antidemocrático, sem dúvida alguma, aprovado por uma maioria de deputados conservadores que se formou a partir da última eleição, infelizmente. Numa democracia o pensamento conservador tem o seu espaço, seu direito de existir e de se expressar, mas ele não tem o direito de obstruir a democracia, que é o que ele está fazendo quando propõe mecanismos que dificultam as escolhas de cada cidadão. A informação acessível é essencial para a prática democrática.
Após a aprovação pela Câmara dos Deputados a matéria foi para o Senado. O IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor está em campanha para influenciar os senadores para  que eles revertam a decisão dos deputados. Você que agora está lendo este texto pode participar desse movimento acessando o link do IDEC. Transcrevo aqui as palavras de alerta do IDEC sobre os riscos que corremos caso o Projeto de Lei 4.148/08 seja definitivamente aprovado:
"Caso o projeto de lei seja aprovado, corremos sério risco de saúde, pois compraremos alimentos como óleos, bolachas, margarinas, enlatados e papinhas de bebê sem saber se são seguros ou não. Atualmente, cerca de 92,4% da soja e 81,4% do milho do País são de origem transgênica. É essa produção crescente e acelerada que leva para a mesa do consumidor um alimento disfarçado ou camuflado que não informa sua real procedência."

Por outro lado, do outro lado do mundo, na Ásia, num pequeno país, encravado entre dois gigantes, a Índia e a China (ver figura abaixo), no Reino do Butão, aconteceu algo de extraordinário para o meio ambiente e para a agroecologia. Este país, com cerca de 700 mil habitantes, cujo governo (trata-se de uma monarquia constitucional, cujo poder encontra-se nas mãos do parlamento) havia surpreendido o mundo há alguns anos com a ideia do índice FIB (Felicidade Interna Bruta), em contraposição ao PIB (Produto Interno Bruto), recentemente, reforçou sua intenção em contribuir para a sustentabilidade ambiental do nosso planeta Terra.



O primeiro-ministro, Jigmi Y. Thinley, anunciou recentemente a instituição da Política Nacional Orgânica, que quer tornar, até 2020, o Butão o primeiro país do mundo com agricultura 100% orgânica. Estamos em 2015, falta pouco tempo. Que beleza! Neste sentido, o governo butanês decidiu eliminar, aos poucos, as importações de agrotóxicos e fertilizantes químicos da Índia. Trata-se de uma decisão corajosa para uma nação de tão pequena diante da China e da Índia (1,3 bilhão e 1,2 bilhão de habitantes, respectivamente), cuja base econômica é agricultura de subsistência, turismo e principalmente a venda de energia hidrelétrica para os indianos. Trata-se de um pequeno Davi cercado por dois gigantescos Golias.

Há que se ressaltar o pioneirismo (de novo!) do pequeno reinado parlamentarista, cuja maioria dos habitantes pratica o budismo como religião. Assim como muitos países têm se inspirado no Butão para adotar o FIB no lugar do PIB (indicador de aspecto meramente quantitativo), eles poderiam muito bem refletir a respeito da conversão de seus cultivos para métodos mais sustentáveis, adotando a agroecologia.

Longa vida ao Reino do Butão! Viva a agroecologia! Abaixo os transgênicos!


Link do IDEC
http://www.idec.org.br/mobilize-se/campanhas/fim-da-rotulagem-dos-alimentos-transgenicos-diga-no#2

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