Olhando para o lado direito da figura, vê-se uma representação da relação economia-ecologia antes das revoluções industriais, numa sociedade pré-industrial. Podia-se afirmar com segurança que a economia estava mais subordinada ao meio ambiente, principalmente pelos limites impostos aos homens pela matriz energética de então, que dificultava a movimentação autônoma de máquinas e limitava a velocidade e a capacidade do sistema de transportes. A produção de mercadorias era muito pequena se comparada com a situação da sociedade industrial e, por consequência, a destruição da natureza também acontecia numa escala muito menor. Tudo isso já é sabido, então, não é necessário alongar-se no assunto.
Então, o que é importante e de interesse aqui neste artigo. O que interessa é a discussão de como sair da situação (pós sociedade industrial) descrita no lado esquerdo da figura, onde a natureza vive uma situação de total subordinação à economia e onde a sua exploração já tem ultrapassado os limites indispensáveis à sua autorregeneração. A figura acima sugere uma espécie de retorno à situação pré sociedade industrial sem perder os avanços científicos e tecnológicos conquistados até aqui; trata-se de um retorno à natureza num estágio superior da civilização.
Em relação à indústria o que se pede é que ela diminua o uso abusivo dos recursos naturais (minerais, energéticos, florestais etc.) e que diminua as externalidades negativas, com destaque para a poluição, o que implica na redução dos resíduos produzidos e no aumento da vida útil das suas mercadorias (fim da obsolescência programada). Ela deve também se responsabilizar pela reciclagem dos seus produtos (bens de consumo duráveis e semiduráveis e embalagens) e diminuir expressivamente a produção de bens nãos recicláveis, como as embalagens não passíveis de reciclagem, por exemplo. E o mais importante: ela precisa diminuir a emissão dos gases do efeito estufa numa velocidade maior do que a de agora. Tudo isso implica em muita ciência e não na sua negação, como muitos pensam, pois é necessário migrar de uma tecnologia de alto impacto para outra de baixo impacto.
Em relação à agropecuária, o que se espera é que ela supere a "revolução verde", baseada em insumos artificiais (agrotóxicos e fertilizantes químicos) e evolua no sentido da agroecologia, onde a agropecuária interage com o meio ambiente de forma positiva, onde a natureza torna-se uma aliada do produtor rural, deixando de ser uma inimiga que precisa ser combatida com "defensivos agrícolas". Também se faz necessária um diminuição do consumo de carne, em particular a bovina, que contribui para o aumento do efeito estufa pela emissão de metano e pela diminuição das florestas que se convertem em áreas de pastagens (expansão da fronteira agrícola). Assim, a agroecologia implica em muita ciência, pois se faz necessário um profundo conhecimento do meio natural para se praticar uma agricultura que conviva de forma harmoniosa e produtiva com ele. Para a agropecuária vale o mesmo que para a indústria: é necessário migrar de uma tecnologia de alto impacto para outra de baixo impacto.
Hoje a maior parte da população mora nas cidades e elas se tornaram insustentáveis do ponto de vista socioambiental. Há que se pensar numa cidade para a coletividade e não para o indivíduo. Um dos grandes dramas dos grandes centros urbanos está na mobilidade. É necessário migrar de um modelo baseado no transporte individual para outro sustentado no transporte coletivo; isso implicaria no fim dos eternos congestionamentos e na diminuição significativa da poluição do ar. As cidades também precisam de mais áreas verdes, livres de construções, para o lazer e para o necessário contato com a natureza, há muito tempo inexistente ou muito restrito nos meios urbanos. Muitos habitantes das cidades vivem em condições de pobreza e acabam ocupando áreas ambientalmente muito frágeis, como as margens dos corpos d'água e as encostas de morros. As soluções habitacionais devem levar em consideração o bem-estar das pessoas e a qualidade ambiental. Há que se ir além da especulação imobiliária desenfreada e evoluir para uma situação de planejamento urbano que considere tanto as questões sociais como as ambientais, entendendo que morar bem é um direito de todos, indistintamente, tratando-se de um direito humano fundamental. Para o planejamento urbano também é válido o mesmo que para a indústria e a agricultura: é necessário migrar de uma tecnologia de alto impacto para outra de baixo impacto.
