quinta-feira, 15 de setembro de 2016

UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA E UMA NOVA ÉTICA PARA O NOSSO PLANETA


Zildo Gallo




A partir da década de 1970, muitos alertas foram dados sobre a situação de risco que paira sobre o planeta Terra. Uma catástrofe de grande porte está se aproximando e, como a sua causa não vem do espaço ou dos subterrâneos do planeta, talvez haja tempo ainda para evitá-la ou, melhor, minimizá-la, melhor ainda, diminuir a sua dimensão. Trata-se de um risco construído pela humanidade na sua trajetória, aos poucos, mais precisamente há cerca de dois séculos. Caso olhemos para o tempo geológico, que é contado em milhões de anos, observamos o seu processo curtíssimo de formação. Os humanos e, indiretamente, todos os demais seres – os inocentes pagam pelos culpados – começam a colher as consequências de um modelo de economia que começou na Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e com o uso intenso do carvão mineral.
Estamos falando de algo que está na pauta dos mais variados jornais e das revistas, das escolas, dos congressos científicos, dos governos, etc.: o aquecimento global (efeito estufa). Este fenômeno tem muitas causas: o desflorestamento, a emissão de metano nos lixões, a emissão de metano pela bovinocultura, mas a principal delas é o uso do combustível fóssil (carvão e petróleo), com suas emissões de gás carbônico na atmosfera. No rol de emissores de gás carbônico destacam-se a indústria e o transporte individual (automóveis). O fenômeno é bem simples: os gases do efeito estufa retém o calor na atmosfera, não permitindo que ele se dissipe rumo ao espaço.
A partir da Primeira Revolução Industrial, a economia entrou num ritmo de crescimento nunca visto até então. Os séculos XIX e XX presenciaram outra revolução econômica, essa de maior monta, a Segunda Revolução Industrial. Mais particularmente, todo o século XX presenciou a expansão do uso de uma nova fonte de energia, o Petróleo, principal agente do aquecimento global, mas as coisas não pararam por aí. A expansão da produção de mercadorias e o consequente crescimento econômico, que as revoluções industriais propiciaram, tornaram-se necessidades e objetivos de todas as nações, que os assimilaram como a tradução do que viria a ser o desenvolvimento econômico. Então, país não industrializado passou a significar país subdesenvolvido, trata-se de uma simplificação.
O desenvolvimento tecnológico que tem acompanhado as revoluções industriais possibilitou a produção de uma infinidade nunca antes imaginada de produtos, daquilo que os economistas chamam de bens de consumo. Então, nasceu o que hoje chamamos de sociedade de consumo e, com ela, o seu principal ator social, o consumidor com poder de compra, o cidadão consumidor; chegamos ao ponto de pensarmos o simples acesso ao consumo como se fosse o acesso definitivo à cidadania, o que se trata de um reducionismo imbecilizante, no mínimo. Por muito tempo pensamos que o sonho do consumo crescente, ilimitado, uma cornucópia sem limites vomitando produtos, seria possível e acessível a todos no planeta. Bastava apenas que cada país cumprisse o seu papel e entrasse no caminho da ordem e do progresso, da ordem capitalista e do progresso material.
Hoje, na primeira metade do século XXI, fica cada vez mais claro que esse sonho é de difícil concretização. Usando a linguagem dos ecologistas: a Terra, com a sua capacidade de suporte, seus limites, não sustenta um crescimento econômico infinito, pois ela é finita e funciona através de ciclos – estações do ano, ciclo hidrológico, nascimento-morte-nascimento etc. – e não, apenas, através de acúmulos, acúmulos e mais acúmulos. As consequências do modelo adotado já estão visíveis: grande acumulação e concentração de riquezas e desacumulação do meio ambiente.
Como desacumulação ambiental podemos observar: a água doce disponível para consumo humano e dos demais seres vivos está cada vez mais contaminada; a temperatura do planeta está aumentando e as suas consequências já se fazem sentir no derretimento das geleiras, nas secas e nas inundações, por exemplo; as terras agrícolas sofrem processos erosivos de grande monta e estão contaminadas por defensivos agrícolas; a biodiversidade da Terra está diminuindo dia-a-dia e, talvez, até desapareçam espécies animais e vegetais sem que a humanidade jamais as tenha conhecido; etc.
