segunda-feira, 31 de outubro de 2016

RUMO AO OCEANO: UM TRIBUTO À PAZ

Zildo Gallo


Haverá um tempo
Em que colocarei o meu olhar
Na linha do horizonte e não sentirei
O meu peito apertado,
Sem ansiedade e nenhum temor...
Haverá um tempo do dever cumprido,
Do contemplar o edifício acabado,
A casa do espírito em paz.
Haverá um tempo para contemplar
As águas mansas do regato
Que, lentamente... lentamente...
Caminham para seu destino maior,
Rumo ao longínquo oceano.
Haverá um tempo
Em que olharei para trás
E sentirei,
Aproximando-me do imenso oceano,
A certeza de ter feito o que pude
E o melhor...
No meu sinuoso e acidentado caminhar.

Zildo Gallo - Campinas/SP, 12 de fevereiro de 2002


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

É JUSTO? (8)

ZILDO GALLO

Garimpar imagens na imensidão da internet e observá-las pode ser um bom exercício para compreender o mundo nos dias de hoje. Muitas vezes as imagens falam por si mesmas, como nas fotografias de Sebastião Salgado, mas elas podem (servem) para ilustrar crônicas e poemas como é o caso do meu poema A fome e o papel. Uma imagem pode ajudar na compreensão de textos, pode? Ela pode falar mais que os textos. À imagem e ao poema!
 
tenho fome e preciso caçar minha comida.

Onde posso achar essas delícias?

Aqui tem milhares dessas delícias.

A fome e o papel

A barriga me dói n’alma
E nem sei se alma ainda tenho,
Pois já nem tenho forças
Para caçar minha comida
Na grande selva entijolada
E cada vez mais vazia,
Deserta de vida real e de frutos.

O arco, a flecha e a lança pontuda
E as matas dos meus ancestrais
Já não me servem, nem existem.
Preciso agora de folhas,
Muitas folhas estampadas,
Feitas da madeira da floresta,
Aquilo que dizem ser dinheiro.

Se não tenho dessas folhas
Não consigo chegar
Às montanhas das guloseimas
Que apodrecem a espera
Dessas coloridas figurinhas,
Que, num abracadabra,
Transformam-se em saborosa comida.


sexta-feira, 14 de outubro de 2016

MALES QUE VÊM PARA O BEM: AGRICULTURA ORGÂNICA EM CUBA

Zildo Gallo

Posto de venda de agricultora localizado ao lado da unidade de produção em Havana.
Foto: Paulo Rogério Lopes, 2012.