O Brasil adotou, particularmente a partir da ditadura militar, a opção rodoviária para o transporte de pessoas e cargas. Isso tem implicado no consumo exagerado de petróleo e no aumento da poluição, principalmente em relação à emissão de gases do efeito estufa. As ferrovias, as hidrovias e a navegação de cabotagem são saídas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental. A mudança da matriz de transportes além de uma necessidade econômica (implica em sensíveis barateamentos de custos, o chamado "custo Brasil") também significa impactar menos o meio ambiente, já que diminuiria a quantidade de caminhões transitando pelas rodovias e a de automóveis congestionando as autoestradas e as ruas das cidades, principalmente das metrópoles. Trata-se de um processo de médio e longo prazos, mas que precisa ter seu início já, imediatamente.
Outra mudança fundamental é a dos padrões de consumo. Muitos consomem em demasia e outros muitos passam necessidades. Os que consomem em excesso precisam consumir menos, em alguns casos muito menos, e os que pouco consomem (os pobres) precisam consumir mais. Para ambos serve a seguinte orientação: é preciso consumir moderadamente e com qualidade, pois os bens de consumo devem ser benéficos à saúde e não devem impactar o meio ambiente; no caso dos bens duráveis, eles precisam ser efetivamente duráveis, evitando o seu descarte precoce. É necessário ir além da cultura do descartável, que cresceu por conta da comodidade e dos interesses do capital. Os consumidores precisam conhecer os impactos produzidos pelo seu consumo. Trata-se da necessidade de uma revolução cultural, que implicaria numa mudança de valores que vai no sentido de migrar da valorização das aparências ostentatórias para a valorização de elementos apenas aparentemente mais subjetivos como cultura, conhecimento, qualidade de vida, bem-estar físico e mental etc.
A título de contribuição ao debate, abaixo estão lançadas várias propostas que objetivam melhorar as condições socioambientais do nosso planeta. Estou no Ocidente e como ocidental tenho como sugerir contribuições para o necessário retorno à natureza através das mudanças culturais e socioeconômicas. A partir do meu livro
"Ethos, a Grande Morada Humana: Economia Ecologia e Ética" (2007), eu escrevi neste blog um artigo denominado
"Como começar a mudar o mundo a partir do
ocidente". Nele eu tomei como ponto de partida as questões inerentes ao Ocidente e elaborei um conjunto de propostas que
considero necessárias para que se comece uma trajetória positiva no sentido da
construção de um mundo melhor. Seria uma espécie de "como podemos fazer a
nossa parte". Não são propostas facilmente exequíveis, por conta do
primitivo estágio civilizatório da humanidade ainda nos tempos atuais, mas são
necessárias à própria sobrevivência da humanidade de forma digna. Não
considerá-las neste momento, pode significar um passo rumo à barbárie. Transcrevo aqui as propostas do meu artigo:
Sobre
a academia e a fragmentação da ciência -
Em relação à fragmentação do conhecimento científico, tem-se
observado uma mudança positiva, nos últimos anos, que já tem chegado ao meio
acadêmico. A academia já tem, pelo menos parte dela, enfrentado a resistência
ao conhecimento interdisciplinar. Trata-se de um exercício de humildade que o cientista
precisa adotar, saindo do casulo da sua área de saber e se aproximando das
demais. Contudo, há muito que avançar ainda; o ocidente ainda continua muito
impermeável à penetração de saberes de outra origem; os conhecimentos
provindos do oriente servem para exemplificar. Mas, até em relação a estes, as
resistências têm diminuído, apesar da
lentidão. A aceitação das medicinas chinesa e indiana são bons exemplos disso,
por exemplo.
Sobre
a ética planetária - A necessidade
de se construir uma ética para o planeta Terra é de extrema importância e sua
relevância para a própria sobrevivência da humanidade é, cada vez mais, inquestionável.
Os limites do estado-nação precisam ser superados. Doravante, é necessário modelar um novo projeto de civilização,
baseado na paz e no cuidado para todos os países. É preciso fundar um
novo ethos para permitir uma nova convivência entre os homens e destes
com todos os demais seres do planeta. A nova ética deverá nascer da essência,
da natureza mais profunda do ser humano. Ocorre que a essência do homem está
muito mais no cuidado, na compaixão, do que na razão e na vontade. Há que se
resgatar a essência do humano. É preciso ir além da ciência, muito além.