Além de todas as mazelas rapidamente expostas acima, há uma questão moral, porque não dizer ética: a quem serviu todo esse progresso? Serviu a toda a humanidade? Caso observemos bem de perto, nem precisa de tanta proximidade, percebemos que todo esse avanço da produção de bens materiais beneficiou uma parte menor da humanidade, deixando a África, muitos países asiáticos e a maioria dos países da América Latina de fora. Os países ricos “beneficiam-se” com o consumo desenfreado enquanto os países pobres veem o esgotamento dos seus recursos naturais e recebem, por tabela, os efeitos do aquecimento global, resultante da queima excessiva de combustíveis fósseis nos primeiros, em grande parte extraídos nos segundos.
Explicando o beneficiam-se entre aspas do parágrafo acima: nem sempre consumir muito significa bem-estar, isto depende em larga medida do que e do quanto se consome; consumir alimentos com excesso de defensivos agrícolas, excessivamente processados (industrializados), com gorduras trans, muito açúcar e muito sal, por exemplo, muitas vezes ingeridos nos fast foods espalhados pelos mais diversos centros urbanos do planeta, não é a melhor forma de se alimentar, com certeza. Os casos crescentes de obesidade mórbida em muitos países estão aí para confirmar esta assertiva. Os gastos absurdamente altos que os municípios precisam destinar ao tratamento dos resíduos sólidos (lixo) também estão entre as muitas contrapartidas negativas do consumo exagerado.
Esta breve explanação não tem maiores pretensões do que a de lançar sementes de preocupação nos corações e mentes dos leitores, apenas isto. Nunca na história da humanidade foi tão oportuno e necessário debruçar-se atentamente sobre o destino dos homens e de todos os seres do planeta como agora. É uma oportunidade ímpar, onde somos chamados a nos revermos e a revisitarmos as nossas relações com os nossos iguais e com todos os seres a nossa volta. É o ponto de partida para podermos modificar os nossos comportamentos econômicos, sociais e ecológicos à luz de uma nova ética, que deverá alicerçar-se no cuidado, no cuidado conosco, com nossos semelhantes, com a natureza, enfim, com toda a Terra, que é, ao mesmo tempo, nossa mãe e nossa morada.
Todo o exposto acima alerta-nos para a necessidade de se construir uma nova ética para balizar o comportamento de todos os seres humanos do planeta. É necessária a elaboração de um conjunto de regras mínimas e comuns a toda humanidade, independente das nacionalidades, religiões, raças etc., para doravante se buscar a minimização dos impactos antrópicos sobre a natureza. Assim, é necessária uma compreensão mínima sobre o significado da ética.
A palavra ética vem da palavra grega ethos, que significa morada. Todavia, não se tratava e, também hoje, não deve ser compreendida como a casa material, mas como a casa existencial. A casa existencial significava para os gregos a teia de relações entre o meio físico e os membros da comunidade. Para os dias de hoje, recuperando a concepção grega, a morada não deve ser apenas a casa onde as pessoas habitam, deve ser também a cidade, o país e o planeta Terra, a casa de todos.
A necessidade de se construir uma ética para a Terra é impor­tante e sua relevância para a própria sobrevivência da humanidade é inquestionável, pois a busca desenfreada por riqueza e poder e a luta sangrenta pela partilha das riquezas naturais têm impedido a convivência harmoniosa entre todos os homens e destes com os demais seres. Guerras e destruição ambiental são os resultados mais visíveis da desarmonia instalada. Há que se fundar um novo ethos para se criar uma relação nova entre os homens e destes com todos os demais seres. A nova ética deverá nascer da natu­reza mais profunda do ser humano. A essência do homem está mais no cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que se resgatar a essên­cia do humano.
O ser humano é um animal que, pela sua natureza, produz cultura. Ele cria normas e instituições a partir de estímulos do meio ambiente e das relações com os semelhantes e, as­sim, acaba modelando a sua própria natureza. Ele tam­bém é um animal que con­segue sobreviver em diversos ecossistemas, adaptando-se a eles e moldando-os de acordo com as suas necessidades. Toda sociedade, a partir da sua cultura, desen­volve uma ideia particu­lar do que é a natureza. Então, o conceito de natu­reza não é natural, ele é criado e ins­tituído pelos homens. É um dos pilares que sustentam as relações sociais e a produ­ção material e espiritual dos povos. Para a sociedade atual, destacando-se a oci­dental, a natu­reza, por definição, contrapõe-se à cultura. A cultura é considerada como algo supe­rior e que, por isso, pode controlar a natureza.
A partir da Revolução Científica e da Revolução Industrial, o homem colocou-se acima da natu­reza, acima dos demais seres que nela convivem. Trata-se de um pro­cesso de sepa­ração, de um processo que coloca a natureza à sua plena disposi­ção. Todos já ouviram a expressão “o homem é um animal social”, distinguindo-o dos outros animais. Ocorre que a vida social não é privilégio da humanidade. A sociabilidade acontece de forma ampla no mundo animal. Esta atitude arrogante produz um fosso entre a humanidade e a natureza. Ela tornou-se estranha ao homem, que se acredita dela separado. Na sua mente ela deixou de ser a sua morada, pois a sua casa passou a ser apenas a natureza por ele modifi­cada, a natureza “construída”.
