Zildo Gallo
São Francisco de Assis (1182-1226) é uma figura singular
na história da humanidade. Ele era filho do comerciante italiano Pietro di Bernadone dei Moriconi e de Pica
Bourlemont, de origem francesa. Os seus pais faziam parte da burguesia da cidade de Assis e eram tidos como ricos. O
menino Francisco cresceu e se tornou um jovem muito popular entre os amigos pelas
suas extravagâncias, pela paixão por aventuras, pelas roupas finas, pelo gosto
pelas bebidas e por sua liberalidade com o dinheiro. Contudo, ele sempre se mostrava
bondoso. Também era fascinado pelas histórias de cavalaria e desejava ganhar fama como herói. Assim, no ano de 1202, alistou-se como soldado na
guerra que Assis travava contra Peruggia, quando foi capturado e permaneceu preso por cerca de um
ano.
Quando libertado caiu doente, com episódios de febre que duraram quase todo
o ano de 1204. Ali apareceram as afecções que o acompanhariam por toda a sua
vida: problemas de visão e
digestivos Em 1205, depois de recuperado, tentou novamente a carreira militar, engajando-se no exército papal que lutava
contra Frederico II. Entretanto, desistiu da empreitada por
conta de um sonho que o mandava de volta para casa. Assim o fez. Depois disso,
em Assis, durante uma algazarra com seus amigos, teria sido tocado pela
presença divina, e desde aquele momento, começou a perder o interesse por seus
antigos hábitos e passou a mostrar preocupação pelos pobres e a manifestar
desejo por uma vida religiosa.
Antes de adotar a via religiosa para a sua vida,
Francisco viverá episódios ligados à fé e aos pobres e necessitados, mas o
episódio da sua conversão definitiva é ímpar. Vale a pena relatá-lo. Certa
feita ele entrou para orar na igreja de São Damião e ali ele teria ouvido a voz de Cristo,
que lhe chamou a atenção para o estado de ruína da igreja e pediu-lhe para que ele
a restaurasse. Então, ele voltou para sua casa, pegou diversos tecidos caros da
loja do pai e os vendeu a baixos preços no mercado. Em seguida, voltou para a
igreja e doou todo o dinheiro ao padre, para que ele reformasse o prédio.
Quando soube disso o pai ficou enfurecido e mandou que o
buscassem. Assustado, Francisco escondeu-se em um celeiro,
onde um amigo levava comida todos os dias. Passado algum tempo, ele decidiu
revelar-se e, diante do povo de Assis, numa confissão pública, autoacusou-se de
preguiçoso e desocupado. As pessoas acharam que ele tinha enlouquecido e
divertiam-se com isso. O pai ouviu o tumulto e o levou para casa, acorrentando-o
no porão.
Alguns dias depois, por compaixão, sua mãe livrou-o das
correntes, e Francisco foi buscar refúgio junto ao bispo. O pai partiu atrás
dele e o acusou de gastar sua fortuna, reclamando uma compensação pelo que ele
havia tirado sem licença de sua loja. Então, para a surpresa geral, Francisco
despiu todas as suas belas roupas e as colocou aos pés do pai, renunciando, com
esse ato, a sua herança. Depois pediu a bênção do bispo e partiu,
completamente nu, para iniciar uma vida de pobreza ao lado do povo. Nunca mais retornou
a sua casa. O bispo viu nesse gesto um sinal de Deus e se tornou seu
protetor pelo resto da vida. Assim começou a trajetória de São Francisco de
Assis.
Como há muito tempo estou ligado às
questões ambientais e desde muito cedo adotei uma militância política de
esquerda, por conta de uma preocupação permanente com a concentração das
riquezas no mundo, São Francisco de Assis tornou-se uma referência para mim,
mesmo na época (já distante) em que me considerava essencialmente materialista.
Até estudei a sua biografia. Coisas do passado... Então, certa feita, em março
de 2002, eu resolvi homenageá-lo com um poema, relembrando aquele momento
insólito da sua conversão. Eis o poema:
À NUDEZ DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Quando Francisco,
Em ato de tresloucada paixão,
Livrou-se das amarras
Que ao passado lhe prendiam,
Livrou-se, também,
De histórias de duvidosa honra,
Histórias largadas ao chão,
Junto com suas vestes,
Misturadas ao pó da estrada.
E, na sua absoluta pobreza,
Tornou-se o mais rico dos homens,
Possuidor de grande tesouro
Que com todos repartia:
O amor pelas criaturas
E a compaixão pelos que sofrem.
E, desde então,
A delicada bondade
Tornou-se imbatível força
E atirar sementes aos pássaros
Um ato que nos religa
Ao espírito da criação.
Zildo Gallo, Santa Bárbara d’Oeste, SP,
07 de março de 2002
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