Trata-se de um projeto de caráter multicultural, envolvendo todas as tradições
culturais de todos os povos, incluindo aí todas as religiões, indistintamente.
Há a necessidade de aberturas de diálogos entre as culturas e religiões
diferentes no sentido de se estabelecer um espaço de paz e tolerância entre
elas.
Sobre
a ética econômica - A
aproximação entre ética e economia é cada vez mais necessária e será benéfica
para ambas. Muitos problemas éticos estão ligados a questões logísticas, que
são objetos de estudo da ciência econômica, como o problema da fome, do
saneamento básico e da exploração do trabalho infantil, entre vários outros. As
soluções passam, muitas vezes, pela engenharia econômica, a engenharia
econômica a serviço de um objetivo maior, ético: o bem-estar social. A responsabilidade pelo bem-estar social é
de todos, não é só dos economistas, ela é nacional e transnacional, porque os
seres humanos que sofrem não podem ficar segregados nos seus territórios. É
preciso encarar toda a humanidade como uma grande família. Onde quer que
habitem, a preocupação com os que têm fome e padecem de doenças não pode cessar
porque os aflitos estão do outro lado da fronteira. A ética econômica precisa
ter este caráter universal.
Sobre uma filosofia para a natureza - O desenvolvimento da razão
científica, que é o principal produto da civilização ocidental, distanciou o
homem da natureza e facilitou para que ele assumisse uma atitude arrogante e dominadora
em relação a ela. Acontece que a racionalidade do ocidente é linear e
fragmentada (cada ciência no seu quadrado), uma herança da Revolução Científica
que teve início no século XVII, e os sistemas ecológicos são redes dinâmicas não
lineares. Esta racionalidade não consegue captar a complexidade dos sistemas
vivos e o resultado disto pode ser visto nas tragédias ambientais que se
espalham por todo o planeta. Quando se analisa a modernidade científica e
técnica, descobre-se por detrás dela o funcionamento de uma determinada
filosofia: o “realismo materialista”. A nova filosofia precisa ser uma
alternativa ao realismo materialista; deve ser holística, ecológica e
espiritual. Ela também precisa extrapolar o antropocentrismo, pois toda a
natureza e os seus ecossistemas devem ser considerados. A ciência econômica,
por exemplo, não pode cuidar só do bem-estar dos seres humanos, mas de todos os
seres, indistintamente, que precisam de água com qualidade adequada, de solos
não contaminados, de ar limpo e alimentação.
Sobre
a sustentabilidade do desenvolvimento - O
desenvolvimento sustentável deve ser aquele que, além de atender às necessidades
do presente, também não compromete a possibilidade de as gerações futuras atenderem
as suas próprias necessidades. A humanidade precisa rapidamente ser capaz de
tornar sustentável o desenvolvimento econômico. O conceito de desenvolvimento
sustentável tem limites; não são limites absolutos, são limites impostos pelo
estágio atual da ciência, da tecnologia e da organização social e pela
capacidade da biosfera de absorver os efeitos antrópicos negativos. Tanto a
tecnologia quanto a organização social devem ser geridas e aprimoradas a fim
de proporcionar uma nova era de crescimento econômico que não produza de novo
as destruições que o progresso material tem provocado até agora. O desenvolvimento
sustentável não é um estado de harmonia permanente. Trata-se de um processo de
mudança bem difícil, mas necessário, onde o uso dos recursos, a alocação dos
investimentos produtivos, o desenvolvimento da tecnologia e as mudanças
institucionais têm que estar em conformidade com as necessidades do presente e
do futuro. Do ponto de vista econômico, há que se pensar no longo prazo, o que
significa uma mudança radical, pois o mercado atua quase que exclusivamente no
curto prazo. Assim, é necessária a reintrodução do planejamento no debate
econômico, algo que foi deixado de lado com a expansão do neoliberalismo a
partir dos anos 80 do século XX, indo além do mercado.
A retomada do crescimento econômico em termos
planetários é necessária e o mercado sozinho não tem meios para tanto. Então, há
que se pensar num novo New Deal (Novo
Acordo), mas desta vez ele tem que avançar em relação ao planejamento adotado por
Franklin Roosevelt para os Estados Unidos, entre 1933 e 1937, que estava focado
em dois aspectos, o crescimento econômico e o progresso social, introduzindo a
gestão ambiental como um terceiro aspecto indispensável. Trata-se da
necessidade de se adotar uma espécie de Green
New Deal (Novo Acordo Verde), que leve em consideração a capacidade de
suporte da natureza e ao mesmo tempo realize o bem-estar social, incluindo as
populações excluídas das benesses da modernidade.
