Zildo Gallo
Posto de venda de agricultora localizado ao lado da unidade
de produção em Havana.
Foto: Paulo Rogério Lopes, 2012.
Nos
tempos idos da extinta União Soviética, Cuba era profundamente dependente da
importação em larga escala de alimentos básicos que eram consumidos
internamente. A agroindústria também dependia da importação de fertilizantes
químicos, herbicidas, pesticidas, rações para animais e de combustível para a
maquinaria agrícola. Tudo isso acabou com o fim da União Soviética entre 1989 e
1991. Nesse período, Cuba perdeu mais de 60% de seu comércio exterior. A fome e
a desnutrição voltaram a assolar a vida dos cubanos e o país mergulhou numa
profunda crise econômica.
Com requintes de
crueldade, naquele momento, os Estados Unidos (EUA) endureceram o embargo
econômico à "Ilha de Fidel", imaginando a hipótese de colapso do governo que se
estabelecera há décadas na Ilha. Ao governo cubano restou uma enorme tarefa:
dobrar a produção local de alimentos usando os poucos insumos químicos disponíveis
naquele momento crucial, mas Cuba acabou seguindo outro rumo.
Esther Roycroft-Boswell (Coordenadora de Consultoria
Internacional, HDRA, Coventry, Reino Unido) teve seu artigo "Perspectivas
da agricultura urbana orgânica em Cuba" traduzido e
publicado pela Revista de Agricultura Urbana (RAU), ed. nº 6, março/2002. Lá se vão 14
anos, mas o artigo ainda é muito atual e relevante. Nele a autora aponta como
se deu o crescimento da agricultura orgânica na Ilha e levanta a hipótese de
uma discutível solução de continuidade da mesma a partir do processo de
distensão do embargo econômico imposto pelos EUA. Abaixo eu relato os pontos
relevantes do artigo que foi devidamente traduzido por Joaquim Moura
para a RAU em março de 2002.
Conforme a autora, os dirigentes cubanos sentindo-se pressionados "pela perda dos agroquímicos
importados e pressionados pela crescente conscientização dos danos ao meio
ambiente causados pela agricultura convencional," buscaram novos métodos de cultivo
sustentáveis para ressuscitar a sua produção alimentar doméstica. Alguns
cientistas agrícolas cubanos já realizavam pesquisas com agricultura orgânica e
promoviam métodos sustentáveis de plantio desde os anos 70, "foi para eles que o governo
se dirigiu em busca de orientação."
Esther
Roycroft-Boswell informa que grandes extensões de terra usadas para a agricultura
de exportação foram convertidas à produção de alimentos. Incentivos governamentais
estimularam os desempregados nos centros urbanos a migrarem para o campo. Também
foram introduzidos métodos orgânicos como: rotação dos cultivos, produção de
compostos orgânicos, aumento da biodiversidade nos cultivos, proteção dos
predadores naturais das diversas pragas agrícolas e a conservação da água e do
solo.
Os institutos de
pesquisa de Cuba encarregaram-se de desenvolver técnicas de compostagem mais
sofisticadas. Foram abertos mais de 200 centros para produção e difusão de
métodos de controle biológico de pragas. A partir de 1996, as posturas dos municípios
focaram na produção orgânica local de alimentos, informa a autora. Para estimular
também a produção de alimentos em pequena escala no meio urbano, o governo distribuiu
terras que não eram utilizadas àqueles que desejassem cultivá-las.
Indiferente aos muitos
incrédulos, a autora mostra-se otimista com a continuidade da agricultura
orgânica em Cuba:
"Houve quem duvidasse se o governo continuaria
apoiando a longo prazo um enfoque mais sustentável para a produção de
alimentos, e alguns ainda acham que o governo mudará de enfoque se o embargo
for levantado e se os agrotóxicos e adubos químicos estiverem de novo
facilmente disponíveis. Porém a adoção massiva da produção orgânica teve um
enorme impacto e parece que seu apoio já se difundiu por todo o governo, e não
se mantém somente devido à decisão de uns poucos. A partir de 1998 o
Departamento de Agricultura Urbana foi integrado ao Ministério da Agricultura,
com abrangência nacional, e desde então vem divulgando crescentemente os
métodos orgânicos de produção."
Tudo tem levado a
crer que se trata de um caminho sem volta, pois "as hortas nas escolas e/ou mantidas por elas em terrenos próximos
tornaram-se mais comuns," a partir do momento em que a produção local
de alimentos e a ecologia tornaram-se parte do currículo escolar. O crescente interesse por formas sustentáveis de energia e por
tecnologias apropriadas "tem levado
à criação, em todo o país, de centros de experimentação e demonstração,
bibliotecas itinerantes e escolas de extensão de técnicas agrícolas
apropriadas."
Hoje em dia, os
agricultores cubanos, tanto rurais como urbanos, produzem para si e suas
famílias e também para os consumidores. Mas Cuba não parou aí, também interessou-se
em exportar produtos orgânicos. O governo decidiu desenvolver um método de
certificação orgânica com a ajuda da Soil
Association (Reino Unido), da Federação Internacional de Movimentos de
Agricultura Orgânica, e de outras entidades internacionais ligadas ao assunto
em questão. Em posse da certificação orgânica, os agricultores estarão
habilitados a aumentar suas rendas exportando e vendendo seus produtos
etiquetados como orgânicos aos turistas, a preços mais rentáveis.
Torçamos para que não
haja retrocesso! Aguardemos...
Leia o artigo completo da
autora em:
Leia também:
Agricultura urbana ecológica: a experiência de
Cuba. Em:
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