Zildo Gallo
As palavras ética e moral são a mesma coisa? Na maioria das vezes elas são
usadas com o mesmo significado, como sinônimos. Geralmente são usadas para a
emissão de juízos de valor sobre práticas pessoais ou coletivas. Entretanto, ao
se buscar as origens e o real significado de cada palavra, chega-se à
percepção de suas diferenças; ética e moral não são sinônimos, definitivamente.
A ética é parte constituinte da filosofia. Ela trata de concepções de
fundo sobre a vida, o universo, a humanidade e sua trajetória existencial,
estabelecendo valores e princípios fundamentais que norteiam os comportamentos
dos indivíduos e dos grupos sociais. Já a moral faz parte do dia-a-dia das
pessoas e das sociedades. Assim, ela cuida da prática concreta dos indivíduos
com base em costumes e valores culturais estabelecidos.
Nem tudo que é moral é ético. Costumes e valores consagrados em determinados
grupos sociais podem ser questionados pela ética. Algumas formas de tratamento
dado às mulheres, discriminatórias e muitas vezes violentas, que são aceitas em
alguns grupos sociais podem exemplificar o exposto. A forma como alguns
segmentos do islamismo agem em relação a elas encaixa-se como exemplo de
valores morais questionáveis do ponto de vista ético.
Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções; a
convicção pressupõe a introjeção dos princípios pelo indivíduo. Os princípios
têm um caráter universal. Por exemplo, agir pacificamente em relação aos demais
é universalmente aceito como correto e as ações violentas são condenadas por
ampla maioria nos dias de hoja. Por outro lado, uma pessoa moral é aquela que
age em conformidade com os valores e costumes socialmente aceitos. Então, um
indivíduo pode ser moral, pois segue os costumes por conveniência, mas não
necessariamente ético, pois não obedece a princípios convictos. Ele pode não
ser violento, reprimindo a violência em si, porque a violência não é aceita
socialmente, mas ele pode não estar plenamente convencido da não violência como
um valor fundamental.
A palavra ética é oriunda da palavra grega ethos (com épsilon,
e longo), que significa morada. Todavia, não se tratava e não deve ser
compreendida como a morada física, a casa material, mas como a casa
existencial. A casa existencial significava para os gregos a teia de relações
entre os membros da comunidade e destes com o meio físico. Hoje, recuperando a
concepção grega, a morada não deve ser apenas a casa onde as pessoas habitam,
deve ser também a cidade onde vivem, o país a que pertencem e o planeta Terra, que
é a casa de todos. Leonardo Boff, em Ética e Moral: a Busca dos Fundamentos,
consegue deixar a questão mais clara:
Mas para que a morada seja morada faz-se mister organizar o espaço
físico (quartos, sala, cozinha, o jardim) e o espaço humano (relações entre os
moradores entre si e com os vizinhos), segundo critérios, valores e princípios
inspiradores, para que tudo flua e esteja a contento. A casa possui, então
estilo, caráter e sua aura própria. Da mesma forma as pessoas que habitam e que
sintonizam com o jeito próprio da casa assumem um caráter singular. Os gregos
chamavam tanto os princípios inspiradores e as pessoas, cujo caráter era
moldado por eles, de ethos, escrito como casa (ethos com e longo) (BOFF, 2003, pp. 38-39).
E a palavra moral, de onde vem? Ela vem da palavra latina mores
e significa costumes e hábitos. Na morada, os seus habitantes têm costumes,
tradições, maneiras e jeitos de organizar as refeições, as reuniões, as festas
etc. Os gregos também chamavam a isso de ethos, só que escrito com a
letra eta (o e curto). Como observa Boff (2003, p. 40), os homens
medievais não eram tão sutis como os gregos e usavam a palavra moral
indiscriminadamente tanto para os usos e costumes quanto para os princípios
que os moldavam. Contudo, eles faziam uma distinção entre uma filosofia moral
e uma moral prática, ao molde dos gregos; os mais cultos assim o faziam.
A compreensão destas diferenças é de suma importância. O uso
corriqueiro da palavra pode esvaziar o seu real significado. O uso desmedido
cria um tipo de abuso. O abuso acaba desgastando o que não pode ser desgastado,
em nenhuma hipótese. Urgentemente, é preciso recuperar o sentido real da
palavra ética, pois ela deve cumprir seu papel como fator de preservação da
vida e da paz na Terra. Boff (2003, p. 41) dá um bom exemplo de um uso abusivo
das palavras ética e moral:
A partir desta compreensão estaríamos habilitados a ajuizar as
várias éticas e morais existentes nas culturas mundiais. Restringimo-nos à
mais vigente e hegemônica hoje, à ética e à moral capitalistas. A ética
capitalista diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimentos e
em menos tempo possível. A moral capitalista concreta reza: empregar
menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza
para acumular mais meios de vida e riqueza.
