quarta-feira, 30 de agosto de 2017

LÍRIO DO CAMPO

Zildo Gallo


Olhai o lírio que nasceu no campo,
Singela e delicada flor,
Na sua espontânea e singular beleza.
É único mas não nasceu sozinho,
Veio com outros muitos semelhantes,
Na sua contribuição exclusiva ao todo,
Como dádiva divinal da mãe natureza,
Presenteando os sentidos dos seres viventes
Na mais pura e caridosa gratuidade.
O lírio é apenas um lírio,
Um lírio simplesmente e belamente florido,
E não precisa ser nenhuma outra coisa.
Em sua beleza ele se afirma e se autotranscende,
Sem deixar a sua real condição
De uma flor entre muitas outras flores.


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A PROCURA DO POETA

Zildo Gallo


O poeta olha para a vida que se descortina
Com olhos de quem espera epopeias,
E o que ele vê são histórias bem pequenas,
De meros humanos nas labutas diárias
Das suas singelas histórias de vida.
Não são histórias de semideuses em lutas cósmicas,
São as histórias das pequenas batalhas de sempre.

O poeta sente-se sem enredos valorosos,
Abandonado pelas distantes e divinas musas.
Acredita que elas se recolheram no Olimpo
Ao lado de Zeus, todo poderoso pai,
E que o tempo heroico dos semideuses esfumou-se,
Que as suas memórias estão lacradas em algum baú,
Feito cartas velhas amareladas,
Num baú jogado num sótão mal-assombrado...

Só resta ao poeta a humildade de olhar
Para o mundo que se apresenta bem pequeno
E apequenar-se diante das suas histórias pequenas,
Para delas arrancar enredos simples, mas verdadeiros,
E, quem sabe, descobrir grandezas escondidas
Nos folguedos vivos das crianças
E nas memórias vivas dos velhos,
Os extremos do existir nesta vida...
Quiçá retornem as musas...

Mosaico com mais de 2.200 anos encontrado na antiga cidade grega de Zeugma, representando as Nove Musas da Ciência e das Artes da Mitologia Grega:


quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A LUA E O MAR

Zildo Gallo


A Lua e o Mar dançam um tango
Ininterrupto desde priscas eras.
Seria uma valsa vienense mais comportada?
Ora uma ora outra dança, alguém diria.
E, nessa dança incansável e sem fim,
A vida se fez nas águas imensas
E sempre movediças do Mar sagrado,
Do imenso Mar salgado,
O líquido amniótico abundante
Do grande útero de Gaia,
A nossa Grande Mãe,
A nossa primeira mãe
Desde tempos imemoriais.
A Lua e o Mar continuarão a dançar
Por muitas e muitas eras...
Por muitas e muitas eras...
Até o fim dos tempos
Da longa vida da nossa mãe Gaia.


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

MENINOS E MENINAS: Yang-Yin (poema chinês)

Zildo Gallo


Os meninos choram
As meninas choram também
Chorar é da vida
E rir da vida também é.

As meninas são fortes
Os meninos também são
A vida é a somatória das forças
Dos meninos e das meninas.

Os meninos são frágeis
As meninas também são
A vida tem toda a força
Do mais delicado cristal.

As meninas se apaixonam
Os meninos também
Paixões movem as vidas
E as montanhas.

Meninos e meninas
São iguais e diferentes
Yang e Yin
Sol e Lua
Força e delicadeza
Movimento e calma
Complementos necessários
Que se interpenetram
Almas interpenetradas
Uma dentro da outra
Na dança circular de toda vida.



sábado, 12 de agosto de 2017

BOROCOXÔ MA NON TROPPO

Zildo Gallo

http://www.imperioretro.com/2016/04/o-traje-do-vaqueiro-nordestino.html

Arrastando sem pressa ma non troppo
As cansadas e velhas pernas
No velho chão bem conhecido e poeirento
Respirando devagar o ar seco e sem brisa
Assim vai o velho sertanejo borocoxô
Borocoxô ma non troppo
Cabeça baixa e olhos firmes no chão pisado
Carregando nos ombros já arcados
Arcados ma non troppo
A longa história de toda vida
Uma epopeia desconhecida
Sua sina até seria obra de arte grande
Como tantas outras grandes narrativas
Se não estivesse ele bem no meio
Do imenso vazio do agreste
Vazio ma non troppo
Vendo e vivendo agruras sertanejas
Esperando as chuvas sempre esperadas
Esperando o brotar das sementes
Esperanças sempre plantadas
Rezando a São José e a São João
Em roda das fogueiras que lançam faíscas
Debaixo do céu das muitas estrelas que brilham
Muito mais que na cidade grande
Com sua infinidade mensurável de luzes postiças
A embaçar o infinito céu estrelado
Essa  imensidão diamantina do céu estrelado
Das noites sertanejas apenas testemunha
A sabedoria das palavras euclidianas:

O sertanejo é, antes de tudo, um forte.




quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Haicais de 4 (quatro) - ditos revisitados

Zildo Gallo


      1

Os cães ladram
As ratazanas passam
Lixos sobrantes.

      2

Chovem as chuvas
Chovendo no molhado
Lá vêm enchentes.

      3

O tempo cura
O que se pode dourar
Com as pílulas.

      4   

Todas as noites
Os gatos só são pardos
Nas ruas sem luz.

Cartaz do final dos anos 70 do século XX


LIBERDADE AINDA QUE TARDIA

Zildo Gallo


A liberdade é consumir
Aquilo que nos mandam comprar
A preços módicos
Em suaves prestações
Na sociedade parcelada
Pela divisão internacional
Do trabalho parcelado
Que escraviza o nosso tempo
Enquanto acreditamos alegres
Que dele desfrutamos
Nos corredores do Shopping Center.


A QUE VIM