Nos últimos séculos a justificativa dada para o avanço da ciência e da indústria tem sido a elevação do nível de consumo. O consumo é essencial para a vida humana; não é esta a questão. O problema não é o consumo em si, mas os seus padrões e efeitos sobre o meio ambiente é que são questioná­veis. O atendi­mento de várias possibilidades de consumo deve acontecer para melhorar as condições de vida das populações excluídas, não se questiona isto, de forma alguma.
O consumo moderno, contudo, seguiu cami­nhos tortuosos e virou consumismo, penetrando no inconsciente coletivo da população, onde se confundiu com o desejo de liberdade. Ser livre é poder apropriar-se da natureza, transformá-la em bens de consumo e consumi-la. Quanto maior o consumo maior a liberdade. Em rela­ção à natureza consolida-se, com a aceitação deste conceito de liber­dade, uma ética utilitarista. A natureza está aí para ser usada e abusada.
A abundância de bens de consumo produzidos pela indús­tria é vista como um símbolo do sucesso das economias modernas. En­tretanto, de algumas décadas para cá, esta abundância começou a ser vista com olhares negativos, já que o consumismo passou a ser considerado um problema social.
O consumo exacerbado não é mais uma opção aberta, com amplas possibilidades para toda a Terra. A aceitação da ideia de um “desenvol­vimento sustentável” indica que se fixou um limite superior para o progresso. Esta aceitação coloca um novo e saudável desafio: como eliminar a miséria, sem desrespeitar a capacidade de suporte do planeta?
Po­demos querer empurrar o crescimento além dos limites, mas devemos ter cons­ciência do fato de que, mais cedo ou mais tarde, teremos que confrontar a nêmese da natureza. A deusa Nêmese, venerada por gregos e romanos, representava a justa medida na ordem divina e humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris – autoafirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. Há muito a humanidade vem exercendo a sua arrogância e a deusa já começou a manifestar a sua ira. O desarranjo do clima pode ser só o começo. Não devemos pagar para ver, mas muitos ainda acham que sim.
A partir da década de 1970, muitos alertas foram dados sobre a situação de risco que paira sobre o planeta Terra. Uma catástrofe de grande porte está se aproximando e, como a sua causa não vem do espaço ou dos subterrâneos do planeta, talvez haja tempo ainda para evitá-la ou, melhor, minimizá-la, melhor ainda, diminuir a sua dimensão. Trata-se de um risco construído pela humanidade na sua trajetória, aos poucos, mais precisamente há cerca de dois séculos. Caso olhemos para o tempo geológico, que é contado em milhões de anos, observamos o seu processo curtíssimo de formação. Os humanos e, indiretamente, todos os demais seres – os inocentes pagam pelos culpados – começam a colher as consequências de um modelo de economia que começou na Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e com o uso intenso do carvão mineral.
Estamos falando de algo que está na pauta dos mais variados jornais e das revistas, das escolas, dos congressos científicos, dos governos, etc.: o aquecimento global (efeito estufa). Este fenômeno tem muitas causas: o desflorestamento, a emissão de metano nos lixões, a emissão de metano pela bovinocultura, mas a principal delas é o uso do combustível fóssil (carvão e petróleo), com suas emissões de gás carbônico na atmosfera. No rol de emissores de gás carbônico destacam-se a indústria e o transporte individual (automóveis). O fenômeno é bem simples: os gases do efeito estufa retém o calor na atmosfera, não permitindo que ele se dissipe rumo ao espaço.
A partir da Primeira Revolução Industrial, a economia entrou num ritmo de crescimento nunca visto até então. Os séculos XIX e XX presenciaram outra revolução econômica, essa de maior monta, a Segunda Revolução Industrial. Mais particularmente, todo o século XX presenciou a expansão do uso de uma nova fonte de energia, o Petróleo, principal agente do aquecimento global, mas as coisas não pararam por aí. A expansão da produção de mercadorias e o consequente crescimento econômico, que as revoluções industriais propiciaram, tornaram-se necessidades e objetivos de todas as nações, que os assimilaram como a tradução do que viria a ser o desenvolvimento econômico. Então, país não industrializado passou a significar país subdesenvolvido, trata-se de uma simplificação.
