quinta-feira, 25 de maio de 2023

AMADURECIMENTO

Zildo Gallo

 

 

Criança feliz

Tira catota do nariz

A criança tira à vista

O adulto na encolha

Assim evolui a humanidade

Da infância alegre

À sisuda maturidade


segunda-feira, 22 de maio de 2023

PAU DE SEBO NO BAR BACAN

Zildo Gallo



Sábado de Aleluia de 1966. Naquele dia já muito distante, nos idos da minha infância, na frente do Bar Bacan, que ficava na Avenida Campos Sales, no município de Americana/SP, dois eventos inesquecíveis para mim aconteceram, um bem na sequência do outro: a Malhação de Judas e o Pau de Sebo.

Lembro-me nitidamente de estar com um pedaço de pau nas mãos e que batia com todas as minhas forças num boneco feito de roupas velhas e recheado com palha de milho, acho que era palha de milho, disso não tenho muita certeza. Hoje, entendo que vivenciava com meus amigos um processo catártico, onde desforrávamos as nossas frustrações infantis.

Na frente do Bar Bacan havia uma área livre bastante grande, que se aprofundava, a partir da calçada, para dentro do terreno construído. Naquela área muitas coisas aconteciam, inclusive a Malhação de Judas e o Pau de Sebo, como naquele ano de 1966. Também me lembro vagamente de uma festa junina, com quadrilha, fogueira e tudo o mais.

Muitas coisas aconteciam nesse bar, que não era apenas um bar onde, nos fins de tarde, os operários têxteis faziam uma parada rápida para um trago de cachaça no meio do trajeto até as suas moradias. Lá também funcionava uma mercearia onde muitas famílias do entorno compravam pelo sistema de caderneta. Também havia uma cancha de bocha muito frequentada por jogadores de toda a cidade.

Lembro-me que naquele bar eu adquiri as primeiras figurinhas da minha vida. Tratavam-se de figurinhas de um álbum chamado Olé, que premiava as folhas preenchidas. Era possível ganhar vitrolas, bicicletas e até um Fusca, entre muitos outros prêmios. Não era fácil preencher as folhas com as estampas de jogadores de futebol. Não enchi nenhuma folha, mas me lembro de um vizinho que ganhou um jogo de taças de cristal bem vistoso. Não sei de nenhum ganhador do Fusca, o prêmio mais desejado. Lembro-me que o bar também virou um local de trocas das figurinhas repetidas.

Voltemos ao que interessa, ao Pau de Sebo, um tronco de eucalipto bem comprido, fincado no chão e lambuzado de sebo, muito sebo. No topo havia um punhado de prêmios, muitos prêmios, basicamente guloseimas variadas. O objetivo era escalá-lo e receber a recompensa. No meio do caminho havia prêmios menores, que serviam de estímulo.

Naquele dia não consegui amealhar nenhum prêmio, apesar das inúmeras tentativas. Depois de um certo tempo, com os meninos já todos lambuzados, alguém nos informou que, se passássemos terra no corpo, ficaria mais fácil a subida. Ficamos lambuzados e vermelhos de terra. Hoje, olhando para trás, não acredito nisso, acho que foi pura sacanagem.

Já exaustos e desanimados, eu e meus companheiros vimos a chegada de um menino mais velho. Alguém nos avisou que ele era o Rei do Pau de Sebo. Realmente era. Rapidinho ele escalou até o topo e pegou tudo e enfiou num embornal que levava pendurado no pescoço. Tinha de tudo: doce de abóbora, de batata doce, paçoca, suspiro, maria mole, pé-de-moleque, balas, chicletes, bombons Sonho de Valsa, cigarrinhos de chocolate pan, dropes de anis e o desejadíssimo chocolate Diamante Negro e mais outras delícias.

Fiquei com uma baita inveja e também com um sentimento de grande injustiça. Achava que os moleques maiores não deviam participar da disputa. Acho que os outros moleques sentiam as mesmas coisas, embora não comentássemos a respeito. Não me lembro de nenhuma menina participando da brincadeira do pau de sebo naquele ano. O machismo começava bem cedo naquela época. Apesar de tudo, devo admitir, foi muito divertido.




terça-feira, 16 de maio de 2023

CONDIÇÃO HUMANA

Zildo Gallo

 


 A mão a afagar

Põe-se a apedrejar

Os pés a caminhar

Põem-se a chutar

Os lábios a abençoar

Põem-se a amaldiçoar

Humanas condições...

Inevitáveis condições?

Há que se transcender

As condições humanas

Se esse é o preço

Que se tem a pagar

Pela permanência continuada

Da paz... da paz... da paz...

Tudo pela paz!

Inclusive a transcendência...

 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

ASNEIRA

Zildo Gallo

 

 O asno zurra

Na sua realidade burra

De carregar pesos humanos

Esforços terceirizados

Asnos do mundo todo

Uni-vos!

Uni-vos!

Empaquem todos!

Empaquem juntos!

Vocês só têm a perder

As suas rédeas curtas

E o pau duro

No lombo dolorido

 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

CIDADANIA

 Zildo Gallo

 

As ruas têm seus nomes

As casas têm seus números

As pessoas também têm

Seus nomes e seus números

E habitam as ruas com seus nomes

E as casas com seus números

Bem facilmente acháveis elas são

Assim são as cidades hoje

Com seus citadinos cidadãos

Cada vez mais numerados

E cada vez mais encontrados

 


domingo, 7 de maio de 2023

CARPE DIEM

Zildo Gallo

 

Caem os impérios

A vida continua

Arruínam-se as casas

A vida se molda

Restam humanos solitários

Brincando de não morrer

Inglória peleja

Busca alucinada

Em esticar a existência

VITA BREVIS!

CARPE DIEM!

 

 

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Mamíferos e batráquios

Zildo Gallo

 


 Enquanto coaxarem os sapos

Na lagoa a vida subsistirá

Torçamos pelo coaxar dos sapos

Para que também possamos subsistir

Aqui neste vasto e belo mundo

Assim é a vida na Terra

Uma aliança delicada entre mamíferos

E batráquios e tudo o mais

Uma corrente de elos delicados

Mas poderosos

Que não pode ser rompida

SAPO, COAXA!

 

terça-feira, 2 de maio de 2023

KAWAZU CURITIBANO

ZILDO GALLO



Cadê a velha e bela Curitiba,

Aquela cidade-poema de Paulo Leminski,

Poeta em delírio divino a misturar

Trótsky, Jesus e Bashô?

Tudo se misturava e tudo ficava certo,

Numa improvável liberdade manifesta.

Em que poderoso feitiço ela se prendeu

E se perdeu?

Que sombra estranha desceu

Sobre suas ruas, avenidas e parques?

Kawazu lunar, em desespero, te pedimos:

Vocaliza seu mágico canto,

Um haicai de encantamento,

Naquele lago de águas serenas,

Bem debaixo das robustas grades

Da imponente Ópera de Arame,

E devolve o brilho a essa urbe

Que, muito mais que de repente, se transformou

Em tenebroso presídio das esperanças,

Das alegrias,

Dos sonhos

E das liberdades.

COAXA, KAWAZU CURITIBANO!

 

A QUE VIM