A partir da década de 1970, muitos
alertas foram dados sobre a situação de risco que paira sobre o planeta Terra.
Uma catástrofe de grande porte está se aproximando e, como a sua causa não vem
do espaço ou dos subterrâneos do planeta, talvez haja tempo ainda para evitá-la
ou, melhor, minimizá-la, melhor ainda, diminuir a sua dimensão. Trata-se de um
risco construído pela humanidade na sua trajetória, aos poucos, mais
precisamente há cerca de dois séculos. Caso olhemos para o tempo geológico, que
é contado em milhões de anos, observamos o seu processo curtíssimo de formação.
Os humanos e, indiretamente, todos os demais seres – os inocentes pagam pelos
culpados – começam a colher as consequências de um modelo de economia que
começou na Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, com a
invenção da máquina a vapor e com o uso intenso do carvão mineral.
Estamos falando de algo que está na
pauta dos mais variados jornais e das revistas, das escolas, dos congressos
científicos, dos governos, etc.: o aquecimento global (efeito estufa). Este
fenômeno tem muitas causas: o desflorestamento, a emissão de metano nos lixões,
a emissão de metano pela bovinocultura, mas a principal delas é o uso do
combustível fóssil (carvão e petróleo), com suas emissões de gás carbônico na
atmosfera. No rol de emissores de gás carbônico destacam-se a indústria e o
transporte individual (automóveis). O fenômeno é bem simples: os gases do
efeito estufa retém o calor na atmosfera, não permitindo que ele se dissipe
rumo ao espaço.
A partir da Primeira Revolução
Industrial, a economia entrou num ritmo de crescimento nunca visto até então.
Os séculos XIX e XX presenciaram outra revolução econômica, essa de maior
monta, a Segunda Revolução Industrial. Mais particularmente, todo o século XX
presenciou a expansão do uso de uma nova fonte de energia, o Petróleo,
principal agente do aquecimento global, mas as coisas não pararam por aí. A
expansão da produção de mercadorias e o consequente crescimento econômico, que
as revoluções industriais propiciaram, tornaram-se necessidades e objetivos de
todas as nações, que os assimilaram como a tradução do que viria a ser o
desenvolvimento econômico. Então, país não industrializado passou a significar
país subdesenvolvido, trata-se de uma simplificação.
O desenvolvimento tecnológico que tem
acompanhado as revoluções industriais possibilitou a produção de uma infinidade
nunca antes imaginada de produtos, daquilo que os economistas chamam de bens de
consumo. Então, nasceu o que hoje chamamos de sociedade de consumo e, com ela,
o seu principal ator social, o consumidor com poder de compra, o cidadão
consumidor; chegamos ao ponto de pensarmos o simples acesso ao consumo como se
fosse o acesso definitivo à cidadania, o que se trata de um reducionismo
imbecilizante, no mínimo. Por muito tempo pensamos que o sonho do consumo
crescente, ilimitado, uma cornucópia sem limites vomitando produtos, seria possível
e acessível a todos no planeta. Bastava apenas que cada país cumprisse o seu
papel e entrasse no caminho da ordem e do progresso, da ordem capitalista e do
progresso material.
Hoje, na primeira metade do século XXI,
fica cada vez mais claro que esse sonho é de difícil concretização. Usando a
linguagem dos ecologistas: a Terra, com a sua capacidade de suporte, seus
limites, não sustenta um crescimento econômico infinito, pois ela é finita e
funciona através de ciclos – estações do ano, ciclo hidrológico, nascimento-morte-nascimento
etc. – e não, apenas, através de acúmulos, acúmulos e mais acúmulos. As
consequências do modelo adotado já estão visíveis: grande acumulação e
concentração de riquezas e desacumulação do meio ambiente.