Um rápido exercício de imaginação: como seria a residência de pessoas,
que tivessem costumes (mores) tão mesquinhos? Um microcosmo com tais
características tem tudo para produzir caracteres humanos (ethos) do
mesmo tipo. Não tem? Essa casa teria imensas dificuldades para sobreviver por
muito tempo e o tempo da sobrevivência seria um tempo de guerra. Como é
possível imaginar que no macrocosmo, o nosso planeta Terra, a sobrevivência
pacífica da humanidade pode acontecer com essa “ética” e essa “moral”? A
realidade, ao que tudo indica, parece corroborar tal impossibilidade. Boff
(2003, p. 41) considera essa “uma das razões, nada irrelevante, da grave
crise atual, crise de valores, crise de uma visão mais humanitária e generosa
da vida, crise de ótica que gera uma crise de ética”. A mesquinhez é a
marca do nosso tempo, é só observar como se divide a da riqueza em todos os
países, incluindo o Brasil.
Ervin Laslo (2006, p. 45) discorre sobre a necessidade de se construir
uma ética planetária; “trata-se de um imperativo do nosso tempo”. Para
ele, além da moralidade particular (ética pessoal) e da moralidade pública (ética
compartilhada no grupo étnico ou nação), existe ainda uma moralidade universal
(ética planetária). Ele avalia que chegou a hora de dedicar atenção especial à
construção de uma ética que possa ser adotada por indivíduos de todas as
religiões, raças, sexos e convicções, e pontua as dificuldades dessa nova construção:
Como, nos países comunistas, os ideais igualitários de Marx, Lênin e
Mao falharam na prática, a mais alta expressão da ética no dia-a-dia, para a
maior parte da humanidade, vem sendo o liberalismo – herança conceitual de
Bentham, Locke, Hume e da escola clássica de filósofos britânicos. Aqui, ética
e moralidade não têm base objetiva: as ações humanas são fundamentadas no
interesse próprio, no máximo moderadas pela solidariedade altruísta (...)
“Viva e deixe viver” é o princípio liberal. Você pode viver como quiser, desde
que não infrinja a lei (Laslo, 2006,
pp. 47-48).
Ele considera que, nos dias de hoje, o liberalismo contribui para um
tipo complicado de tolerância. Deixar que cada pessoa viva como quiser, desde
que seguindo a lei, pode apresentar grandes riscos. Os ricos podem, por
exemplo, corretamente dentro da lei, consumir um pedaço desproporcional de
recursos aos quais os pobres também têm direito, criando com isso danos
irreversíveis ao meio ambiente, o que, de fato, já está ocorrendo. A
observância da lei não pode ser o único parâmetro para a humanidade. Então, tentando
resolver esta questão, Laslo ( 2006, p. 48) propõe o seguinte:
Em vez de “viver e deixar viver”, precisamos de uma ética planetária
que seja tão intuitivamente significativa e instintivamente atraente quanto à
ética do liberalismo, porém mais bem adaptada às condições do planeta. Tal
ética substituiria o “Viva e deixe viver”, do liberalismo, pelo “Viva mais
simplesmente, para que outros possam simplesmente viver”, de Ghandi (...) Não
deve ser excedida a capacidade que tem o planeta de suprir as necessidades de
seus habitantes. Então, a ética planetária de que precisamos é mais bem
definida assim: Viva de modo que os outros também possam viver.
A necessidade de construir uma ética para o planeta Terra é de extrema
importância e sua relevância para a própria sobrevivência da humanidade é inquestionável.
A busca desenfreada por riqueza e poder, numa tentativa torta e míope de se diferenciar
no meio dos seres humanos, dificulta a convivência harmoniosa entre todos os homens
e destes com os demais seres do planeta. A humanidade, acompanhada por todos os
outros seres, já não pode se dar ao luxo de esperar pelo futuro, pois a
humanidade e a vida na Terra estão em grande risco. O aquecimento global é
apenas um dos exemplos da tragédia contemporânea. Neste momento, a tarefa de
corrigir os rumos cabe a toda humanidade e não apenas àqueles que têm poder.
Também como Laslo, Boff defende, em Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão
pela Terra, a construção de uma ética planetária. Para ele, a casa humana
não é mais o estado-nação, mas toda a Terra e “urge modelá-la de tal forma
que tenha sustentabilidade para modelar um novo sonho civilizacional”. Há
que se fundar um novo ethos para permitir uma convivência nova entre os
homens e destes com todos os demais seres. A nova ética deverá nascer da
essência, da natureza mais profunda do ser humano. Ocorre que a essência do
homem está mais no cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que
se resgatar a essência do humano.
Referências
BOFF, Leonardo. Ética
e moral: a busca os fundamentos. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,
2003.
______. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis,
RJ: Editora Vozes, 1999.
GALLO, Zildo. Ethos, a grande morada humana: economia,
ecologia e ética. Itu, SP: Ottoni Editora, 2007.
LASLO, Ervin. A necessidade de
uma ética planetária. In: MAGALHÃES, Dulce (org.). A paz como caminho. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2006.
ola professor> quando cita bom é o que permite acumular mais com menos investimentos e em menos tempo possível. A moral capitalista concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza para acumular mais meios de vida e riqueza. "Esta tudo relacionado a etica e falta de sustentabilidade do individuo, no caso o empregador ? " grato.
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