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Fonte: Prof. Dr. Zildo Gallo |
Sobre
o consumismo - Nos dias de hoje,
o consumidor com poder de compra, com renda, fica atordoado diante do imenso
leque de possibilidades de consumo posto à sua frente e não consegue
compreender as suas repercussões sobre o meio ambiente do planeta. Assim, as
propostas de mudança nos padrões de consumo são importantes na busca da utopia
de uma “sociedade sustentável”. Os consumidores podem e devem politizar as
práticas de consumo, cobrando dos produtores práticas sociais e ambientais
responsáveis. Então, há que se fazer um esforço para diminuir a ignorância do
consumidor sobre as repercussões das suas escolhas, ou seja, torná-lo ciente do
impacto delas. É necessária e urgente uma “alfabetização ecológica”. Ela
ajudaria o consumidor a compreender as consequências das escolhas. Ensinar o
“saber ecológico” será o maior papel da educação neste século. A alfabetização
ecológica precisa se tornar uma obrigação para políticos, empresários e
profissionais de todas as áreas, e deve ser, também, uma preocupação central da
educação em todos os seus níveis – fundamental, médio, universitário e
profissionalizante.
Sobre
uma democracia global - A
necessidade de se construir uma democracia global é óbvia tanto para os dirigentes
dos países maiores quanto para os dirigentes de países pequenos. Ocorre que,
num mundo globalizado, as ações de cada país podem repercutir em todo o planeta
até por séculos adiante e a democracia, nos moldes atuais, continua elegendo
seus dirigentes com base em eleições nacionais para mandatos de durações
curtas. O mundo tornou-se global e de longo prazo e a democracia ainda é
nacional e de curto prazo. Neste sentido, para se democratizar, a globalização
deve deixar de ser identificada apenas com o comércio, como acontece nos dias
de hoje. As relações de comércio continuarão moldando o futuro próximo do
planeta Terra por um longo tempo. Entretanto, para que elas aconteçam dentro
dos marcos civilizatórios, terão que ser acompanhadas por uma crescente
solidariedade internacional, que contemple investimentos para superar a
exclusão social e as catástrofes locais. Uma democracia global tem que combinar
a democracia nacional com a solidariedade internacional e histórica em relação
às sociedades de hoje e às gerações futuras.
Os pontos levantados acima caracterizam
uma Nova Utopia. Cada vez mais há que se pensar em termos globais, este é o
princípio número um. Todavia, a globalização pretendida deve ir muito além da
mera globalização econômica dos dias atuais. É necessário que se universalizem
valores humanos lastreados em princípios igualitários e de justiça: fim da
pobreza; das exclusões por credos
religiosos, raça, opção sexual etc. e; fim das desigualdades entre homens e
mulheres. Muitos direitos também devem ser globalizados: segurança alimentar;
educação; saúde; habitação; transporte coletivo etc. Enfim, há a necessidade de
se pensar uma sociedade nova, sem privilégios de nenhuma ordem. O estado de
bem-estar social (Welfare State), existente em vários países da Europa, com
destaque para os países nórdicos, precisa ser universalizado como ponto de partida para uma nova
sociedade. As palavras de ordem da Revolução Francesa (Liberté, Egalité,
Fraternité) precisam ser postas de novo na ordem do dia, pois, afinal, somos
todos iguais, ou não somos? A liberdade deve ser para todos e se tem algo que
limita a liberdade, este algo é a pobreza. A fraternidade, por sua vez, é um
valor que precisa ser universalizado, que precisa adentrar nos corações e
mentes de todos os seres humanos, pois ela é o ponto de partida para a
igualdade. Não dá para pensá-las separadamente, como costumeiramente acontece.
Referência
GALLO, Zildo. Ethos, a grande morada humana: economia, ecologia e ética. Itu, SP:
Ottoni Editora, 2007.
GALLO, Zildo.
Como mudar o mundo a partir do Ocidente. Disponível em:
http://zildo-gallo.blogspot.com.br/2015_03_01_archive.html