O desenvolvimento tecnológico que tem acompanhado as revoluções industriais possibilitou a produção de uma infinidade nunca antes imaginada de produtos, daquilo que os economistas chamam de bens de consumo. Então, nasceu o que hoje chamamos de sociedade de consumo e, com ela, o seu principal ator social, o consumidor com poder de compra, o cidadão consumidor; chegamos ao ponto de pensarmos o simples acesso ao consumo como se fosse o acesso definitivo à cidadania, o que se trata de um reducionismo imbecilizante, no mínimo. Por muito tempo pensamos que o sonho do consumo crescente, ilimitado, uma cornucópia sem limites vomitando produtos, seria possível e acessível a todos no planeta. Bastava apenas que cada país cumprisse o seu papel e entrasse no caminho da ordem e do progresso, da ordem capitalista e do progresso material.
Hoje, na primeira metade do século XXI, fica cada vez mais claro que esse sonho é de difícil concretização. Usando a linguagem dos ecologistas: a Terra, com a sua capacidade de suporte, seus limites, não sustenta um crescimento econômico infinito, pois ela é finita e funciona através de ciclos – estações do ano, ciclo hidrológico, nascimento-morte-nascimento etc. – e não, apenas, através de acúmulos, acúmulos e mais acúmulos. As consequências do modelo adotado já estão visíveis: grande acumulação e concentração de riquezas e desacumulação do meio ambiente.
Como desacumulação ambiental podemos observar: a água doce disponível para consumo humano e dos demais seres vivos está cada vez mais contaminada; a temperatura do planeta está aumentando e as suas consequências já se fazem sentir no derretimento das geleiras, nas secas e nas inundações, por exemplo; as terras agrícolas sofrem processos erosivos de grande monta e estão contaminadas por defensivos agrícolas; a biodiversidade da Terra está diminuindo dia-a-dia e, talvez, até desapareçam espécies animais e vegetais sem que a humanidade jamais as tenha conhecido; etc.
Além de todas as mazelas rapidamente expostas acima, há uma questão moral, porque não dizer ética: a quem serviu todo esse progresso? Serviu a toda a humanidade? Caso observemos bem de perto, nem precisa de tanta proximidade, percebemos que todo esse avanço da produção de bens materiais beneficiou uma parte menor da humanidade, deixando a África, muitos países asiáticos e a maioria dos países da América Latina de fora. Os países ricos “beneficiam-se” com o consumo desenfreado enquanto os países pobres veem o esgotamento dos seus recursos naturais e recebem, por tabela, os efeitos do aquecimento global, resultante da queima excessiva de combustíveis fósseis nos primeiros, em grande parte extraídos nos segundos.
Explicando o beneficiam-se entre aspas do parágrafo acima: nem sempre consumir muito significa bem-estar, isto depende em larga medida do que e do quanto se consome; consumir alimentos com excesso de defensivos agrícolas, excessivamente processados (industrializados), com gorduras trans, muito açúcar e muito sal, por exemplo, muitas vezes ingeridos nos fast foods espalhados pelos mais diversos centros urbanos do planeta, não é a melhor forma de se alimentar, com certeza. Os casos crescentes de obesidade mórbida em muitos países estão aí para confirmar esta assertiva. Os gastos absurdamente altos que os municípios precisam destinar ao tratamento dos resíduos sólidos (lixo) também estão entre as muitas contrapartidas negativas do consumo exagerado.
Esta breve explanação não tem maiores pretensões do que a de lançar sementes de preocupação nos corações e mentes dos leitores, apenas isto. Nunca na história da humanidade foi tão oportuno e necessário debruçar-se atentamente sobre o destino dos homens e de todos os seres do planeta como agora. É uma oportunidade ímpar, onde somos chamados a nos revermos e a revisitarmos as nossas relações com os nossos iguais e com todos os seres a nossa volta. É o ponto de partida para podermos modificar os nossos comportamentos econômicos, sociais e ecológicos à luz de uma nova ética, que deverá alicerçar-se no cuidado, no cuidado conosco, com nossos semelhantes, com a natureza, enfim, com toda a Terra, que é, ao mesmo tempo, nossa mãe e nossa morada.
Todo o exposto acima alerta-nos para a necessidade de se construir uma nova ética para balizar o comportamento de todos os seres humanos do planeta. É necessária a elaboração de um conjunto de regras mínimas e comuns a toda humanidade, independente das nacionalidades, religiões, raças etc., para doravante se buscar a minimização dos impactos antrópicos sobre a natureza. Assim, é necessária uma compreensão mínima sobre o significado da ética.