Como desacumulação ambiental podemos
observar: a água doce disponível para consumo humano e dos demais seres vivos
está cada vez mais contaminada; a temperatura do planeta está aumentando e as
suas consequências já se fazem sentir no derretimento das geleiras, nas secas e
nas inundações, por exemplo; as terras agrícolas sofrem processos erosivos de
grande monta e estão contaminadas por defensivos agrícolas; a biodiversidade da
Terra está diminuindo dia-a-dia e, talvez, até desapareçam espécies animais e
vegetais sem que a humanidade jamais as tenha conhecido; etc.
Além de todas as mazelas rapidamente
expostas acima, há uma questão moral, porque não dizer ética: a quem serviu
todo esse progresso? Serviu a toda a humanidade? Caso observemos bem de perto,
nem precisa de tanta proximidade, percebemos que todo esse avanço da produção
de bens materiais beneficiou uma parte menor da humanidade, deixando a África,
muitos países asiáticos e a maioria dos países da América Latina de fora. Os
países ricos “beneficiam-se” com o consumo desenfreado enquanto os países
pobres veem o esgotamento dos seus recursos naturais e recebem, por tabela, os
efeitos do aquecimento global, resultante da queima excessiva de combustíveis
fósseis nos primeiros, em grande parte extraídos nos segundos.
Explicando o beneficiam-se entre
aspas do parágrafo acima: nem sempre consumir muito significa bem-estar, isto
depende em larga medida do que e do quanto se consome; consumir alimentos com
excesso de defensivos agrícolas, excessivamente processados (industrializados),
com gorduras trans, muito açúcar e muito sal, por exemplo, muitas vezes
ingeridos nos fast foods espalhados pelos mais diversos
centros urbanos do planeta, não é a melhor forma de se alimentar, com certeza.
Os casos crescentes de obesidade mórbida em muitos países estão aí para
confirmar esta assertiva. Os gastos absurdamente altos que os municípios
precisam destinar ao tratamento dos resíduos sólidos (lixo) também estão entre
as muitas contrapartidas negativas do consumo exagerado.
Esta breve explanação não tem maiores
pretensões do que a de lançar sementes de preocupação nos corações e mentes dos
leitores, apenas isto. Nunca na história da humanidade foi tão oportuno e
necessário debruçar-se atentamente sobre o destino dos homens e de todos os
seres do planeta como agora. É uma oportunidade ímpar, onde somos chamados a
nos revermos e a revisitarmos as nossas relações com os nossos iguais e com
todos os seres a nossa volta. É o ponto de partida para podermos modificar os
nossos comportamentos econômicos, sociais e ecológicos à luz de uma nova ética,
que deverá alicerçar-se no cuidado, no cuidado conosco, com nossos semelhantes,
com a natureza, enfim, com toda a Terra, que é, ao mesmo tempo, nossa mãe e
nossa morada.
Todo o exposto acima alerta-nos para a
necessidade de se construir uma nova ética para balizar o comportamento de
todos os seres humanos do planeta. É necessária a elaboração de um conjunto de
regras mínimas e comuns a toda humanidade, independente das nacionalidades,
religiões, raças etc., para doravante se buscar a minimização dos impactos antrópicos
sobre a natureza. Assim, é necessária uma compreensão mínima sobre o
significado da ética.
A palavra ética vem da palavra grega ethos,
que significa morada. Todavia, não se tratava e, também hoje, não deve ser
compreendida como a casa material, mas como a casa existencial. A casa
existencial significava para os gregos a teia de relações entre o meio físico e
os membros da comunidade. Para os dias de hoje, recuperando a concepção grega,
a morada não deve ser apenas a casa onde as pessoas habitam, deve ser também a
cidade, o país e o planeta Terra, a casa de todos.
A necessidade de se construir uma ética
para a Terra é importante e sua relevância para a própria sobrevivência da
humanidade é inquestionável, pois a busca desenfreada por riqueza e poder e a
luta sangrenta pela partilha das riquezas naturais têm impedido a convivência
harmoniosa entre todos os homens e destes com os demais seres. Guerras e
destruição ambiental são os resultados mais visíveis da desarmonia instalada.
