Zildo Gallo
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O poeta finge as dores
Da pessoa que em si mora
Ou o poeta finge as dores
Vindas das profundezas de ti?
Será o poeta um ser espelhado,
Que se põe de ambos os lados,
Coletando insanas pétalas sanguíneas,
Vertidas no penar de cada ser?
Será o poeta um médium eterno
Dos penares que lhe cercam,
Clamando aos céus por cada um,
Num teatral lacrimejar lamuriento?
Precisa ele fingir as dores
Que deveras são sentidas
Para que, ao seu derredor,
Sangrem os corações empedernidos?
É triste a sina do poeta fingidor...
Bela é a sina do poeta a fingir dores...
Bela é a sina do poeta a fingir dores...
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Fernando
Pessoa
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.