A palavra ética vem da palavra grega ethos, que significa morada. Todavia, não se tratava e, também hoje, não deve ser compreendida como a casa material, mas como a casa existencial. A casa existencial significava para os gregos a teia de relações entre o meio físico e os membros da comunidade. Para os dias de hoje, recuperando a concepção grega, a morada não deve ser apenas a casa onde as pessoas habitam, deve ser também a cidade, o país e o planeta Terra, a casa de todos.
A necessidade de se construir uma ética para a Terra é impor­tante e sua relevância para a própria sobrevivência da humanidade é inquestionável, pois a busca desenfreada por riqueza e poder e a luta sangrenta pela partilha das riquezas naturais têm impedido a convivência harmoniosa entre todos os homens e destes com os demais seres. Guerras e destruição ambiental são os resultados mais visíveis da desarmonia instalada. Há que se fundar um novo ethos para se criar uma relação nova entre os homens e destes com todos os demais seres. A nova ética deverá nascer da natu­reza mais profunda do ser humano. A essência do homem está mais no cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que se resgatar a essên­cia do humano.
O ser humano é um animal que, pela sua natureza, produz cultura. Ele cria normas e instituições a partir de estímulos do meio ambiente e das relações com os semelhantes e, as­sim, acaba modelando a sua própria natureza. Ele tam­bém é um animal que con­segue sobreviver em diversos ecossistemas, adaptando-se a eles e moldando-os de acordo com as suas necessidades. Toda sociedade, a partir da sua cultura, desen­volve uma ideia particu­lar do que é a natureza. Então, o conceito de natu­reza não é natural, ele é criado e ins­tituído pelos homens. É um dos pilares que sustentam as relações sociais e a produ­ção material e espiritual dos povos. Para a sociedade atual, destacando-se a oci­dental, a natu­reza, por definição, contrapõe-se à cultura. A cultura é considerada como algo supe­rior e que, por isso, pode controlar a natureza.
A partir da Revolução Científica e da Revolução Industrial, o homem colocou-se acima da natu­reza, acima dos demais seres que nela convivem. Trata-se de um pro­cesso de sepa­ração, de um processo que coloca a natureza à sua plena disposi­ção. Todos já ouviram a expressão “o homem é um animal social”, distinguindo-o dos outros animais. Ocorre que a vida social não é privilégio da humanidade. A sociabilidade acontece de forma ampla no mundo animal. Esta atitude arrogante produz um fosso entre a humanidade e a natureza. Ela tornou-se estranha ao homem, que se acredita dela separado. Na sua mente ela deixou de ser a sua morada, pois a sua casa passou a ser apenas a natureza por ele modifi­cada, a natureza “construída”.
Nos últimos séculos a justificativa dada para o avanço da ciência e da indústria tem sido a elevação do nível de consumo. O consumo é essencial para a vida humana; não é esta a questão. O problema não é o consumo em si, mas os seus padrões e efeitos sobre o meio ambiente é que são questioná­veis. O atendi­mento de várias possibilidades de consumo deve acontecer para melhorar as condições de vida das populações excluídas, não se questiona isto, de forma alguma.
O consumo moderno, contudo, seguiu cami­nhos tortuosos e virou consumismo, penetrando no inconsciente coletivo da população, onde se confundiu com o desejo de liberdade. Ser livre é poder apropriar-se da natureza, transformá-la em bens de consumo e consumi-la. Quanto maior o consumo maior a liberdade. Em rela­ção à natureza consolida-se, com a aceitação deste conceito de liber­dade, uma ética utilitarista. A natureza está aí para ser usada e abusada.
A abundância de bens de consumo produzidos pela indús­tria é vista como um símbolo do sucesso das economias modernas. En­tretanto, de algumas décadas para cá, esta abundância começou a ser vista com olhares negativos, já que o consumismo passou a ser considerado um problema social.
O consumo exacerbado não é mais uma opção aberta, com amplas possibilidades para toda a Terra. A aceitação da ideia de um “desenvol­vimento sustentável” indica que se fixou um limite superior para o progresso. Esta aceitação coloca um novo e saudável desafio: como eliminar a miséria, sem desrespeitar a capacidade de suporte do planeta?
Po­demos querer empurrar o crescimento além dos limites, mas devemos ter cons­ciência do fato de que, mais cedo ou mais tarde, teremos que confrontar a nêmese da natureza. A deusa Nêmese, venerada por gregos e romanos, representava a justa medida na ordem divina e humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris – autoafirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. Há muito a humanidade vem exercendo a sua arrogância e a deusa já começou a manifestar a sua ira. O desarranjo do clima pode ser só o começo. Não devemos pagar para ver, mas muitos ainda acham que sim.

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