Há que se fundar um novo ethos para se criar uma relação nova
entre os homens e destes com todos os demais seres. A nova ética deverá nascer
da natureza mais profunda do ser humano. A essência do homem está mais no
cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que se resgatar a essência
do humano.
O ser humano é um animal que, pela sua
natureza, produz cultura. Ele cria normas e instituições a partir de estímulos
do meio ambiente e das relações com os semelhantes e, assim, acaba modelando a
sua própria natureza. Ele também é um animal que consegue sobreviver em
diversos ecossistemas, adaptando-se a eles e moldando-os de acordo com as suas
necessidades. Toda sociedade, a partir da sua cultura, desenvolve uma ideia
particular do que é a natureza. Então, o conceito de natureza não
é natural, ele é criado e instituído pelos homens. É um dos pilares que
sustentam as relações sociais e a produção material e espiritual dos povos.
Para a sociedade atual, destacando-se a ocidental, a natureza, por definição,
contrapõe-se à cultura. A cultura é considerada como algo superior e que, por
isso, pode controlar a natureza.
A partir da Revolução Científica e da
Revolução Industrial, o homem colocou-se acima da natureza, acima dos demais
seres que nela convivem. Trata-se de um processo de separação, de um processo
que coloca a natureza à sua plena disposição. Todos já ouviram a expressão “o
homem é um animal social”, distinguindo-o dos outros animais. Ocorre que a vida
social não é privilégio da humanidade. A sociabilidade acontece de forma ampla
no mundo animal. Esta atitude arrogante produz um fosso entre a humanidade e a
natureza. Ela tornou-se estranha ao homem, que se acredita dela separado. Na
sua mente ela deixou de ser a sua morada, pois a sua casa passou a ser apenas a
natureza por ele modificada, a natureza “construída”.
Nos últimos séculos a justificativa
dada para o avanço da ciência e da indústria tem sido a elevação do nível de
consumo. O consumo é essencial para a vida humana; não é esta a questão. O
problema não é o consumo em si, mas os seus padrões e efeitos sobre o meio
ambiente é que são questionáveis. O atendimento de várias possibilidades de
consumo deve acontecer para melhorar as condições de vida das populações
excluídas, não se questiona isto, de forma alguma.
O consumo moderno, contudo, seguiu caminhos
tortuosos e virou consumismo, penetrando no inconsciente coletivo da população,
onde se confundiu com o desejo de liberdade. Ser livre é poder apropriar-se da
natureza, transformá-la em bens de consumo e consumi-la. Quanto maior o consumo
maior a liberdade. Em relação à natureza consolida-se, com a aceitação deste
conceito de liberdade, uma ética utilitarista. A natureza está aí para ser
usada e abusada.
A abundância de bens de consumo
produzidos pela indústria é vista como um símbolo do sucesso das economias
modernas. Entretanto, de algumas décadas para cá, esta abundância começou a
ser vista com olhares negativos, já que o consumismo passou a ser considerado
um problema social.
O consumo exacerbado não é mais uma
opção aberta, com amplas possibilidades para toda a Terra. A aceitação da ideia
de um “desenvolvimento sustentável” indica que se fixou um limite superior
para o progresso. Esta aceitação coloca um novo e saudável desafio: como
eliminar a miséria, sem desrespeitar a capacidade de suporte do planeta?
Podemos querer empurrar o crescimento
além dos limites, mas devemos ter consciência do fato de que, mais cedo ou
mais tarde, teremos que confrontar a nêmese da natureza. A deusa Nêmese,
venerada por gregos e romanos, representava a justa medida na ordem divina e
humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris –
autoafirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. Há muito a
humanidade vem exercendo a sua arrogância e a deusa já começou a manifestar a
sua ira. O desarranjo do clima pode ser só o começo. Não devemos pagar para ver,
mas muitos ainda acham que sim.