Nos tempos idos da extinta União Soviética, Cuba era profundamente dependente da importação em larga escala de alimentos básicos que eram consumidos internamente. A agroindústria também dependia da importação de fertilizantes químicos, herbicidas, pesticidas, rações para animais e de combustível para a maquinaria agrícola. Tudo isso acabou com o fim da União Soviética entre 1989 e 1991. Nesse período, Cuba perdeu mais de 60% de seu comércio exterior. A fome e a desnutrição voltaram a assolar a vida dos cubanos e o país mergulhou numa profunda crise econômica.
Com requintes de crueldade, naquele momento, os Estados Unidos (EUA) endureceram o embargo econômico à "Ilha de Fidel", imaginando a hipótese de colapso do governo que se estabelecera há décadas na Ilha. Ao governo cubano restou uma enorme tarefa: dobrar a produção local de alimentos usando os poucos insumos químicos disponíveis naquele momento crucial, mas Cuba acabou seguindo outro rumo.
Esther Roycroft-Boswell (Coordenadora de Consultoria Internacional, HDRA, Coventry, Reino Unido) teve seu artigo "Perspectivas da agricultura urbana orgânica em Cuba" traduzido e publicado pela Revista de Agricultura Urbana (RAU), ed. nº 6, março/2002. Lá se vão 14 anos, mas o artigo ainda é muito atual e relevante. Nele a autora aponta como se deu o crescimento da agricultura orgânica na Ilha e levanta a hipótese de uma discutível solução de continuidade da mesma a partir do processo de distensão do embargo econômico imposto pelos EUA. Abaixo eu relato os pontos relevantes do artigo que foi devidamente traduzido por Joaquim Moura para a RAU em março de 2002.
Conforme a autora, os dirigentes cubanos sentindo-se pressionados "pela perda dos agroquímicos importados e pressionados pela crescente conscientização dos danos ao meio ambiente causados pela agricultura convencional," buscaram novos métodos de cultivo sustentáveis para ressuscitar a sua produção alimentar doméstica. Alguns cientistas agrícolas cubanos já realizavam pesquisas com agricultura orgânica e promoviam métodos sustentáveis de plantio desde os anos 70, "foi para eles que o governo se dirigiu em busca de orientação."
Esther Roycroft-Boswell informa que grandes extensões de terra usadas para a agricultura de exportação foram convertidas à produção de alimentos. Incentivos governamentais estimularam os desempregados nos centros urbanos a migrarem para o campo. Também foram introduzidos métodos orgânicos como: rotação dos cultivos, produção de compostos orgânicos, aumento da biodiversidade nos cultivos, proteção dos predadores naturais das diversas pragas agrícolas e a conservação da água e do solo.
Os institutos de pesquisa de Cuba encarregaram-se de desenvolver técnicas de compostagem mais sofisticadas. Foram abertos mais de 200 centros para produção e difusão de métodos de controle biológico de pragas. A partir de 1996, as posturas dos municípios focaram na produção orgânica local de alimentos, informa a autora. Para estimular também a produção de alimentos em pequena escala no meio urbano, o governo distribuiu terras que não eram utilizadas àqueles que desejassem cultivá-las.
Indiferente aos muitos incrédulos, a autora mostra-se otimista com a continuidade da agricultura orgânica em Cuba:
"Houve quem duvidasse se o governo continuaria apoiando a longo prazo um enfoque mais sustentável para a produção de alimentos, e alguns ainda acham que o governo mudará de enfoque se o embargo for levantado e se os agrotóxicos e adubos químicos estiverem de novo facilmente disponíveis. Porém a adoção massiva da produção orgânica teve um enorme impacto e parece que seu apoio já se difundiu por todo o governo, e não se mantém somente devido à decisão de uns poucos. A partir de 1998 o Departamento de Agricultura Urbana foi integrado ao Ministério da Agricultura, com abrangência nacional, e desde então vem divulgando crescentemente os métodos orgânicos de produção."
Tudo tem levado a crer que se trata de um caminho sem volta, pois "as hortas nas escolas e/ou mantidas por elas em terrenos próximos tornaram-se mais comuns," a partir do momento em que a produção local de alimentos e a ecologia tornaram-se parte do currículo escolar. O crescente interesse por formas sustentáveis de energia e por tecnologias apropriadas "tem levado à criação, em todo o país, de centros de experimentação e demonstração, bibliotecas itinerantes e escolas de extensão de técnicas agrícolas apropriadas."
Hoje em dia, os agricultores cubanos, tanto rurais como urbanos, produzem para si e suas famílias e também para os consumidores. Mas Cuba não parou aí, também interessou-se em exportar produtos orgânicos. O governo decidiu desenvolver um método de certificação orgânica com a ajuda da Soil Association (Reino Unido), da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica, e de outras entidades internacionais ligadas ao assunto em questão. Em posse da certificação orgânica, os agricultores estarão habilitados a aumentar suas rendas exportando e vendendo seus produtos etiquetados como orgânicos aos turistas, a preços mais rentáveis.
Torçamos para que não haja retrocesso! Aguardemos...

Leia o artigo completo da autora em:

Leia também:
Agricultura urbana ecológica: a experiência de Cuba. Em:

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

É JUSTO? (7)

ZILDO GALLO

Garimpar imagens na imensidão da internet e observá-las pode ser um bom exercício para compreender o mundo nos dias de hoje. Muitas vezes as imagens falam por si mesmas, como nas fotografias de Sebastião Salgado, mas elas podem (servem) para ilustrar crônicas e poemas como é o caso do meu poema Fashion. Uma imagem pode ajudar na compreensão de textos, pode? Ela pode falar mais que os textos. Às imagens e ao poema!

NA MINHA MENINICE INOCENTEMENTE COLHO O MAIS ALVO ALGODÃO.

NA NOSSA JUVENTUDE DESFILAMOS O ALGODÃO DA INFÂNCIA DOS MENINOS.

Fashion

De que riem os meninos que colhem algodão?
Só pode ser da sua própria inocência.
Não pode ser da infância roubada,
Vendida a preços módicos,
Nas negociatas do capital globalizado.

De que riem as garotas elegantes?
Não... não pode ser dos meninos inocentes
Que vendem a sua infância pobre
Para embelezá-las a preços ricos.
Estariam elas enfeitiçadas no mundo fashion?


A QUE VIM