A partir da década de 1970, muitos
alertas foram dados sobre a situação de risco que paira sobre o planeta Terra.
Uma catástrofe de grande porte está se aproximando e, como a sua causa não vem
do espaço ou dos subterrâneos do planeta, talvez haja tempo ainda para evitá-la
ou, melhor, minimizá-la, melhor ainda, diminuir a sua dimensão. Trata-se de um
risco construído pela humanidade na sua trajetória, aos poucos, mais
precisamente há cerca de dois séculos. Caso olhemos para o tempo geológico, que
é contado em milhões de anos, observamos o seu processo curtíssimo de formação.
Os humanos e, indiretamente, todos os demais seres – os inocentes pagam pelos
culpados – começam a colher as consequências de um modelo de economia que
começou na Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, com a
invenção da máquina a vapor e com o uso intenso do carvão mineral.
Estamos falando de algo que está na
pauta dos mais variados jornais e das revistas, das escolas, dos congressos
científicos, dos governos, etc.: o aquecimento global (efeito estufa). Este
fenômeno tem muitas causas: o desflorestamento, a emissão de metano nos lixões,
a emissão de metano pela bovinocultura, mas a principal delas é o uso do
combustível fóssil (carvão e petróleo), com suas emissões de gás carbônico na
atmosfera. No rol de emissores de gás carbônico destacam-se a indústria e o
transporte individual (automóveis). O fenômeno é bem simples: os gases do
efeito estufa retém o calor na atmosfera, não permitindo que ele se dissipe
rumo ao espaço.
A partir da Primeira Revolução
Industrial, a economia entrou num ritmo de crescimento nunca visto até então.
Os séculos XIX e XX presenciaram outra revolução econômica, essa de maior
monta, a Segunda Revolução Industrial. Mais particularmente, todo o século XX
presenciou a expansão do uso de uma nova fonte de energia, o Petróleo,
principal agente do aquecimento global, mas as coisas não pararam por aí. A
expansão da produção de mercadorias e o consequente crescimento econômico, que
as revoluções industriais propiciaram, tornaram-se necessidades e objetivos de
todas as nações, que os assimilaram como a tradução do que viria a ser o
desenvolvimento econômico. Então, país não industrializado passou a significar
país subdesenvolvido, trata-se de uma simplificação.
O desenvolvimento tecnológico que tem
acompanhado as revoluções industriais possibilitou a produção de uma infinidade
nunca antes imaginada de produtos, daquilo que os economistas chamam de bens de
consumo. Então, nasceu o que hoje chamamos de sociedade de consumo e, com ela,
o seu principal ator social, o consumidor com poder de compra, o cidadão
consumidor; chegamos ao ponto de pensarmos o simples acesso ao consumo como se
fosse o acesso definitivo à cidadania, o que se trata de um reducionismo
imbecilizante, no mínimo. Por muito tempo pensamos que o sonho do consumo
crescente, ilimitado, uma cornucópia sem limites vomitando produtos, seria possível
e acessível a todos no planeta. Bastava apenas que cada país cumprisse o seu
papel e entrasse no caminho da ordem e do progresso, da ordem capitalista e do
progresso material.
Hoje, na primeira metade do século XXI,
fica cada vez mais claro que esse sonho é de difícil concretização. Usando a
linguagem dos ecologistas: a Terra, com a sua capacidade de suporte, seus
limites, não sustenta um crescimento econômico infinito, pois ela é finita e
funciona através de ciclos – estações do ano, ciclo hidrológico, nascimento-morte-nascimento
etc. – e não, apenas, através de acúmulos, acúmulos e mais acúmulos. As
consequências do modelo adotado já estão visíveis: grande acumulação e
concentração de riquezas e desacumulação do meio ambiente.
Como desacumulação ambiental podemos
observar: a água doce disponível para consumo humano e dos demais seres vivos
está cada vez mais contaminada; a temperatura do planeta está aumentando e as
suas consequências já se fazem sentir no derretimento das geleiras, nas secas e
nas inundações, por exemplo; as terras agrícolas sofrem processos erosivos de
grande monta e estão contaminadas por defensivos agrícolas; a biodiversidade da
Terra está diminuindo dia-a-dia e, talvez, até desapareçam espécies animais e
vegetais sem que a humanidade jamais as tenha conhecido; etc.
Além de todas as mazelas rapidamente
expostas acima, há uma questão moral, porque não dizer ética: a quem serviu
todo esse progresso? Serviu a toda a humanidade? Caso observemos bem de perto,
nem precisa de tanta proximidade, percebemos que todo esse avanço da produção
de bens materiais beneficiou uma parte menor da humanidade, deixando a África,
muitos países asiáticos e a maioria dos países da América Latina de fora. Os
países ricos “beneficiam-se” com o consumo desenfreado enquanto os países
pobres veem o esgotamento dos seus recursos naturais e recebem, por tabela, os
efeitos do aquecimento global, resultante da queima excessiva de combustíveis
fósseis nos primeiros, em grande parte extraídos nos segundos.
Explicando o beneficiam-se entre
aspas do parágrafo acima: nem sempre consumir muito significa bem-estar, isto
depende em larga medida do que e do quanto se consome; consumir alimentos com
excesso de defensivos agrícolas, excessivamente processados (industrializados),
com gorduras trans, muito açúcar e muito sal, por exemplo, muitas vezes
ingeridos nos fast foods espalhados pelos mais diversos
centros urbanos do planeta, não é a melhor forma de se alimentar, com certeza.
Os casos crescentes de obesidade mórbida em muitos países estão aí para
confirmar esta assertiva. Os gastos absurdamente altos que os municípios
precisam destinar ao tratamento dos resíduos sólidos (lixo) também estão entre
as muitas contrapartidas negativas do consumo exagerado.
Esta breve explanação não tem maiores
pretensões do que a de lançar sementes de preocupação nos corações e mentes dos
leitores, apenas isto. Nunca na história da humanidade foi tão oportuno e
necessário debruçar-se atentamente sobre o destino dos homens e de todos os
seres do planeta como agora. É uma oportunidade ímpar, onde somos chamados a
nos revermos e a revisitarmos as nossas relações com os nossos iguais e com
todos os seres a nossa volta. É o ponto de partida para podermos modificar os
nossos comportamentos econômicos, sociais e ecológicos à luz de uma nova ética,
que deverá alicerçar-se no cuidado, no cuidado conosco, com nossos semelhantes,
com a natureza, enfim, com toda a Terra, que é, ao mesmo tempo, nossa mãe e
nossa morada.
Todo o exposto acima alerta-nos para a
necessidade de se construir uma nova ética para balizar o comportamento de
todos os seres humanos do planeta. É necessária a elaboração de um conjunto de
regras mínimas e comuns a toda humanidade, independente das nacionalidades,
religiões, raças etc., para doravante se buscar a minimização dos impactos antrópicos
sobre a natureza. Assim, é necessária uma compreensão mínima sobre o
significado da ética.
A palavra ética vem da palavra grega ethos,
que significa morada. Todavia, não se tratava e, também hoje, não deve ser
compreendida como a casa material, mas como a casa existencial. A casa
existencial significava para os gregos a teia de relações entre o meio físico e
os membros da comunidade. Para os dias de hoje, recuperando a concepção grega,
a morada não deve ser apenas a casa onde as pessoas habitam, deve ser também a
cidade, o país e o planeta Terra, a casa de todos.
A necessidade de se construir uma ética
para a Terra é importante e sua relevância para a própria sobrevivência da
humanidade é inquestionável, pois a busca desenfreada por riqueza e poder e a
luta sangrenta pela partilha das riquezas naturais têm impedido a convivência
harmoniosa entre todos os homens e destes com os demais seres. Guerras e
destruição ambiental são os resultados mais visíveis da desarmonia instalada.
Há que se fundar um novo ethos para se criar uma relação nova
entre os homens e destes com todos os demais seres. A nova ética deverá nascer
da natureza mais profunda do ser humano. A essência do homem está mais no
cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que se resgatar a essência
do humano.
O ser humano é um animal que, pela sua
natureza, produz cultura. Ele cria normas e instituições a partir de estímulos
do meio ambiente e das relações com os semelhantes e, assim, acaba modelando a
sua própria natureza. Ele também é um animal que consegue sobreviver em
diversos ecossistemas, adaptando-se a eles e moldando-os de acordo com as suas
necessidades. Toda sociedade, a partir da sua cultura, desenvolve uma ideia
particular do que é a natureza. Então, o conceito de natureza não
é natural, ele é criado e instituído pelos homens. É um dos pilares que
sustentam as relações sociais e a produção material e espiritual dos povos.
Para a sociedade atual, destacando-se a ocidental, a natureza, por definição,
contrapõe-se à cultura. A cultura é considerada como algo superior e que, por
isso, pode controlar a natureza.
A partir da Revolução Científica e da
Revolução Industrial, o homem colocou-se acima da natureza, acima dos demais
seres que nela convivem. Trata-se de um processo de separação, de um processo
que coloca a natureza à sua plena disposição. Todos já ouviram a expressão “o
homem é um animal social”, distinguindo-o dos outros animais. Ocorre que a vida
social não é privilégio da humanidade. A sociabilidade acontece de forma ampla
no mundo animal. Esta atitude arrogante produz um fosso entre a humanidade e a
natureza. Ela tornou-se estranha ao homem, que se acredita dela separado. Na
sua mente ela deixou de ser a sua morada, pois a sua casa passou a ser apenas a
natureza por ele modificada, a natureza “construída”.
Nos últimos séculos a justificativa
dada para o avanço da ciência e da indústria tem sido a elevação do nível de
consumo. O consumo é essencial para a vida humana; não é esta a questão. O
problema não é o consumo em si, mas os seus padrões e efeitos sobre o meio
ambiente é que são questionáveis. O atendimento de várias possibilidades de
consumo deve acontecer para melhorar as condições de vida das populações
excluídas, não se questiona isto, de forma alguma.
O consumo moderno, contudo, seguiu caminhos
tortuosos e virou consumismo, penetrando no inconsciente coletivo da população,
onde se confundiu com o desejo de liberdade. Ser livre é poder apropriar-se da
natureza, transformá-la em bens de consumo e consumi-la. Quanto maior o consumo
maior a liberdade. Em relação à natureza consolida-se, com a aceitação deste
conceito de liberdade, uma ética utilitarista. A natureza está aí para ser
usada e abusada.
A abundância de bens de consumo
produzidos pela indústria é vista como um símbolo do sucesso das economias
modernas. Entretanto, de algumas décadas para cá, esta abundância começou a
ser vista com olhares negativos, já que o consumismo passou a ser considerado
um problema social.
O consumo exacerbado não é mais uma
opção aberta, com amplas possibilidades para toda a Terra. A aceitação da ideia
de um “desenvolvimento sustentável” indica que se fixou um limite superior
para o progresso. Esta aceitação coloca um novo e saudável desafio: como
eliminar a miséria, sem desrespeitar a capacidade de suporte do planeta?
Podemos querer empurrar o crescimento
além dos limites, mas devemos ter consciência do fato de que, mais cedo ou
mais tarde, teremos que confrontar a nêmese da natureza. A deusa Nêmese,
venerada por gregos e romanos, representava a justa medida na ordem divina e
humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris –
autoafirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. Há muito a
humanidade vem exercendo a sua arrogância e a deusa já começou a manifestar a
sua ira. O desarranjo do clima pode ser só o começo. Não devemos pagar para ver,
mas muitos ainda acham que sim.
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